Quatro dos cinco ministros da Primeira Turma, que analisou o caso, votaram pela condenação de Bolsonaro, sob a acusação de que ele buscou permanecer no cargo ao tramar um golpe militar que incluía planos para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A votação foi concluída na quinta-feira, e os ministros agora discutem a pena de Bolsonaro. Embora as imputações prevejam uma sentença máxima de 43 anos de prisão, eles podem levar em conta a idade do ex-mandatário, de 70 anos, e problemas de saúde em curso para definir o castigo.
O caso é considerado um marco para a democracia em um país que sofreu quatro golpes bem-sucedidos e muitas outras tentativas ao longo de sua história. Também deve ter repercussões internas e externas, com potencial de remodelar a eleição de 2026 e de provocar novas reações de Donald Trump, que impôs pesadas tarifas dos EUA a muitos produtos brasileiros e sanções a um ministro do STF numa tentativa de impedir o julgamento.
Por ora, o presidente dos EUA não deu indicação clara sobre medidas adicionais contra o Brasil.
“Eu assisti a esse julgamento. Eu o conheço bem — um líder estrangeiro, achei que ele foi um bom presidente do Brasil”, disse Trump ao deixar a Casa Branca rumo a Nova York. “Isso é muito parecido com o que tentaram fazer comigo, mas não conseguiram, de jeito nenhum.”
O caso contra Bolsonaro decorre da investigação sobre a tentativa de insurreição de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, quando milhares de seus apoiadores invadiram prédios federais pedindo que os militares derrubassem Lula, uma semana depois de sua posse.
A Procuradoria-Geral da República denunciou Bolsonaro e sete aliados — incluindo militares e ministros de seu governo — por tramar um golpe e outros quatro crimes. Seu advogado argumentou que os procuradores não conseguiram vinculá-lo nem à insurreição nem a qualquer conspiração contra Lula, acrescentando que o golpe jamais chegou a ser consumado.
O ministro Alexandre de Moraes proferiu na terça-feira o primeiro voto pela condenação de Bolsonaro, afirmando que “não há dúvida de que houve tentativa de golpe”, e foi acompanhado pelo ministro Flávio Dino. As ministras Cármen Lúcia e Cristiano Zanin consideraram Bolsonaro culpado por todas as acusações na quinta-feira.
O único voto divergente foi o do ministro Luiz Fux, que defendeu a absolvição em todas as imputações. Alegando falta de competência da turma, ele também tentou anular o processo. Embora essa tese tenha sido derrotada, seus argumentos podem embasar um eventual recurso.
Ao fim do julgamento, a defesa do ex-presidente pode apresentar embargos de declaração à mesma turma, se entender que a decisão contém omissões, contradições ou ambiguidades. Se obtiver dois votos favoráveis na turma, também poderá pedir que o plenário do STF reconsidere o caso.
Aliado de Trump
Bolsonaro, ex-capitão do Exército, modelou sua atuação política de maneira tão próxima à de seu contraparte nos EUA que ficou conhecido como o “Trump dos Trópicos” durante sua ascensão inesperada à Presidência do Brasil em 2018.
As comparações só se intensificaram desde os tumultos de 2023, que eclodiram após Bolsonaro disseminar teorias conspiratórias sobre fraude eleitoral e ocorreram quase dois anos após a tentativa de insurreição que se seguiu à derrota de Trump em 2020.
Trump recebe o presidente brasileiro Jair Bolsonaro na Casa Branca
Trump e Bolsonaro na Casa Branca, em 2019
Trump posteriormente enfrentou acusações de conspirar ilegalmente para obstruir aquela eleição, mas os procuradores as retiraram depois que ele venceu a disputa de 2024, citando a política do Departamento de Justiça que veda processar um presidente em exercício.
Bolsonaro apostou alto na ajuda do aliado, e seu filho Eduardo, deputado federal, mudou-se para os EUA no início deste ano para fazer lobby junto à Casa Branca por uma intervenção em favor do pai.
Em julho, Trump classificou o julgamento como uma “caça às bruxas” e depois impôs tarifas de 50% ao Brasil. Ele também aplicou sanções a Moraes, o ministro que conduz o caso de Bolsonaro, e revogou seu visto dos EUA.
Mas o Brasil não cedeu. Moraes abriu o julgamento insistindo que a soberania do país “jamais será violada, negociada ou extorquida”. Lula também criticou o líder norte-americano por tentar intervir nos assuntos brasileiros, ao mesmo tempo em que classificou Bolsonaro e Eduardo como traidores da nação.
O STF, o governo Lula e bancos brasileiros vêm se preparando para novas retaliações dos EUA à medida que o julgamento avança, incluindo possíveis sanções a outros ministros da Suprema Corte.
Questionada sobre o Brasil na terça-feira, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse que Trump enxerga a questão como uma luta contra a “censura” e “não tem medo de usar o poder econômico e o poder militar dos Estados Unidos da América para proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo”.
Eleição de 2026
O veredito final tornaria Bolsonaro o terceiro dos últimos sete presidentes do Brasil a ser considerado culpado por crimes. Lula, que já havia governado o país entre 2003 e 2010, foi condenado por corrupção em 2017 e passou quase dois anos preso antes de a anulação do caso abrir caminho para seu retorno à Presidência.
Embora Bolsonaro insista que concorrerá novamente no ano que vem, um retorno imediato é improvável devido à inelegibilidade de oito anos que recebeu por atacar o sistema de votação do país antes da disputa de 2022.
Investidores e líderes de partidos de centro veem o julgamento como o ponto em que ele finalmente terá de apontar um sucessor, com muitos favorecendo o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ex-ministro do governo Bolsonaro.
“A prisão de Bolsonaro acaba favorecendo uma segunda opção como Tarcísio”, disse Felipe Arslan, CEO da Morada Capital. “Você elimina a chance de Bolsonaro voltar a ser elegível e tem essa segunda opção que impulsiona o otimismo do mercado com a eleição.”
Os mercados brasileiros reagiram pouco à condenação de Bolsonaro, que já estava em grande parte precificada antes mesmo do início do julgamento. Embora uma resposta dos EUA siga como risco, investidores veem pouco impacto no quadro econômico mais amplo: novas sanções são consideradas improváveis, e quaisquer medidas tenderiam a mirar indivíduos — possivelmente até ministros do STF — e não a economia brasileira.
Por ora, Freitas nega a intenção de concorrer, mas intensificou os esforços para atrair a base do ex-presidente. Ele acusou a Corte de “tirania” e chamou o julgamento de “viciado” durante um comício no domingo.
Ele também defendeu a aprovação de uma lei que conceda anistia a Bolsonaro — ideia que vem ganhando força na Câmara, mas enfrenta resistência no Senado e provavelmente seria alvo de questionamentos constitucionais no STF.
Os esforços de Bolsonaro para manter o controle sobre o movimento político que construiu também alimentam a especulação de que ele poderá apoiar um membro da família no ano que vem.
Eduardo manifestou interesse em concorrer se o pai não puder, embora agora ele próprio enfrente possíveis acusações criminais após a polícia tê-lo acusado de obstruir a Justiça às vésperas do julgamento.
O senador Flávio Bolsonaro — o filho mais velho do ex-líder — e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro também têm sido apontados como possíveis sucessores dentro da poderosa família conservadora.
(Por Daniel Carvalho)