Economia
Atualizar o Bolsa Família é caminho para combater pobreza, defendem economistas
No Dia Nacional de Combate à Pobreza, especialistas avaliam que país precisa de agenda de desenvolvimento econômico para deixar Mapa da Fome.
Após a pobreza e extrema pobreza no Brasil terem batido recorde em 2021, o país voltou ao Mapa da Fome este ano (veja mais abaixo). No Dia Nacional de Combate à Pobreza, celebrado nesta quarta-feira (14), economistas avaliam que para melhorar este cenário é preciso otimizar o programa de transferência de renda Bolsa Família e construir uma agenda de desenvolvimento econômico para o país.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pobreza no país em 2021 alcançou 62,5 milhões de brasileiros, o equivalente 29,4% da população, enquanto 17,9 milhões de brasileiros se encontravam na extrema pobreza no ano passado, o correspondente a 8,4% da população. Nos dois casos, os níveis são os mais altos da série do IBGE, iniciada em 2012.
O economista Josilmar Cordenonssi, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, avalia que, em uma análise mais conjuntural, este cenário mostra que a política de um grande esforço fiscal de transferência de renda, na forma de auxílios, não foi mantida em 2021 com a mesma “generosidade” de 2020, pois não estava direcionada nos mais suscetíveis.
Cordenonssi destaca também que a queda do desemprego no país foi insuficiente para melhorar a vida dos mais vulneráveis, já que houve redução da renda média do trabalhador e alta da informalidade.
“Este quadro mostra que o Brasil precisa aumentar o seu crescimento econômico e, ao mesmo tempo, melhorar a qualificação da sua mão-de-obra para que ela tenha mais produtividade, maior empregabilidade e maiores rendimentos”, afirma o economista.
Para Piter Carvalho, economista-chefe da Valor Investimentos, o principal desafio para melhorar a pobreza no país é o Bolsa Família ser otimizado e atualizado, para chegar aos que mais necessitam.
Pobreza no Brasil
Os parâmetros de pobreza do IBGE têm como referência dados adotados pelo Banco Mundial, que considera como linha de pobreza os rendimentos equivalentes a R$ 486 mensais per capita. Já a linha de extrema pobreza é equivalente a R$ 168 mensais per capita.
Na mesma linha, a Fundação Getúlio Vargas também analisa a pobreza no Brasil por meio do levantamento Mapa da Nova Pobreza, que considera que estão na linha de pobreza pessoas com renda domiciliar per capita de até R$ 497 mensais.
O estudo mostrou que a pobreza nunca esteve tão alta no Brasil quanto em 2021, considerando o começo da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), em 2012. De acordo com o levantamento da FGV, em 2021, o estado com maior proporção de pobres foi o Maranhão, com 57,90%. Já Santa Catarina registrou a menor taxa de pobreza no país, 10,16%.
Confira no mapa a seguir a porcentagem anual da pobreza no país por estado segundo a FGV, desde o início da série histórica, em 2012 (clique no estado para visualizar os dados):
O professor de Economia e Finanças Rodrigo Simões avalia este cenário como de desastre para a população mais vulnerável, devido à falta de programas que visam contribuir para o desenvolvimento econômico das regiões mais precárias e a falta de iniciativa do Estado em criar alicerces para que os indivíduos mais carentes possam obtenham oportunidades de saúde, educação e trabalho.
Na mesma linha, Carvalho também aponta ser um cenário alarmante e destaca que o governo atual trouxe mais desigualdade, não conseguindo diminuir a concentração de renda.
Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, considera que em 2022 o cenário de pobreza pode ser melhor do que em relação a 2021, devido a um mercado de trabalho mais aquecido e aumento das despesas sociais nesse período.
“A questão agora vai ser 2023, pois, hoje, o nível de pobreza está muito associado ao nível do orçamento dos programas sociais. Tudo dando certo com a PEC da Transição, acaba tendo uma situação melhor”, diz Duque.
Desafios
Para o economista Josilmar Cordenonssi, professor do Mackenzie, a pobreza no Brasil deve ser “atacada” de forma sistêmica, sendo preciso amparar famílias pobres e vulneráveis no curto prazo com políticas como Bolsa Família, mas também dar condições para que consigam se sustentar.
De acordo com Cordenonssi, o caminho passa pelo crescimento econômico, que gera emprego, mas a falta de qualificação é uma ameaça para alcançar níveis de desemprego e de pobreza estruturalmente baixos.
“O grande desafio do novo governo será o de colocar o Brasil em uma trilha de crescimento econômico sustentável para que haja condições de reduzirmos o desemprego e melhorarmos a qualificação da mão- de-obra. Entretanto, será preciso fazer reformas importantes. Sem o crescimento econômico, o combate à pobreza se torna mais difícil”, avalia o professor do Mackenzie.
Já Duque considera que é preciso melhorar o desenho que existe hoje do atual Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família em 2023, sendo esse o grande desafio do governo Lula quando se fala do cenário de pobreza no país.
“O desenho do Bolsa Família era muito bom, cumpria com seu objetivo de reduzir ao máximo possível a insuficiência de renda das famílias. O Auxílio Brasil criou uma ‘barriga’ muito grande de transferências que não reduzem a pobreza. O Bolsa Família era um programa de beneficio variável e perdemos isso para um programa que dá um benefício único”, diz Duque.
Impactos econômicos da pobreza
Duque explica que a pobreza é entendida como insuficiência de um bem-estar mínimo e, quando isso ocorre, principalmente na infância, tem um impacto de longo prazo muito grande, que acaba reverberando por toda a vida.
