Se as tarifas de Donald Trump elevarem os preços nos EUA — como quase todo mundo espera que aconteça — isso já seria uma má notícia para os defensores do controle da inflação no Fed, o banco central americano. Poderia também abrir a porta para algo ainda pior.

O que empresas e os cidadãos antecipam que acontecerá com os preços, dizem economistas, pode desempenhar um papel-chave em determinar o que de fato ocorre. Por isso os dirigentes do Fed sempre monitoram de perto as estimativas de inflação futura — e as mais recentes mostram motivo para preocupação. O indicador de expectativas de longo prazo de referência, que já havia subido a uma máxima de 30 anos desde a eleição de Trump, disparou ainda mais na sexta-feira após seus amplos anúncios de tarifas globais.

Esse tipo de mentalidade pode transformar um aumento pontual de preços, decorrente da guerra comercial de Trump, em um impulso inflacionário mais persistente. O risco é ainda maior porque isso ocorre num momento em que as famílias americanas ainda estão abaladas pelo pico de preços pós-pandemia — e podem não confiar no Fed para conter outro aumento.

As estimativas de inflação futura feitas por consumidores e empresas oferecem uma janela para a fé do público nos bancos centrais e em sua capacidade de domar os preços. Quando essa fé se esvai, especialmente no longo prazo, a teoria monetária sugere que a política monetária se torna menos eficiente. Em termos concretos, as taxas de juros precisam subir mais do que o necessário até que a confiança seja restabelecida.

Má notícia para o Brasil. Juros em alta nos EUA puxam o dólar para cima. A moeda americana em alta dá impulso para a inflação brasileira. Resultado: mais pressão de alta para a Selic, que já está no maior patamar em 9 anos (14,25%).

“Temos um problema”

Uma forte alta nas expectativas de longo prazo sinalizaria uma perda de confiança na capacidade do Fed de retornar a inflação para 2%. “Isso me preocuparia”, diz Jeffrey Fuhrer, ex-diretor de pesquisa do Fed de Boston e atualmente no Brookings Institution.

É certo que a maioria das pesquisas não aponta para isso. Mas mesmo sem uma erosão de confiança nessa escala, uma guerra comercial poderia dificultar o trabalho do Fed, afirma Fuhrer.

Se os consumidores enfrentarem aumentos de preços impulsionados por tarifas bem acima de 3% no próximo ano, podem decidir que isso é o novo normal e incorporá-lo em seus cálculos cotidianos. Os trabalhadores exigiriam salários mais altos enquanto as empresas ajustariam seus planos de preços. “Aí teremos um problema”, diz ele. “E não precisamos desse problema agora.”

As principais medidas de inflação nos EUA, em março, estavam em torno de 2,5%, muito abaixo dos picos de 2022, mas ainda persistentemente acima da meta. A maioria dos economistas prevê um aumento nos próximos meses, à medida que as tarifas encarecem os bens importados.

Os consumidores na pesquisa mais recente da Universidade de Michigan expressam a mesma preocupação. Eles veem os preços subindo 6,7% no próximo ano e a uma taxa anual de 4,4% no horizonte de cinco a dez anos — máximas de várias décadas em ambos os casos. Embora alguns economistas questionem a metodologia de Michigan, o indicador de expectativa de um ano do Conference Board também disparou desde dezembro.

Outros conjuntos de dados, porém, pintam um quadro menos alarmante. Medidas de mercado, como os “breakevens” de cinco e dez anos baseados em títulos do Tesouro, estão em torno da meta de 2% do Fed. A mais recente Pesquisa de Expectativas do Consumidor do Fed de Nova York, de fevereiro, mostrou estimativas de inflação para três e cinco anos não afetadas pela guerra comercial, em torno de 3%. A pesquisa de março sai na segunda-feira.

Isso levou o presidente do Fed, Jerome Powell, a dizer que os resultados de Michigan são um “outlier”. Ainda assim, Powell e seus colegas acompanham de perto as expectativas de inflação, enquanto tentam traçar um caminho em meio à guerra comercial.

“Um dos ativos mais importantes que o Federal Reserve tem é sua credibilidade, e isso se manifesta em expectativas de inflação de longo prazo ancoradas”, disse a presidente do Fed de Boston, Susan Collins, à Yahoo Finance na sexta-feira. Ela também afirmou que o impacto das tarifas provavelmente será “mais abrangente do que muita gente imagina”.

Os dirigentes do Fed já haviam revisado para baixo as estimativas de crescimento e para cima as de inflação antes dos anúncios de tarifas de Trump neste mês. Desde então, vários deles alertaram que os preços ao consumidor podem subir cerca de 4% este ano. Isso deu aos formuladores de política motivos para se abster de cortes de juros — mesmo com temores de desaceleração — e, em vez disso, manter os custos de empréstimos estáveis.

“Profundamente feridos”

Até os últimos anos, a inflação nos EUA havia sido estável por tempo suficiente — essencialmente desde o início dos anos 1990 — para manter as expectativas futuras sob controle. O choque de preços que se seguiu à pandemia e à guerra na Ucrânia mudou esse cenário. Transformou a inflação em manchete de jornal, e isso está se refletindo nos indicadores prospectivos.

Os consumidores americanos “ainda não se recuperaram de fato”, diz Joseph Brusuelas, economista-chefe da RSM US LLP. Eles respondem às pesquisas de inflação “de uma forma que reflete seu estado de espírito atual — ou seja, continuam profundamente feridos.”

Claro, não há um vínculo automático entre expectativas e aumentos reais de preços. Isso é especialmente verdadeiro nos EUA, onde contratos de trabalho ou aluguéis indexados à inflação são menos comuns do que em muitos outros países. Alguns economistas questionam se as expectativas de preços contêm realmente muita informação útil.

Ainda assim, o consenso é de que sim — e isso se baseia em pesquisas que abrangem a história e várias partes do mundo.

Michael Weber, professor na Universidade de Chicago, estudou as consequências da hiperinflação na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. Mesmo um século depois, descobriu que pessoas em cidades com maior inflação naquela época ainda tendem a ter expectativas mais altas de preços hoje — e seus políticos locais falam mais sobre o tema.

Para os bancos centrais, também, experiências passadas com inflação podem moldar sua abordagem. Ultimamente, alguns dos dirigentes do Fed que mais publicamente manifestaram preocupação com as pesquisas de expectativas são aqueles com formação internacional ou laços com países latino-americanos de alta inflação. “Mesmo sendo membro de um banco central, o peso que você dá à inflação depende de sua formação, de quem você é”, diz Weber.

Toda a experiência acumulada de países mais acostumados a choques inflacionários oferece lições valiosas para Powell e seus pares, segundo Ricardo Reis, da London School of Economics. Entre elas: olhar para uma ampla gama de medidas, entender que expectativas acima da meta podem resultar em choques duradouros e agir com rapidez quando necessário.

Reis afirma que o pico de preços da pandemia foi um lembrete útil para bancos centrais do mundo desenvolvido sobre a importância das expectativas de inflação como reflexo de sua própria credibilidade.

“Ignorá-las, falar de transitoriedade, fingir que o problema não existe não é o que se deve fazer”, afirma ele.

(Por Maria Eloisa Capurro)