As tarifas mais altas do que o esperado impostas pelo presidente Donald Trump desde que ele assumiu sua segunda gestão traumatizaram os mercados financeiros e provocaram temores de recessão ao redor do mundo.
Mas o governo chegou a considerar medidas ainda mais extremas do que as anunciadas.
Segundo pessoas a par das discussões internas do governo, ouvidas pela Bloomberg sob condição de anonimato, durante semanas a Casa Branca deliberou sobre a política de comércio exterior a ser adotada pelos Estados Unidos.
No fim, ganhou a posição de Peter Navarro — o assessor mais linha-dura do presidente em relação ao comércio externo.
Ele é conhecido por seu estilo direto e inflexível, e às vezes causa atritos no círculo de Trump. Na terça-feira (8), ele foi chamado de “mais burro que um saco de pedras” pelo bilionário e conselheiro presidencial Elon Musk — cuja montadora Tesla pode ser duramente atingida pelas tarifas.
No desenho da política, Navarro ofereceu a Trump duas opções: implementar um imposto genérico de 25% sobre todas as importações, ou adotar uma “fórmula recíproca”, baseada nos déficits comerciais de cada país.
Esta última foi a alternativa vencedora. Ela foi incorporada na proposta anunciada por Trump na semana passada, além de uma tarifa básica de 10%.
Vozes derrotadas
A mentalidade dominante dentro do governo é o que explica a ansiedade que se espalha por Wall Street e pelo setor corporativo dos EUA. Muitos investidores importantes celebraram a vitória eleitoral de Trump como o início de uma nova era de políticas pró-mercado. Agora, estão todos chocados depois que o presidente de fato cumpriu sua principal promessa de campanha: o uso agressivo de tarifas para desmantelar uma ordem econômica global que ele há muito tempo considera injusta.
Antes do anúncio de Trump na semana passada, as discussões internas envolviam assessores moderados — que apoiavam uma tarifa universal de 10%, possivelmente com exceções — e os maximalistas.
O secretário do Tesouro, Scott Bessent, foi uma voz pró-moderação, defendendo o uso das tarifas principalmente como ferramenta de negociação, segundo as fontes.
À medida que o anúncio das tarifas se aproximava, Bessent, o representante comercial dos EUA Jamieson Greer e o diretor do Conselho Econômico Nacional, Kevin Hassett, estavam no grupo mais cauteloso, disseram as fontes. Hassett e Bessent haviam proposto tarifas mais direcionadas e com nuances, segundo algumas dessas pessoas. Bessent alertou sobre as consequências no mercado de uma tarifa generalizada, e seu grupo argumentava que Trump sempre poderia adicionar mais tarifas depois, se necessário.
Já Navarro via as tarifas como algo mais fundamental — um meio de transformar as relações comerciais dos EUA — e o secretário de Comércio, Howard Lutnick, também adotou um tom incisivo.
Frente unida em público
Posteriormente, a equipe econômica de Trump apoiou o plano — um resultado que destaca o crescente distanciamento entre o governo e o mundo dos negócios.
“Foi um plano discutido por toda a equipe comercial do presidente”, disse a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, a repórteres na terça-feira. “Algumas propostas foram apresentadas ao presidente, houve debate e discussão, e o presidente tomou sua decisão.”
O porta-voz da Casa Branca, Kush Desai, afirmou que Trump “promove discussões e debates abertos a portas fechadas com seus assessores para embasar suas decisões”.
“Toda a administração Trump está alinhada em enfrentar a emergência nacional representada pelos persistentes déficits comerciais dos EUA e em restaurar a grandeza americana da Main Street à Wall Street”, afirmou.
Um porta-voz do Tesouro também enfatizou que o gabinete está unificado por trás da agenda econômica de Trump, dizendo que as ações do presidente trouxeram outros países para a mesa de negociações. Em uma publicação no X, Bessent disse estar orgulhoso de trabalhar com Trump para “corrigir os erros dos desequilíbrios comerciais globais de longa data”.
Liberais x protecionistas
No primeiro mandato de Trump, seus principais assessores incluíam figuras como Steven Mnuchin e Gary Cohn — alinhados a um Partido Republicano que há décadas defendia o livre comércio. Agora, Trump se cercou de protecionistas. A disputa entre Bessent e Lutnick para se tornar secretário do Tesouro incluiu promessas de apoio às tarifas por parte de ambos.
Medidas comerciais anunciadas até agora por Trump elevariam os impostos sobre importações dos EUA aos níveis mais altos em mais de um século. Em um artigo no Financial Times na segunda-feira (7), Navarro disse que Trump quer mais do que apenas reduzir tarifas sobre exportações americanas.
“Aos líderes mundiais que, depois de décadas de trapaças, estão agora oferecendo reduzir tarifas — saibam: isso é apenas o começo”, escreveu ele.
Quando questionado sobre o processo de formulação das tarifas, Navarro afirmou:
“O que acontece no Salão Oval, fica no Salão Oval. Nada vindo de fontes anônimas é credível — é apenas travessura e desvio da mídia.”
Ainda assim, pode haver uma brecha para que Trump use as tarifas como alavanca para fechar acordos e reduzir certas taxas para o patamar básico de 10%, que é amplamente visto como o mínimo que ele consideraria, disseram as fontes. Como disse Bessent na Fox Business na segunda-feira: “Espero que, por meio de boas negociações, tudo o que veremos serão reduções.”
Opções mais agressivas evitadas
Trump evitou as opções mais agressivas de duas maneiras:
Ele optou por não adicionar tarifas adicionais sobre produtos específicos (como automóveis e produtos farmacêuticos) além das tarifas recíprocas, evitando um “duplo golpe” para setores-chave. Greer apoiou essa posição, segundo uma fonte.
Ele também excluiu Canadá e México, os dois maiores parceiros comerciais dos EUA, desta nova rodada. Os vizinhos da América do Norte já foram atingidos por uma tarifa de 25%, embora exista uma isenção para produtos enviados sob o acordo continental negociado por Trump em seu primeiro mandato. Lutnick defendeu simplesmente estender esse arranjo, segundo uma das fontes.
Funcionários do governo Trump deram respostas contraditórias sobre quem criou a fórmula para as tarifas recíprocas, baseada nos saldos comerciais das nações com os EUA. Isso gerou confusão entre os investidores e foi visto por economistas como algo amador e mal elaborado. Muitos dos países mais atingidos pelas tarifas são nações de baixa renda que fabricam bens de consumo, e alguns até tinham acordos de livre comércio que foram efetivamente desfeitos pelo anúncio de Trump.
“Quando você olha para o déficit comercial do país, acreditamos que ele reflete algumas das injustiças, e você precisa de uma metodologia uniforme”, disse Greer em uma audiência no Congresso na terça-feira.
Em uma análise que serviu de base potencial, o Conselho de Assessores Econômicos (CEA) usou vários modelos voltados para estabelecer tarifas com foco em barreiras não tarifárias dos países. Essas tarifas poderiam ser menos sensíveis aos déficits comerciais, já que algumas nações têm vantagens competitivas com os EUA em certos produtos.
Navarro disse à CNBC na segunda-feira que os cálculos foram baseados nos números do CEA. Mas em alguns casos, as tarifas anunciadas não refletiam esses números, segundo uma das fontes.