A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) enviou no final de março uma carta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, contestando o funcionamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), responsável por julgar em nível administrativo litígios tributários.
“As outras tendências observadas no processo de recurso tributário no Brasil – como a duração do processo de recurso tributário e a possibilidade de empregar estratégias de atraso adotadas por alguns contribuintes por meio da apresentação de recursos e revisões, sem serem obrigados a fazer qualquer pagamento antecipado de impostos ou garantias – significam que este processo apresenta um desafio fiscal significativo para o país”, disse a OCDE.
De acordo com a OCDE, o fim do chamado “voto de qualidade” em 2020 não tem paralelo com a maioria dos países avaliados pelo órgão, já que eles possuem alguma forma de processo de apelação administrativa, mas não de forma que envolva representantes do setor privado no processo de revisão da tomada de decisões.
“Quando a decisão é tomada contra a administração tributária, a decisão não pode ser recorrida pela administração tributária e se torna definitiva, apesar de o resultado ter sido alcançado devido a um empate nos votos. Isso parece inadequado, pois se a decisão é resultado de um empate, isso indica que há algumas questões jurídicas desafiadoras que provavelmente merecem ser esclarecidas e resolvidas por meio de um processo judicial independente, em vez de concluir que o caso está razoavelmente resolvido”, diz a carta enviada pela diretora Grace Perez-Navarro, no dia 31 de março.
Voto de qualidade
O voto de qualidade foi restaurado por medida provisória do governo Lula após ter sido extinto durante a gestão passada, e autoriza o presidente do colegiado a dar um voto de desempate nos julgamentos. O fim do mecanismo implicava em benefício automático a contribuintes em casos de empate.
De acordo com a informação passada por Haddad à OCDE, o volume de obrigações tributárias em disputa no CARF está na faixa de 12% do PIB anual do Brasil, o que representaria aproximadamente 25% da dívida pública do Brasil.
“Um retorno a esse processo mitigaria as possíveis consequências negativas do modelo estabelecido em 2020…Isso não terá um impacto negativo sobre os direitos dos contribuintes porque eles ainda irão conservar o recurso à revisão independente judicial em que poderão contestar sob bases legais a avaliação tributária, bem como as taxas cobradas e as penalidades aplicadas”, completou a OCDE.
No entanto, a MP que retomava a previsão do voto de desempate em julgamentos do Carf não chegou a ser instalada, e o tema deverá ser reeditado na forma de um projeto de lei com urgência constitucional.
“O alto volume de casos no CARF, o grande valor de impostos sujeitos a disputas no CARF, bem como o longo tempo que esses casos levam para serem resolvidos por meio do processo de recurso administrativo antes de realmente chegarem à revisão judicial, levantam questões sobre a eficiência e integridade do atual processo de recurso administrativo tributário no Brasil”, diz a OCDE.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, Haddad afirmou que as considerações feitas pela OCDE são duras e mostram como as regras adotadas para o Carf em 2020 causaram estranheza no mundo.
*Com Reuters.
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