Economia

Lehman Brothers: história para uma geração que não viveu a crise de 2008

Para a Geração Z, colapso do Lehman Brothers há exatos 15 anos pode ser incógnita; relembre.

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Domingo, 14 de setembro de 2008. Enquanto os nascidos entre a segunda metade da década de 1990 e o ano de 2010, da chamada Geração Z, davam os primeiros passos da infância e adolescência – ou sequer estavam nos planos de nascer – a história do centenário banco de investimentos Lehman Brothers chegava ao fim. 

Fundado em 1850, o então quarto maior banco no setor norte-americano entrava com um pedido no Capítulo 11 do Código de Falência dos Estados Unidos ao anunciar um prejuízo de US$ 3,9 bilhões. Horas antes, naquele dia, fracassara a última tentativa de socorro por parte de autoridades norte-americanas e de grandes instituições.

A Bolsa de Valores de Nova York (NYSE, na sigla em inglês). 21/09/2020. REUTERS/Andrew Kelly.

Em uma reunião de emergência durante o fim de semana, estavam presentes, de um lado, o então secretário do Tesouro, Henry Paulson, e o presidente da unidade de Nova York do Federal Reserve, Tim Geithner. De outro, os chefes de bancos como Goldman Sachs, Morgan Stanley, JP Morgan e Citigroup

A notícia, até então inofensiva na tarde daquele domingo, desencadeou a maior crise financeira nos mercados globais desde a Grande Depressão, em 1929. Tanto que nesta sexta-feira, 15 de setembro de 2023, o mundo relembra os 15 anos da quebra do Lehman Brothers, que marcou a maior falência da história dos EUA. 

Impacto nos mercados

O estragou começou quando já era segunda-feira na Ásia, levando pânico nas bolsas de valores de todo o mundo. O Ibovespa, principal índice de referência do mercado acionário nacional, desabou 7,59% há exatos 15 anos. Foi a maior queda desde os ataques terroristas às Torres Gêmeas, cerca de sete anos antes, quando o tombo foi superior a 9%. 

Os principais índices acionários em Nova York também registraram a maior queda em um único dia desde 11 de setembro de 2001. Naquele 15 de setembro de 2008, o S&P 500 caiu 4,71%, o Dow Jones recuou 4,42% e o Nasdaq Composto cedeu 3,60%. Já as ações do Lehman Brothers despencaram 94,25% no pregão da Nyse. 

Nos demais mercados, o risco-Brasil disparou 44 pontos, enquanto o rendimento (yield) do título dos EUA (Treasury) de 10 anos (T-note) despencou mais de 3 pontos porcentuais (pp), refletindo uma busca desenfreada dos investidores por proteção. Aliás, aquele 15 de setembro de 2008 foi memorável nos mercados não só na abertura, mas durante o pregão. 

Mal conseguiram digerir o pedido de falência do Lehman Brothers, os investidores recebiam a notícia de compra do Merrill Lynch pelo Bank of America (BofA) em um (aí sim!) acordo de resgate emergencial. Já a seguradora AIG parecia ser a próxima a cair, no que parecia ser uma crise bancária total nos EUA, na Europa e em grande parte da Ásia.  

Subprime veio com aviso prévio

Os investidores estavam assustados com a contaminação no mercado financeiro da crise que começara no setor imobiliário dos EUA, em especial nas hipotecas subprime. O risco se espalhava através de produtos de crédito, criados a partir da “doutrina Greenspan” – em homenagem ao mais longevo presidente do Fed, favorável à desregulamentação. 

Operadores trabalham no salão da Bolsa de Valores de Nova York 16/03/2020 REUTERS/Lucas Jackson/File Photo

Foi a partir daí que surgiram derivativos complexos, tais como os títulos lastreados em hipotecas subprime (MBS), as obrigações sobre dívidas com garantia real (CDO) e o swap de risco de crédito (CDS). O objetivo era tornar o sistema financeiro mais seguro e eficiente, atribuindo um preço de mercado ao risco e distribuindo-os entre os investidores. 

