Economia

PIB, inflação e contas públicas: o que esperar da economia em 2024? 

O ano de 2023 surpreendeu e deve deixar um legado positivo para 2024, mas política e gastos públicos ainda preocupam, avaliam economistas.

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Se a economia brasileira não está exatamente “bombando”, também não dá para negar que 2023 foi um ano muito melhor do que se imaginava. Houve surpresas positivas na condução da política econômica sob um novo governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o temido ímpeto gastador acabou moderado por um Congresso mais à direita. 

Isso não significa, no entanto, que a economia brasileira vai finalmente decolar em 2024, avaliam especialistas. Há uma desaceleração à frente e os riscos fiscais permanecem, especialmente por se tratar de ano com disputa eleitoral nos municípios. 

Fábrica da Volkswagen em Wolfsburg, Alemanha 27/04/2020, Swen Pfoertner/Pool via REUTERS

Esta é a avaliação de dois reconhecidos economistas que acompanham bem de perto os indicadores macroeconômicos. Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, e Felipe Salto, economista-chefe da Warren Renascença, elencaram ao InvestNews os pontos de tensão e os aspectos positivos para a economia brasileira no ano que já bate à porta. 

O que preocupa

Contas públicas

O Brasil entrará em 2024 sob um novo conjunto de regras fiscais. Sai o combalido teto de gastos, que congelava as despesas do governo por um período de 20 anos – mas que durou só cinco, tendo sido “furado” várias vezes – e entra o arcabouço fiscal. Não há dúvidas de que as novas regras são mais flexíveis, mas nem por isso devem ser facilmente cumpridas. 

Em relação às despesas, os gastos podem crescer até 70% do que crescerem as receitas, caso o governo atinja as metas de resultado primário (diferença entre o que se gasta e o que se arrecada). No caso de a meta não ser atingida, o crescimento das despesas fica limitado a 50% do aumento da arrecadação. 

O problema é que a meta fiscal para 2024 já foi desacreditada pelo mercado, por economistas e até mesmo pelo próprio presidente Lula, para quem “dificilmente chegaremos à meta de déficit zero” no novo ano. 

A questão fiscal é vista tanto por Vitória quanto por Salto como central para um bom desempenho da economia em 2024. Para eles, o controle das contas públicas é essencial para a manutenção das boas perspectivas, de forma que uma gastança irrefreada pode virar desancoragem das expectativas de inflação e assim comprometer a trajetória cadente da taxa Selic

Crédito: Audiovisual/PR

Para Vitória, do Inter, é “ruim que o país precise ter uma meta agressiva para de fato entregar outra meta”. “O governo precisa de meta zero para entregar déficit de 1% do PIB. A gente poderia ter 1% de meta e buscar este 1%, mas se buscar este 1%, vai dar 1,5% de déficit”. 

Já Salto, da Warren, relativiza. Para ele, a persistência da meta de déficit zero mesmo com a pressão por parte de setores do governo para que ela fosse alterada, faz sentido porque mesmo que o resultado primário fique pior do que o esperado, o déficit do ano que vem deverá ser menor que o deste ano. Ele projeta um déficit fiscal de 1,3% para 2023 e de 0,7% para 2024. 

“A meta zero é uma âncora do arcabouço, não um número que significa o fim do mundo caso não seja atingido. Você pode até romper o limite, mas o arcabouço tem gatilhos que poderão ser acionados no ano seguinte”.

FELIPE SALTO, ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN.

“Além disso, o próprio governo colocou na mesa várias medidas para aumentar as receitas que estão sendo discutidas no Congresso. Se o governo abandonar a meta, não haverá razão política para o Congresso se comprometer com estas medidas”. 

Atividade econômica

A desaceleração da economia também está no radar dos economistas. Ambos entendem que o PIB de 2023 deve crescer ao redor de 3%, bem acima do que se esperava no começo do ano – a aposta do mercado no primeiro boletim Focus do ano era de alta de 0,8% –, mas que o crescimento do ano que vem deve ser menor. 

Exportações brasileiras; porto (Foto: Min. Agricultura / Divulgação)

No Inter, Rafaela Vitória projeta alta de 1,8% do PIB em 2024. Ela explica que dificilmente o Brasil terá novamente a surpresa positiva do agronegócio, que ajudou a puxar o crescimento de 2023, além de ser natural uma desaceleração da atividade diante do patamar alto de juros. “Crescimento mesmo só no segundo semestre, conforme a Selic tiver uma queda mais acelerada e se aproximar do um dígito”, pontua. 

