O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer aprofundar os laços comerciais com a Índia, o país mais populoso do mundo. A dúvida, enquanto ele se prepara para receber o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, em Brasília nesta terça-feira, é como fazer isso acontecer.
Apesar de os dois países serem membros do bloco dos BRICS e aliados naturais em temas como redução da pobreza e produção de biocombustíveis, a Índia está longe de figurar entre os principais parceiros comerciais do Brasil. O comércio bilateral é pequeno se comparado às trocas com China, EUA, Argentina e Alemanha.
Lula reconheceu esse descompasso na semana passada ao brincar que só recentemente descobriu que Modi, um hindu devoto, não come carne. O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo.
“Nosso relacionamento comercial é de apenas US$ 12 bilhões, isso é nada”, disse Lula. “Então, por favor, providenciem uma caixa de queijo. Quero que ela esteja na mesa para ele nunca reclamar da comida brasileira e, quem sabe, comece a comprar queijo brasileiro.”
Com as tarifas de Donald Trump bagunçando o comércio global, Lula tem passado meses tentando ampliar as relações comerciais com mercados além dos tradicionais parceiros do Brasil. Agora, ele tenta decifrar a equação de um relacionamento que nunca decolou de verdade, em parte pelas incompatibilidades entre os países e pela concorrência direta em produtos semelhantes.
O comércio entre os dois países acelerou nos últimos anos, dobrando desde a criação do BRICS. Só nos primeiros cinco meses de 2025, houve crescimento de 24% em relação ao mesmo período de 2024, segundo dados do governo brasileiro.
Ainda assim, a Índia e seus 1,4 bilhão de habitantes permanecem como um mercado pouco explorado pelo Brasil, que viu as trocas com a China quadruplicarem desde 2009, ano de lançamento do BRICS.
O Brasil quer diversificar suas exportações para a Índia, que hoje se concentram em açúcar e petróleo. Neste ano, a Embraer criou uma subsidiária em Nova Délhi para ampliar sua atuação nos setores de defesa e aviação no país.
Outro objetivo brasileiro é expandir o acordo comercial preferencial que a Índia mantém com o Mercosul, bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Uma das apostas é o gergelim: mesmo sendo a Índia uma das maiores produtoras do grão, as exportações brasileiras cresceram desde que o país asiático abriu seu mercado ao Brasil em 2020. Isso se deve à demanda indiana fora da época da colheita, quando precisa importar para atender o mercado interno e compromissos de exportação.
O etanol também está na mira. A Índia tem aumentado o percentual de etanol misturado à gasolina e, apesar de hoje restringir as importações do produto para proteger seu setor, o governo Lula tenta negociar um acordo bilateral para abrir esse mercado.
“Isso abre uma oportunidade interessante para o Brasil na agenda de biocombustíveis”, diz Gustavo Ribeiro, chefe de inteligência de mercado da ApexBrasil. “A Índia é grande produtora de açúcar, mas dependendo do ano e da safra, pode precisar importar açúcar ou etanol. O Brasil se torna um fornecedor alternativo forte.”
Mas há concorrência: o governo Modi também negocia um acordo com os EUA para evitar tarifas e permitir a entrada do etanol americano na Índia.
Após o encontro desta semana no Rio de Janeiro, Lula passará a presidência rotativa do BRICS para Modi. Ambos usam o bloco como plataforma para tentar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, objetivo reafirmado no Brasil e que deve ser prioridade da Índia em 2026.
Em Brasília, os dois líderes devem assinar acordos sobre energia renovável, combate ao terrorismo, cooperação em pesquisa agrícola e proteção de dados confidenciais. “Os acordos estão prontos. Esperamos poder assiná-los”, disse o embaixador da Índia no Brasil, Dinesh Bhatia, no domingo.
Essa será a primeira de duas visitas de Estado após a cúpula dos BRICS. Na quarta-feira, Lula receberá o presidente da Indonésia, Prabowo Subianto.
A Indonésia é peça central na tentativa de Lula de ampliar o comércio com os países do Sudeste Asiático. O comércio do Brasil com a região saltou de US$ 3 bilhões para US$ 37 bilhões em duas décadas.
O governo brasileiro quer abrir o mercado indonésio para frango e ampliar a exportação de carne bovina, além de aprofundar parcerias em bioenergia e defesa. Lula deve viajar à Malásia em outubro para uma cúpula da Asean.
Para Prabowo, a visita vai além do comércio. Desde que assumiu o cargo, em outubro passado, ele adotou uma política externa mais ativa e focada em acordos bilaterais com ganhos econômicos e estratégicos.
A Indonésia acaba de se juntar ao BRICS, e a visita ao Brasil faz parte da estratégia para posicionar o país como uma potência média com laços mais profundos no Sul Global.