Economia
Reforma tributária: não faz sentido falar em bitributação, diz economista
Luis Paulo Rosenberg defende taxação de dividendos e redução do IRPJ propostas pela reforma tributária.
Reduzir o Imposto de Renda sobre as empresas e passar a tributar dividendos é uma forma de, ao mesmo tempo, melhorar a eficiência da produção e aumentar a equidade da economia. É o que acredita o economista Luis Paulo Rosenberg, da Rosenberg Associados.
Em tramitação no Congresso, a reforma tributária apresentada pelo governo reduz o Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ), mas ao mesmo tempo propõe uma tributação de 20% sobre dividendos, que pode ser implementada de forma gradual. Hoje, estes proventos pagos aos acionistas são isentos de taxação.
A medida tem recebido críticas de que seria uma forma de “bitributação”, além de preocupações no mercado financeiro sobre uma possível saída de recursos estrangeiros do país. Sobre essas alegações, Rosenberg disse ao InvestNews que a reforma está “metendo a mão no bolso de quem tem o poder neste país. Então, as críticas vão vir de todos os lados”.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
IN$ – Da forma como está, a reforma tributária é mais favorável ou prejudicial à economia?
Rosenberg – A proposta tem uma importância muito maior do que está sendo percebido. Geralmente, quando você adota uma medida econômica, ela vai beneficiar alguns e prejudicar outros – isso é inevitável. O grande dilema é que medidas que privilegiam a eficiência da operação da economia geralmente têm um efeito negativo sobre a distribuição de renda. E vice-versa. Administrar esse conflito é, sem dúvida, o maior desafio que a gente tem na profissão. Por que estou falando isso? Porque são raríssimos os exemplos em que você consegue, ao mesmo tempo, aumentar a eficiência e melhorar a equidade. E é o caso dessa reforma.
IN$ – Por quê?
Rosenberg – Porque ela, ao mesmo tempo, diminui a tributação sobre empresas – o que qualquer liberal vai te dizer que é a medida mais importante para alocar eficiência dos recursos – e introduz de volta uma progressividade no Imposto de Renda que havia sido perdida. Esse segundo aspecto, sem dúvida, é o mais notável porque, às vésperas de uma eleição presidencial, o governo ter a coragem de mandar uma medida que vai penalizar os 5% mais ricos da população é algo extremamente louvável.
Então, eu acho que a gente pode falar durante duas horas sobre os inconvenientes, as contradições etc. Mas ganham de lavada as vantagens sobre as desvantagens da proposta, qualquer que seja a resultante desse inevitável e desejável debate que vai ter entre Executivo e Parlamento para chegar à versão final.
IN$ – Poderia explicar melhor essa relação entre eficiência da produção e distribuição de renda, e o que muda com a reforma?
Rosenberg – No que você tinha a isenção dos dividendos… Por exemplo, eu, na Rosenberg, pago menos imposto que o meu funcionário. Por quê? Porque ele cai na tabela progressiva do Imposto de Renda, e eu pago sobre lucro presumido. Não sonego um tostão e, pelas minhas últimas contas, eu não pagava 10% de Imposto de Renda. No que você acaba com a isenção do Juro sobre Capital Próprio, no que você leva a renda para a declaração progressiva do Imposto de Renda de pessoa física, você está melhorando a distribuição de renda de uma forma fantástica.
Então você vai, agora, financiar projetos sociais tirando do topo da pirâmide para baixo. Note, isso parece coisa de comunista, mas, infelizmente, não foi o [vereador Eduardo] Suplicy que inventou isso. Isso quem faltou pela primeira vez foi o [economista] Milton Friedman.
IN$ – Entre os críticos da tributação de dividendos, há o argumento de que isso seria bitributação. Como você enxerga essa questão?
Rosenberg – É um sofisma dizer que é bitributação tributar Imposto de Renda da empresa e dividendos. O Imposto de Renda da empresa é um negócio meio surreal, porque é como se você tributasse o ectoplasma. Que renda tem a empresa? Ela tem um processo produtivo que gera um excedente. Se esse excedente está dentro dela, é capacidade de investimento dela, não é renda, não tem por que ser tributado. Se é distribuído, é dividendo, é renda da pessoa física e tem que ser tributado na tabela progressiva.
Então, o compromisso é assim: quanto mais baixa for a alíquota sobre pessoa jurídica, mais eficiente é a economia. Quanto mais progressivo, para cima e para baixo… Uma tabela que sai lá de baixo, dando dinheiro para os pobres, e vai lá para cima numa alíquota de 40% para quem recebeu uma bolada de dinheiro. Não interessa como o dinheiro foi gerado.
IN$ – A tributação de dividendos para compensar a redução do IR sobre as empresas então é positiva, na sua visão?
Rosenberg – O que o ministro tem que ver é o seguinte: ‘vamos diminuir o Imposto de Renda? Com o maior prazer, só que eu tenho uma má notícia: eu tenho que aumentar a progressividade do Imposto de Renda Pessoa Física’. O combinado é que o jogo é de ganho zero. Não vai ter mais tributação nem menos. Então, precisa aumentar a tabela progressiva. Eu não tenho nada contra isso.