Porém, a crise do subprime não chegou sem aviso prévio. Como Wall Street não percebeu que emprestar dinheiro para pessoas sem renda, sem emprego e sem patrimônio – crédito concedido a tomadores conhecidos do tipo subprime pela sigla Ninja (No Income, no Job, no Assets) – era má ideia? 

Talvez fosse difícil de prever. Mas não para Nouriel Roubini, apelidado de Doutor Catástrofe (Dr. Doom) devido a suas previsões econômicas catastróficas. Nem para o guru de Wall Street Michael Burry, que percebeu a série de empréstimos feitos para o mercado imobiliário dos EUA sob o risco de inadimplência, como conta a história do filme “A Grande Aposta”. 

A mãe Estado

Daí, então, restou aos bancos centrais e aos governos em todo o mundo anunciar medidas de resgate financeiro. Sob o comando de Ben Bernanke, que substituiu Alan Greenspan à frente do Fed em 2006, lançou-se sucessivos programas de trilhões de dólares para injetar liquidez em instituições “grandes demais para falir” (too big to fail). 

Ou seja, nenhuma instituição seria abandonada à própria sorte. O Lehman Brothers foi, então, o único (e último) grande banco autorizado a falir. Os contribuintes arcaram com os custos da operação, com o então governo do Bush filho criando às pressas o Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (TARP). 

Nuvens sobre a sede do Federal Reserve, banco central dos EUA, em Washington 26/05/2017 REUTERS/Kevin Lamarque

Tratava-se de um fundo de nada menos que US$ 700 bilhões para a compra dos ativos (e derivativos) tóxicos criados pelos bancos. Nem mesmo a chegada de Barack Obama à Casa Branca, em 2009, mudou a forma de atuação. 

E a mesma resposta foi dada na Europa, onde o Banco Central Europeu (BCE) lançou pacotes de trilhões de euros em ajuda ao sistema financeiro, o que acabaria desencadeando a crise da dívida soberana europeia, entre 2010 e 2014, com vários países da zona do euro não conseguindo pagar ou refinanciar suas dívidas.

Cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontavam que os custos dos esforços de governos para apoiar seus sistemas financeiros era de cerca de US$ 10 trilhões, sendo a metade na forma de recompra de bônus e “ativos tóxicos” e a outra metade como forma de seguro ou garantia. Tudo isso ajudou a conter o pânico total. 

No Brasil, o Comitê de Política Monetária (Copom) comandado por Henrique Meirelles subia a taxa básica de juros de 13% para 13,75%. À época, tratava-se do maior nível desde outubro de 2006, mas também é o mesmo patamar em que estava a Selic quando o mais recente colegiado, presidido por Roberto Campos Neto, iniciou o ciclo de cortes, em agosto. Qualquer semelhança, nesse caso, é mera coincidência.

A maior crise bancária desde então

Diante desse histórico mais longo, os mercados globais não se assustaram tanto com o colapso do Silicon Valley Bank (SVB), em março deste ano. A quebra do SVB atingia o coração do ecossistema de startups e venture capital – e não apenas do Vale do Silício. Porém, para muitos, não se tratava da primeira crise bancária. 

Unidade do Silicon Valley Bank em São Francisco, nos EUA 13/03/2023 REUTERS/Kori Suzuki

Tanto que o próprio Fed agiu rapidamente e, em uma reunião de emergência, optou por conceder uma linha de crédito especial como garantia aos bancos, tornando possível que algumas instituições financeiras pudessem administrar seus balanços sem precisar vender ativos com prejuízos relevantes. A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, braço direito de Bernanke em 2008, citou a questão de risco moral (moral hazard). 

Foi um instrumento semelhante a esse que culminou no casamento forçado do tradicional Credit Suisse pelo rival UBS, na Suíça, dias após o colapso do SVB. Ou seja, houve uma nova atuação coordenada dos principais bancos centrais globais para garantir liquidez ao setor financeiro, por meio de operações de troca de dólar. 

Afinal, havia o temor de que o SVB provocasse um efeito dominó no sistema financeiro, afetando outros bancos regionais norte-americanos e em outros continentes, contaminando a economia real. Aliás, é bom lembrar, em 2008 tudo começou com a quebra do Bear Stearns, em março – portanto, seis meses antes do colapso do arquirrival Lehman Brothers.

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