Economia
Economia do Brasil terá mesmo ‘recuperação em V’? Entenda
Paulo Guedes tem apontado esse formado para falar da retomada do país, mas economistas também citam outros formatos, como “U”, “W” e “L”.
Rápida ou lenta? Estável ou instável? As previsões da forma como a economia brasileira deve se recuperar da crise causada pela pandemia da covid-19 não são unânimes. O ministro Paulo Guedes tem dito que a recuperação está acontecendo “em V”. Outros economistas apontam que a retomada será em “W” ou “U”. Mas o que são esses formatos e qual deve ser o caso do Brasil?
Classificar movimentos econômicos pelas letras V, W, U e L é uma alusão ao formato gráfico que teria o movimento do Produto Interno Bruto (PIB). Cada um desses formatos pressupõe um ritmo diferente de recuperação.
Veja abaixo o que quer dizer cada um dos formatos, de acordo com Marcos Antônio de Andrade, professor de Ciências Sociais Aplicadas na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
1. O que é recuperação em “V”
Nesse fenômeno, ocorre uma queda acentuada na economia de forma repentina, mas, em contrapartida, o retorno da economia ao patamar anterior acontece de maneira muito rápida, caracterizando no gráfico o desenho da letra V.
2. O que é recuperação em “U”
Esse movimento é caracterizado por uma queda forte da economia, seguido por um período de estabilidade no patamar mais baixo da atividade, ou o que seria um “abatimento”, mesmo com incentivos à retomada. No entanto, após essa demora, observa-se o processo de recuperação mais robusto.
3. O que é recuperação em W
Um crescimento econômico em “W” significa instabilidade da atividade, que alterna fases de expansão e queda. O fenômeno pode indicar que as medidas para conter a crise não foram bem conduzidas, fazendo com que movimentos descompassados, que inicialmente aparentavam ser uma recuperação econômica, acabem causando instabilidade em diferentes setores. O resultado é uma nova queda da economia em pouco tempo, sendo necessárias novas medidas para possibilitar a recuperação.
4. O que significa o L
Ao contrário dos outros modelos, o movimento em “L” não implica em recuperação, e sim em um cenário de longa estagnação após uma queda brusca da economia.
Qual é o caso do Brasil?
Na quinta-feira (3), o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) informou que, no terceiro trimestre, o PIB brasileiro cresceu 7,7% – uma alta insuficiente para recuperar as perdas da crise causada pelo novo coronavírus.
Alguns setores já recuperaram o patamar pré-pandemia, como a indústria. No entanto, há os que ainda seguem acumulando perdas, como o de serviços.
Citando indicadores como produção da indústria, vendas do comércio e índice de confiança Nadja Heiderich, professora de Economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), afirma que “tudo indica que a gente esteja, de fato, caminhando para uma recuperação econômica em ‘V’”. Mas ela ressalva que “a gente tem todo um ambiente incerto do lado das finanças públicas também com relação à pandemia”.
Assim como ocorreu em diversos países, o Brasil elevou os gastos públicos para conter os efeitos da pandemia, com medidas como o auxílio emergencial. No entanto, o governo lançou mão desses recursos em uma situação fiscal já desequilibrada, aumentando as dúvidas sobre o rumo das contas públicas. A questão é vista pelos especialistas como essencial para que a economia volte a crescer de maneira sustentável.
“A gente tem que olhar, agora, para frente, para reforma administrativa, reforma tributária. Tem que sair do papel para ontem, para o governo manter sua solvência de médio e longo prazo. A minha percepção é a de que parece haver uma retomada em ‘V’. Entretanto, se não for feita a lição de casa – que são os projetos que estão no Congresso -, a gente pode ter um problema fiscal ali na frente e entrar num ‘W’”, diz Heiderich.
Já Andrade afirma que ainda não é possível dizer com exatidão se a atividade econômica brasileira está enquadrado no movimento “V”, “U” ou “W”. “No caso brasileiro, estabeleceu-se que o pico da recessão foi durante o mês de abril e, a partir dali, com a implantação de medidas econômicas, principalmente do governo, começou-se a buscar um equilíbrio: primeiro, estancar a recessão, permitir uma certa estabilidade para que se tenha o início de uma retomada. A partir daí você começa a verificar as possibilidades das letras.”
Sobre a defesa de Paulo Guedes de que a economia está se recuperando em “V”, Andrade diz que ainda é cedo para dizer. “Os fundamentos econômicos dizem que eu posso caracterizar o ‘V’ quando eu conseguir atingir os indicadores pré-crise. Nós temos recuperação significativa, só que ainda não atinge os níveis que estávamos em janeiro”, afirma o professor, acrescentando ainda é que preciso “considerar um período mínimo de 12 meses” para avaliar.
Apesar de admitir que existe a possibilidade de verificar no caso brasileiro uma recuperação em “V”, Andrade diz que uma retomada em “U” também pode ser apontada. “O princípio é o mesmo, só que você passa por um período e abatimento. Demora um certo tempo, mas, quando inicia o processo de retomada, ele é efetivamente robusto. O caso brasileiro se encaixa. O governo foi até criticado porque demorou muito para tomar certas ações.”
Sobre o movimento em “W”, Andrade aponta que, para caracterizá-lo, é preciso avaliar se o que seria o primeiro movimento de recuperação “é o que a gente classifica como sólido e sustentável”. E essa análise, segundo ele, ainda não pode ser feita com clareza. “O timing é 12 meses. Eu preciso esperar 12 meses da pandemia para ver se a retomada não cai novamente.”
“O ‘W’ não pode ser descartado. Estamos sofrendo pequenas volatilidades. Alguns segmentos apresentam realmente recuperação, como o agronegócio, em ‘V’. Mas o setor automotivo está em ‘L’. A própria bolsa brasileira apresenta ‘W’, e é um indicador futuro, não temos estabilidade.”
Andrade diz que tanto o “V” quando o “U” e o “W” são possíveis no caso brasileiro em 2020. “Se perguntar para mim, dentro da expectativa de futurologia, estou mais para ‘W’”, opina ele, citando as dificuldades fiscais.
Já o formato em “L” é descartado pelos dois especialistas. “O ‘L’ dignifica que há uma queda acentuada e recessão. Eu descarto porque a recuperação está ocorrendo. O que se está discutindo é a forma como está ocorrendo”, resume Andrade.
“Pelo cenário atual, ainda não chegamos nessa perspectiva”, diz Heiderich. “A menos que a gente tenha uma piora no cenário político. As reformas estão demorando, mas espera-se que a gente consiga”, diz a professora.
Ela aponta ainda que outro cenário que possibilitaria o “L” seria uma situação de “caos” com “prorrogação da pandemia e sem o vislumbre das reformas, com inflação e até possibilidade de hiperinflação”. “Apesar de ser uma possibilidade remota, não é impossível.”
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