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Desde que voltou à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump retomou a retórica protecionista que marcou seu primeiro mandato. E o novo alvo é o Brasil. Em um comunicado da Casa Branca, o republicano anunciou uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros. Alegou que o Brasil impõe barreiras injustas e que isso teria causado um “déficit comercial insustentável” para os EUA.

Mas os números contam outra história.

Só em 2024, os Estados Unidos exportaram US$ 40,6 bilhões ao Brasil — e importaram US$ 40,3 bilhões. Resultado: superávit americano de US$ 253 milhões. Foi o menor déficit brasileiro em uma década. E ao longo dos últimos dez anos, os EUA acumularam US$ 44,1 bilhões de saldo positivo no comércio com o Brasil.

As tarifas brasileiras são realmente mais altas?

É verdade que o Brasil cobra, em média, tarifas mais altas do que os Estados Unidos. Em 2022, segundo a OMC, a tarifa média simples brasileira foi de 11,3%, enquanto a americana foi de 2,2%. Mas esse número é uma média aritmética — não leva em conta o peso de cada produto na balança.

Quando se considera o que de fato é importado, o quadro muda. A tarifa efetiva brasileira sobre produtos dos EUA cai para 4,7%, segundo estudo da FGV. E os produtos brasileiros pagam, em média, apenas 1,3% para entrar nos Estados Unidos.

Mais do que isso: quase metade dos produtos americanos entra no Brasil com tarifa zero, e outros 15% pagam no máximo 2%, graças a regimes especiais voltados à indústria.

Trump também falou em barreiras não tarifárias. O Brasil de fato exige registro da Anvisa para cosméticos e medicamentos, impõe cotas para etanol e aplica normas técnicas do Inmetro. Mas o mesmo acontece do lado de lá: os Estados Unidos mantêm há anos restrições sanitárias contra a carne brasileira, além de exigências rígidas do FDA e do USDA.

Esse tipo de barreira existe nos dois lados — e costuma ter relação com saúde, segurança ou meio ambiente. Usá-las como justificativa para um tarifaço, sem considerar contexto e reciprocidade, distorce o debate.

Se a nova tarifa tivesse como objetivo proteger a balança comercial americana, ela estaria mal calibrada. Os dados mostram que os EUA já saem ganhando — e que o perfil das exportações brasileiras para o país não ameaça o setor produtivo americano. Pelo contrário.

Quase 80% das exportações do Brasil para os EUA vêm da indústria de transformação — produtos com alto valor agregado, como aviões, aço, químicos e equipamentos médicos. Só 5,7% vêm da agropecuária. Já nas exportações para a China, o cenário é o oposto: mais de 80% são matérias-primas, como soja, minério e petróleo.

Em 2024, os principais produtos brasileiros vendidos aos EUA foram:

A Embraer, sozinha, responde por 6,7% de tudo o que o Brasil exporta para os EUA — e esse número tende a crescer. No começo do ano, a empresa fechou a maior venda de jatos executivos da sua história com a americana Flexjet: 182 aeronaves, num contrato de US$ 7 bilhões. Também recebeu pedidos da American Airlines para 90 aviões comerciais. A maior parte dessas entregas está prevista para os próximos anos.

Além da aviação, a siderurgia brasileira também se beneficia do mercado americano. O Brasil é um dos três maiores fornecedores de aço para os EUA, junto com Canadá e México. E o que os americanos compram é o produto semiacabado, com mais valor agregado do que o minério que enviamos à China.

Em outras palavras: o tarifaço de Trump atinge justamente os setores que sustentam empregos qualificados, demandam inovação e ajudam a sofisticar a economia brasileira.

Uma medida política, não econômica

Na carta divulgada pela Casa Branca, Trump apresenta a tarifa como uma forma de corrigir um desequilíbrio comercial — que, como vimos, não existe. Os EUA acumulam superávit com o Brasil, e os produtos brasileiros que entram no país já pagam, em média, menos de 1,5% de imposto.

A medida tem peso político, não técnico. E coloca em risco justamente os segmentos que mais poderiam estreitar laços produtivos entre os dois países.

Como escreveu a equipe do InvestNews em fevereiro:

“As commodities que nos perdoem, mas os produtos de alto valor agregado são fundamentais. Eles dão luz a economias mais complexas, sólidas. Geram os melhores empregos, criam demanda por educação de ponta. Um ataque tarifário dos Estados Unidos que afetasse essa área, então, seria particularmente doloroso.”

A nova tarifa pode até servir de palanque — mas quem paga a conta são as cadeias produtivas que geram mais valor, dentro e fora do Brasil.