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Economia

Sem dinheiro, empresários encaram juros altos e recusa de crédito na pandemia

Donos de pequenas empresas, que já sentiam a lentidão da economia, agora reclamam da dificuldade em conseguir capital de giro.

Dinheiro
Crédito: Shutterstock

Uma fala recente do ministro da Economia em uma videoconferência repercutiu no mercado de forma controversa. No final de semana passado, em live do banco Itaú —, inclusive com participação de seu presidente, Candido Bracher — Paulo Guedes declarou que “200 milhões de trouxas” são explorados por seis bancos. Depois, tentou explicar melhor e completou: “Eu quero muito mais enfatizar a importância da competição”. 

Esse cenário de baixa competitividade entre os bancos já era reconhecido por Guedes antes de entrar no governo, e a expressão “200 milhões de trouxas” já foi usada em um evento para o mercado financeiro em julho do ano passado. Mas com a pandemia de Covid-19 e a consequente queda no consumo, a busca por crédito para o setor produtivo se tornou ainda mais vital — e penosa. Além das falas, empresários de pequeno e médio porte não conseguem determinar onde a equipe econômica do ministro tem ajudado.

Longe de ter um horizonte de esperança, esses donos de negócios se veem ainda acuados, mantendo até o capital de giro com empréstimos a taxas de juros altas e consideradas absurdas em qualquer outra economia do mundo. Afinal, o que tem sido feito, além das medidas anunciadas pelo Banco Central para dar liquidez aos bancos? E onde os empresários podem buscar ajuda nesse momento tão difícil?

Ações do Estado

Seguindo o exemplo de outras economias do mundo, uma das primeiras medidas tomadas pelo Banco Central como contenção da crise foi a liberação dos compulsórios bancários. Os depósitos compulsórios são uma reserva que os bancos são obrigados a depositar no Banco Central para controlar a oferta de recursos no mercado.

Em tese, com a liberação do dinheiro dos compulsórios, que segundo o BC significou R$ 203 bilhões em recursos, os bancos privados e públicos ateriam mais recursos para oferecer crédito e poderia reduzir os juros durante a pandemia. Mas como reconheceu o próprio ministro da economia, ainda em abril, o recurso “ficou empossado no sistema financeiro”.

Com o objetivo de manter os empregos, a equipe econômica optou por descontos nas folhas de pagamentos e lançou alguns programas destinados às pequenas e médias empresas. A MP da Folha de Pagamento, como foi apelidada, pretendia aportar R$ 34 bilhões do Governo Federal para ajudar 1,4 milhão de empresas. Mas na verdade apenas 61 mil empresas aderiram ao programa.

Na última quinta-feira (14), em reunião com empresários da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), o ministro Paulo Guedes reconheceu que as linhas de crédito precisam de reajustes, e prometeu que os descontos na folha de pagamento serão estendidos para empresas de maior porte.

Além desses impulsos do governo federal, os empresários também ficaram à espera de ajuda estadual e municipal. Descontos em despesas correntes, como água e luz, estão entre os mais adotados. Ainda sim, considerando que a economia brasileira patina desde 2015, em paralelo com a instabilidade política, toda ajuda é pouca. Os pequenos empresários, principalmente, comparam a situação com o tratamento que as pessoas físicas estão recebendo quando buscam o auxílio emergencial de R$ 600, enfrentando filas quilométricas e problemas no cadastramento.

Juros de 8% ao mês

O dono de uma fábrica de biquinis na região central de São Paulo, que preferiu não se identificar, relata a dimensão da queda na demanda por seu produto. “As oficinas estão praticamente paradas. Era para estarmos exportando agora”. A empresa, que antes tinha 7 funcionários fixos e mais ou menos 30 colaboradores terceirizados, é um exemplo autêntico da realidade do setor produtivo na atual crise. Mesmo com o quadro mínimo de funcionários fixos, a equipe foi ainda mais reduzida durante a pandemia, contando com apenas 5 trabalhadores.

Tentando se adaptar ao e-commerce e operando a portas fechadas, o empresário reclama dos entraves burocráticos na hora de conseguir crédito. Ele diz ter feito um único empréstimo na Caixa, com Fundo Garantidor de Operação (FGO), uma espécie de seguro da dívida, caso o tomador não consiga pagar, uma exigência comum do banco e que acaba aumentando o custo total da dívida. “Depois de um ano, tentei renegociar uma dívida e fui impedido”. Segundo o regulamento do banco, não há desconto em dívida para quem fez empréstimos com FGO.

Quando viu a crise que se aproximava, o empresário que já estava com o limite do cheque especial estourado, fez um último empréstimo para garantir seu capital de giro. Um banco privado lhe ofereceu o dinheiro a uma taxa de 8% ao mês (o que equivale a 153% ao ano). Com pesar, ele lamentou. “São R$ 50 mil que me vão por R$ 70 mil”. Perguntado se essa era a melhor opção, mesmo considerando os bancos públicos, que em tese poderiam fazer melhores ofertas, ele respondeu que “era a menos pior” que encontrou.

Entraves do sistema bancário

Com anos de experiência trabalhando no setor de exportação e importação, o administrador Lionello Di Camelo também reclama do que ele chama de “grandes barreiras para o crédito”. Segundo ele, os bancos no Brasil estão “mal acostumados” e querem trabalhar “com risco zero”. “Os bancos não podem, no meu entender, uma vez que têm recursos do próprio governo através do compulsório, exigir uma taxa que efetivamente comprometa a atividade produtiva”, explicou.

Para o professor de economia da Faculdade Federal do Espírito Santo (UFES), Arlindo Villaschi, o sistema bancário brasileiro “é um verdadeiro oligopólio”. Dados do Banco Central, contidos no Relatório de Economia Bancária de 2018, confirmam a tese do professor. Segundo o relatório, os cinco maiores bancos comerciais do Brasil dominam mais de 80% do mercado.

Uma das métricas citadas por Villaschi para precisar os efeitos da concentração do mercado é o spread  bancário. O spread corresponde à diferença entre o que o banco ganha emprestando e o que ele gasta conseguindo o recurso. De acordo com dados do World Bank, o Brasil é o segundo da lista de maiores spreads do mundo, perdendo apenas para Madagascar.

Um dos argumentos dos bancos para justificar spreads tão altos é a alta taxa de  inadimplência do país e o custo da recuperação de crédito. Villaschi, no entanto, questiona esse argumento a partir dos lucros registrados por esses bancos: “Se eles tivessem absorvendo grandes níveis de inadimplência, teriam lucros tão exorbitantes quanto estão tendo?”

As estimativas do primeiro trimestre de 2020 para o lucro combinado de Itaú Unibanco, Santander e Bradesco mostram uma rara queda de 30% ante o último trimestre de 2019. Ainda sim, os maiores bancos do brasil não deixaram de lucrar na pandemia, uma quantia próxima de R$ 11 milhões líquidos. 

Di Camelo espera que o destravamento do crédito venha do aumento da competitividade, já em curso. “As instituições digitais, que já estão operando, vão conseguir tirar uma grande fatia de mercado desses bancos tradicionais”, diz ele, se referindo às novas fintechs, empresas de tecnologia financeira que se multiplicaram com a última onda de inovação tecnológica.    

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