Salto faz um mea culpa sobre as previsões para o PIB de 2023. “Nós, economistas, temos de ter a humildade de dizer que erramos. Não temos bola de cristal como às vezes queremos fazer parecer. Este ano foi muito melhor pelo lado do agronegócio, houve recuperação da capacidade produtiva, temos um PIB potencial melhor. A inflação não pressionou e continuou controlada mesmo com a taxa de desemprego baixa”. 

Por tudo isso, o economista da Warren aposta que a redução da Selic deve ajudar o Brasil a crescer cerca de 2% em 2024, mas ressalta. “Isso se o governo não fizer nenhuma besteira no fiscal”. Apesar da desaceleração ante 2023, Salto acredita que estes 2% terão “uma composição boa, puxada por consumo das famílias e investimentos à medida em que os juros diminuírem”. 

O que vai bem

Inflação

Tanto Felipe Salto quanto Rafaela Vitória veem a inflação como um dos pontos que, se tudo der certo – sim, nova referência ao risco fiscal –, não deve ser fonte de dor de cabeça em 2024. Para eles, 2024 herdará a boa dinâmica inflacionária de 2023, outra surpresa positiva do ano que termina. 

10/05/2019 REUTERS/Pilar Olivares

No primeiro Focus de 2023, o mercado projetava uma inflação de 5,4% para este ano. A projeção mediana agora é de Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 12 meses de 4,5%, dentro da meta estabelecida pelo Conselho Monetária Nacional. A Warren projeta inflação de 4,4% em 2024, mas o número pode passar para 3,8% se o fenômeno climático El Niño não for tão severo, o que impacta os preços dos alimentos.

“É uma inflação controlada, mas não é baixa”, ressalta Felipe Salto. Ele lembra que apesar da queda na Selic, a política monetária continuará contracionista por um tempo no Brasil, o que deve ajudar a manter a inflação nos eixos.

Rafaela Vitória vê no IPCA “um comportamento de curto prazo bastante benigno, especialmente nos núcleos de inflação e nos serviços”. Os núcleos são cálculos que consideram a inflação em itens menos voláteis e mais sensíveis aos juros.

“A gente ainda tem uma possível queda da gasolina, por conta dos preços do petróleo, é um cenário mais tranquilo”, ressalta, para depois repisar que “a questão fiscal, no entanto, atrapalha”. 

Vitória já está de olho no debate sobre as metas de resultado primário que devem acontecer entre o fim de 2024 e o começo de 2025. “A questão fiscal gera ruídos que podem desancorar as expectativas de inflação e gerar algum impacto no câmbio, o que vira inflação. Não deixa de existir uma preocupação”, pondera. 

E a política?

Brasília sempre está no radar dos economistas. A política, além de fazer preço no mercado financeiro, é capaz de definir a economia de um país. Em 2024, o terceiro governo Lula entrará em seu segundo ano e os entrevistados pelo InvestNews acreditam que as disputas intestinas entre os desenvolvimentistas e os mais fiscalistas devem continuar. 

Para Vitória, do Inter, o primeiro ano do governo Lula foi marcado mais por ruídos do que “por estragos efetivos”. “O próprio governo cria ruídos quando quer discutir meta de inflação, rever meta de superávit primário, querendo mudar o marco regulatório do saneamento, mexer na Lei das Estatais”, explica. 

Ela acrescenta que são propostas que significam retrocesso, mas o Congresso está filtrando e o estrago não está sendo totalmente feito. O mercado também reage mal e o governo volta atrás.

“Freios e contrapesos existem hoje entre os poderes, o governo não tem maioria no Legislativo, mas os riscos continuam no radar porque ainda há uma ala que quer gastar mais, usar bancos públicos para aumentar investimentos, aí fica o ministro [Fernando] Haddad sozinho tentando segurar este ímpeto desenvolvimentista”, analisa. 

vitória, economista-chefe do inter.

Felipe Salto, da Warren, também dá seu voto de confiança a Haddad e minimiza os momentos em que o presidente Lula engrossoua o coro dos que veem no aumento dos gastos públicos uma estratégia necessária para o país. 

“Lula é o político mais experiente que temos em atividade, ele dá uma no cravo e outra na ferradura e faz isso conscientemente. Ele não chegou de novo à Presidência com um discurso uníssono e conhece bem o papel que o Executivo tem de zelar pelo equilíbrio macro-fiscal, como estabelece a Constituição”.

Para Salto, o que importa é que até aqui Lula “está fazendo prevalecer as decisões do Haddad, que está empoderado, para usar uma palavra da moda”. 

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