IN$ – Dados divulgados pela receita apontam uma “sobra” de mais de R$ 2 bilhões em arrecadação para o governo em 2022 se a reforma fosse aprovada como o Ministério da Economia apresentou. Sobre a promessa de “ganho zero”, muitos críticos apontaram como aumento de carga tributária.
Rosenberg – Veja, nós estamos metendo a mão no bolso de quem tem o poder neste país. Então, as críticas vão vir de todos os lados, não tem como. Quando você lança uma medida que beneficia alguns e prejudica outros, já é complicado. Agora, imagina uma que só prejudica a classe alta. Vai ser atacado, não tem como evitar.
Agora, tem críticas bem razoáveis. Por exemplo: tributar dividendos entre empresas é o mesmo tipo de besteira. Empresa não recebe dividendos, simplesmente ela está recebendo uma transferência de recursos dentro do sistema produtivo. Entre o sistema produtivo, o dinheiro não é renda, é investimento em potencial ou dividendo em potencial. Enquanto ele está na situação potencial, não vejo por que tributar. Eu acho que o governo vai ceder nisso. Mas, de uma forma geral, é inegável que a maior distorção que existia no sistema tributário foi atacada por esse projeto.
IN$ – Qual seria o ponto fraco da reforma, na sua opinião?
Rosenberg – Estão criticando muito o fato de ser como uma máquina de cortar mortadela. Por que faz tudo aos pedaços em vez de mandar um projeto integrado? É uma crítica lógica. Eu quero saber o contorno final da estrutura tributária do país. Mas eu iria um pouco mais longe: então por que já não fazer de uma vez a reforma fiscal? Ou seja, ao mesmo tempo vamos diminuir o gasto público (que hoje está sendo chamado de reforma administrativa), definir qual é o tamanho do gasto que a gente quer e, aí sim, qual é a estrutura tributária que a gente acha mais adequado para atender a essas necessidades.
Agora, a gente sabe como é Parlamento. Cada um tem suas idiossincrasias. Se o Paulo Guedes deduziu que a forma menos arestosa de aprovar o projeto é por pedaços, vamos nessa. No final pode levar mais tempo, mas o importante é sempre caminhar na direção certa, e isso o projeto fez.
IN$ – No mercado financeiro, uma das críticas é a reforma como está pode afugentar investidores estrangeiros.
Rosenberg – Ah, sem dúvida. Daqui a pouco vai aparecer quem diga que essa reforma transforma o pagador de imposto em jacaré.
IN$ – Outra crítica é que as empresas poderiam ter mais custos.
Rosenberg – Imposto de Renda nunca foi custo. Imposto de Renda é resíduo, é a última linha. Dizer que mudança no IR vai aumentar o custo da empresa… Ah!
IN$ – Como assim?
Rosenberg – Receita tem a ver com a qualidade do produto, marketing. Despesa tem a ver com o custo da produção, com a tecnologia adotada etc. Você bota um contra o outro e sai o saldo. O saldo é lucro. Então, como uma medida que bate no lucro pode ser tratada como custo? Eu estou deixando a empresa operar, fazer o melhor que ela sabe, e no fim diz: ‘Quanto deu de lucro? Tenho uma boa notícia para você: eu vou deixar mais lucro na sua mão, mas, se você passar para o seu acionista, ele vai receber menos’. E a empresa vai dizer: ‘o que eu tenho com isso? O que vai alterar na minha vida o que você faz com o dinheiro que eu passo para a pessoa física?’.
Para a empresa, ela só vai estar vendo o aumento da lucratividade dela. Para a produção, só boa notícia. Agora, para o dono da produção, vai pagar o que nunca pagou – e deveria ter pago.
IN$ – Ainda no campo das críticas, temos a de que os estados e municípios arcariam com a maior parte da redução da arrecadação. Como você enxerga isso?
Rosenberg – Veja, nós estamos fazendo uma bruta reforma no Imposto de Renda e não estamos mexendo na contribuição social [CSLL, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido]. Qual é a diferença entre os dois? O Imposto de Renda vai uma parte substancial para uma vala comum que é o fundo de participação dos estados e municípios. A contribuição não, porque a contribuição não é imposto. Olha se isso não é pedalada.
Quando alguém faz uma reforma para tratar do assunto de Imposto de Renda, deveria mexer na contribuição. Primeiro, acabar com essa palhaçada. Por que uma coisa que tem cor de picolé, gosto de picolé e palito de picolé não é picolé? Essa distinção é uma sacanagem que a gente fez no governo federal para criar um adicional de Imposto de Renda sem ter que partilhar com estados e municípios. Numa hora em que você está fazendo uma reforma dessa, por que não junta as duas coisas e acaba com essa confusão?
IN$ – A reclamação de prefeitos e governadores então faz sentido?
Rosenberg – Faz. Nós não sabemos como vai acabar isso tudo depois de passar pelo Parlamento. Mas tudo se faz com redução da alíquota do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, mas mantém a contribuição social. É isso que os estados reclamam. ‘Na parte que ele tem que dividir conosco, (o governo federal) é generoso e deixa baixar. Agora, no dele ele não mexe?’.
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