De acordo com o IBGE, em 2021, a proporção de crianças menores de 14 anos de idade abaixo da linha de pobreza chegou a 46,2%, o maior percentual da série, iniciada em 2012. Em 2020, tinha atingido o menor nível da série, 38,6%.
“É uma questão conjuntural e não uma crise que impacta o país durante um ano ou dois. Faz com que o rendimento potencial das famílias se reduza por todo um período ao longo das vidas, o que vai impactar o crescimento do país nos próximos 20 a 30 anos”, alerta o pesquisador da FGV.
Rodrigo Simões explica que o impacto da pobreza na economia de uma nação é, essencialmente, a falta de avanço como um todo, pois elevados índices de pobreza refletem que boa parte da população não possua condições mínimas aceitáveis de viver, se alimentar, nem oportunidade de trabalho. Assim, essas pessoas não conseguem suprir necessidades básicas, ficando à margem da sociedade, e o país não avança.
“Como essa parte da população não consegue produzir, não há contribuição para a economia, que elevaria o Produto Interno Bruto (PIB), que reflete a soma de todos os bens e serviços produzidos pelo país, e também o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que avalia e mede educação, alfabetização, riqueza e bem-estar de uma população”, destaca Simões.
Como melhorar a pobreza no Brasil?
Para Simões, uma das alternativas para melhorar o cenário atual de pobreza no Brasil é construir uma agenda de desenvolvimento econômico, com investimentos massivos nas regiões pouco desenvolvidas, por meio de parcerias público-privadas criando empregos, fornecendo educação, saúde e oportunidades, trazendo equilíbrio e diminuindo a disparidade de desenvolvimento econômico entre as regiões do país.
Simões diz, no entanto, ver os próximos anos como desafiadores, pois há pouco espaço fiscal para a demanda de desenvolvimento necessária, não restando, segundo ele, outra alternativa a não ser o estado buscar com a iniciativa privada parcerias e consórcios para trazer tecnologia, desenvolvimento da indústria, atrair capital intelectual de outros países e geração de empregos formais.
Cordenonssi lembra que o combate à pobreza passa, necessariamente, pelo controle dos gastos e equilíbrio das contas públicas, pois, fazendo o pagamento Bolsa Família de R$ 600 por um lado, mas não cuidando do equilíbrio fiscal de outro, haverá menor crescimento por causa de taxas de juros maiores e queda no poder de compra deste valor por causa de uma inflação maior.
“Pode ser politicamente desafiador, mas o Brasil precisa fazer um amplo debate sobre a forma de se fazer e de se executar o orçamento público. Temos que ter maior transparência sobre o custo e o benefício de cada política pública e avaliar se vale a pena continuar ou parar”, considera o economista.
O professor do Mackenzie ainda diz acreditar que o governo Lula terá pessoas na administração pública com mais enfoque aos mais vulneráveis do que o atual governo. Assim, Cordenonssi estima que a extrema pobreza recue do atual patamar de 8,4% para níveis de 2014 (4,7%) e que a pobreza, de modo geral, deverá ter uma redução mais lenta, pois, segundo ele, será necessário crescimento econômico persistente para que se reduza mais rapidamente o desemprego e, consequentemente, a pobreza.
Brasil de volta ao Mapa da Fome
Em 2022, o Brasil voltou ao Mapa da Fome, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), que é quando mais de 2,5% da população enfrentam falta crônica de alimentos. No Brasil, a fome crônica atingiu 4,1%. O país havia saído do mapa em 2014, por meio de estratégias de segurança alimentar e nutricional aplicadas desde a década de 1990.
Entre os anos de 2019 e 2021, foram 61 milhões de brasileiros que enfrentaram dificuldades para se alimentar. Desse total, 15 milhões passaram fome.
De acordo com levantamento da Rede Penssan, que coletou dados entre novembro de 2021 e abril de 2022, 15,5% (33,1 milhões de pessoas) da população enfrentava insegurança alimentar grave. Confira no mapa a seguir:
Entre os principais pontos propostos no programa do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para a questão da fome, estão:
- recuperar o Sistema Único de Assistência Social (SUAS); estruturação do CadÚnico para serem implementadas políticas de atenção, proteção e inclusão produtiva dos mais pobres;
- Bolsa Família de R$ 600 e o adicional de R$ 150 para cada criança de até seis anos de idade, considerando especificações de cada família;
- controle da inflação, principalmente a dos alimentos, no centro da meta estabelecida pelo Banco Central.
Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, destaca que o resultado do Mapa da Fome é muito fruto de uma inflação de alimentos, que foi alta em todo o mundo.
“Não é um desafio muito difícil em termos práticos do país sair do Mapa da Fome. Já foi feito o que era preciso, que era a via de Orçamento. Agora, é identificar quem está em situação de vulnerabilidade”, destaca Duque.
Simões também considera possível o país sair desta situação, desde que tenha agenda de desenvolvimento econômico, uma cartilha que oriente os governantes sobre como alocar melhor os recursos públicos e como gerir as parcerias com a iniciativa privada, fazendo que o Brasil seja um polo de atração de capital produtivo e não especulativo.
Carvalho também está otimista com a possibilidade de melhora deste cenário no país. “É animador que o governo tenha a preocupação de acabar com a fome, como fez em outros mandatos, tirando o Brasil do Mapa da Fome. É um absurdo que um país que produz tanto alimento tenha ainda tanta gente passando fome, na pobreza. A perspectiva é que se reverta o cenário nos próximos anos”, conclui o economista.
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