É um caso clássico de “eu sou você amanhã”. Enquanto no Brasil um em cada dez habitantes tem 65 anos ou mais, no Japão essa já era a situação em 1987. Hoje, quase um terço (29%) dos japoneses é 65+. Trata-se da maior proporção de idosos no mundo. Em todas as faixas etárias: a turma com mais de 80 anos já representa 10% da população.
Tudo isso puxa a média de idade do país para impressionantes 49,9 anos. No Brasil, são 35,1. Sobre a expectativa de vida, são 82 anos para os homens e 88 para mulheres – contra 73 e 79,7 no Brasil.
E o que aguarda os jovens japoneses de hoje soa como ficção científica. Metade dos adolescentes de lá passará dos 100 anos, caso a expectativa de vida siga aumentando nas próximas décadas. Vale no mínimo o mesmo para crianças e bebês. Hoje, inclusive, o país já poderia encher um estádio de grande porte apenas com centenários: 91 mil japoneses sopraram pelo menos 100 velinhas no último aniversário.
Mas o Japão não fica em Marte. O que acontece lá hoje se repetirá com a maior parte do mundo amanhã. Porque os dois fatores que fazem do Japão um país de cabelos brancos está presente em quase todos os países do mundo: expectativa de vida apontando para cima e taxa de natalidade, para baixo – o que reduz paulatinamente o “estoque” de jovens, e aumenta a proporção de idosos.
Hoje, há 24 países com mais de 1 milhão de habitantes em que pelo menos 20% deles é 65+. Compare abaixo a evolução histórica dessa proporção em cada um deles, desde 1950.
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Novo conceito de ‘idoso’
Essa realidade levou inclusive à sugestão de redefenir o conceito de “idoso”. Em 2017, uma comissão japonesa de especialistas em gerontologia publicou a seguinte proposta de faixas etárias da terceira idade:
- 65 a 74 anos: “pré-idosos”
- 75 a 89 anos: “idosos”
- 90 anos ou mais: “super-idosos”
A ideia por trás desses conceitos é reconhecer que a terceira idade não é um grupo homogêneo e com as mesmas condições de vulnerabilidade; e que o declínio físico hoje chega mais tarde do que antes. Alguém com 65 anos em 2024 leva uma vida muito mais ativa, saudável e autônoma do que as gerações anteriores.
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Longevidade e autonomia
A psicóloga japonesa Hiroko Akiyama é um bom exemplo dessa tendência não tão recente. Aos 81 anos, ela viajou recentemente de Tóquio até São Paulo para uma visita de três dias, onde apresentou as estatísticas que você leu acima em inglês impecável (numa palestra sobre envelhecimento populacional).
Uma das sumidades sobre o assunto dentro de fora do Japão, Hiroko fundou o Instituto de Gerontologia da Universidade de Tóquio. Ela nasceu em 1943 e já estava na chamada “meia idade” quando, em 1987, iniciou um estudo que acompanha até hoje 7,5 mil pessoas com 60 anos ou mais. A cada três anos, os pesquisadores do grupo dela entrevistam os participantes do estudo sobre sua autonomia em diversas tarefas do dia-a-dia, como tomar banho, caminhar, pegar ônibus, comprar comida.
“No geral, 80% das pessoas mais velhas no Japão só começaram a perder a independência física com cerca de 75 anos”, explicou a psicóloga. Ou seja, só uma minoria dos “pré-idosos” de hoje exige cuidados especiais ou está em situação de vulnerabilidade.
Problemas à frente
De qualquer forma, o contingente de pessoas 75+ no Japão está em rápido crescimento e deve dobrar na próxima década. “Essa trajetória deve causar um problema sério”, diz Akiyama.
Ela diz que as estimativas mais preocupantes envolvem o isolamento social. Um dos exemplos destacados por ela é a previsão de que, em 2030, 73,6% das mulheres a partir dos 75 anos viva sozinha.
Além disso, com a população em declínio desde 2010 e a expectativa de que o país termine a década atual com 8,45 milhões de pessoas na terceira idade, estamos falando em US$ 650 bilhões por ano em benefícios de seguridade social. Isso torna o sistema insustentável – principalmente quando você leva em conta que haverá menos jovens contribuindo.
Não haverá, então, como sustentar os idosos japoneses se nada for feito. Mas o que dá para fazer, então?
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Solução pelo trabalho
Uma forma de aliviar a questão é dar oportunidades de trabalho a quem tem mais de 70, 80 anos. Boa parte dessa população deseja trabalhar, tem condições físicas e mentais para tanto, mas não consegue vagas – ou nem cogita tentar, por medo de receber negativas. Na outra ponta, não faltam empresários buscando gente para preencher vagas – num mercado com cada vez menos jovens.
Ligar esses dois pontos é justamente a intenção de um programa/experimento da Universidade de Tóquio, liderado por Hiroko. Ele foca na expansão de oportunidades de trabalho para os mais velhos.
Duas cidades (Kashiwa, na área metropolitana de Tóquio, e Fukui, na zona rural) foram escolhidas para a intervenção. Kashiwa, por exemplo, é uma cidade-dormitório de Tóquio, com pouco trabalho para os idosos – que já deixaram suas ocupações na maior cidade do Japão.
A ideia é unir pessoas mais velhas em boas condições de saúde e que desejam seguir trabalhando a empresários locais que penam para encontrar funcionários.
Para conseguir o match, as organizações mapeiam os idosos e os negócios da região, e tentam soluções que sejam boas para ambas as partes. Uma tarefa é identificar atividades que os funcionários mais velhos possam executar. A proposta também oferece flexibilidade. Por exemplo: é possível que dois idosos que não possam trabalhar durante o dia todo se revezem em turnos de meio-período numa mesma função.
“Estamos criando locais de trabalho em Kashiwa e um esquema flexível adaptado às pessoas de mais idade. São postos na agricultura, na prefeitura, em negócios e na educação, com um sistema de cuidados pessoais”, diz Hiroko.
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Construindo cidades centenárias
O projeto está interligado com outras iniciativas que buscam adaptar a arquitetura das cidades a uma população cada vez mais idosa. “A infraestrutura atual foi construída quando a população era muito mais jovem. Agora precisamos resenhar as estruturas de prédios, por exemplo.”
Em 2019, o grupo publicou um guia para disseminar o programa em outras partes do Japão e recomendações de políticas públicas feitas pelos pesquisadores estão sendo adotadas pelo governo, disse Hiroko.
“Por muito tempo, fizemos esforços individuais e coletivos para aumentar a expectativa de vida. Quando essa média se aproximou dos 80 anos, nosso foco mudou. Agora queremos ampliar a expectativa de uma vida saudável.”
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