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ESG

Crise de energia na Europa divide opiniões sobre rumo da transição energética

Problema foi agravado na região por causa da redução da oferta de gás e petróleo da Rússia.

Com um corte da oferta de gás natural feito pela Rússia e redução do fornecimento de petróleo vindo do país governado por Vladimir Putin, a Europa vem enfrentando a sua pior crise de energia. Especialistas ouvidos pelo InvestNews têm opiniões distintas sobre o rumo da transição energética do bloco e o atingimento de suas metas de reduções de emissões em meio ao cenário atual enfrentado pela região.

Com o conflito entre Rússia e Ucrânia, a União Europeia fechou um acordo para banir parte das exportações do petróleo da Rússia para o bloco em meio às sanções do ocidente. Por outro lado, a Rússia cortou o fornecimento de gás para Polônia e Bulgária, pois os dois países não quiseram efetuar pagamentos em rublos em vez da moeda do contrato.

energia na Europa
Edifício comercial parcialmente iluminado na cidade francesa de Strasbourg, em setembro de 2022. Crédito: Benjamin Girette/Bloomberg

O país liderado por Putin também fechou o gasoduto Nord Stream 1, que faz o envio de gás para a Alemanha e outras nações europeias, por tempo indeterminado. O motivo oficial seria um vazamento de óleo. A Europa é dependente de cerca de 40% do gás e 25% do petróleo da Rússia.

Para o economista Diogo Lisbona, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV-CERI), a restrição de curto prazo é muito significativa, mas o esforço  da União Europeia para a transição energética no longo prazo não está esquecido.

Tem um desafio enorme no curto prazo. A ideia de que a transição seria de rota contínua até 2030 e 2050, na prática, não é assim. Não é uma trajetória linear, tem desafios no meio do caminho e essa crise atual não estava no horizonte. Não há um abandono da transição no longo prazo. As metas estão postas, os limites de emissão também. Então, agora, é resolver o curto prazo, pois é emergencial, mas o horizonte de longo prazo está dado”, afirma Lisbona.


Já para Agostinho Celso Pascalicchio, professor do curso de Engenharia de Produção na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o momento atravessado pelos países europeus não é favorável ao processo de transição energética no qual esses países, principalmente a Alemanha, estão empenhados.


“Esse processo está recebendo e receberá um profundo atraso. A invasão da Ucrânia pela Rússia colocou esse programa em uma enorme encruzilhada. A mudança para a energia limpa, baseada no argumento de ser vital para evitar um cenário climático catastrófico, está adiada indefinidamente, sem novos prazos”, defende Pascalicchio.

Tubos do gasoduto de Nord Stream 1, em Lubmin, Alemanha
Tubos do gasoduto de Nord Stream 1 em Lubmin, na Alemanha. Crédito: REUTERS/Hannibal Hanschke/File Photo

Metas climáticas

Na Cúpula do Clima, realizada em 2021, a União Europeia anunciou que reduzirá em 55% até o ano de 2030 suas emissões de gases do efeito estufa, com base nos índices de emissão de 1990. Já para o ano de 2050, o objetivo do bloco é que as emissões sejam completamente zeradas.  

As metas fazem parte do plano Lei Climática da União Europeia, que, segundo a chefe da comissão europeia na Cúpula, Ursula von der Leyen, coloca o bloco em um “caminho verde” para uma nova geração.

Já na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), realizada no ano passado em Glasgow, na Escócia, foram assinados compromissos de forma independente, com o objetivo de contribuir para a redução de emissões e gerar uma limitação das mudanças climáticas.

Entre um  dos pontos do Pacto de Glasgow está o encorajamento de países para acelerar a transição para energia de baixa emissão, com a inclusão de esforços para a eliminação de forma progressiva de energia proveniente de usinas de carvão que não utilizem tecnologias de mitigação. Além disso, o pacto buscou também estimular a redução de subsídios aos combustíveis fósseis ineficientes, apoiando para uma transição justa.

Em meio à crise energética enfrentada atualmente pela Europa, junto da proximidade do inverno rigoroso na região, o bloco tem gastado em infraestrutura com base em combustíveis fósseis. De acordo com dados do centro de análise e pesquisa em energia Ember Climate, os governos da região devem gastar pelo menos cerca de 50 bilhões de euros em uma nova infraestrutura, além da expansão de já existentes, para seu abastecimento.

Diversos países autorizaram a retomada das operações em usinas de energia elétrica que tem como base  combustão de carvão. Algumas delas estavam para fechar, outras já estavam desativadas.

De acordo com Agostinho Celso Pascalicchio, professor do Mackenzie, a  situação agora na Europa é de segurança energética e não mais de estimular a transição energética para fontes limpas. 

“Uma situação é ter uma fonte firme para garantir a segurança energética de um ou mais países. Outra é a de desenvolver alternativas para a geração de energia. Assim, o petróleo, gás e o carvão continuam importantes para garantir a segurança energética da Europa neste momento”, avalia Pascalicchio.


Já para Lisbona, no curto prazo, a União Europeia não tem saída e se tem um aumento de carvão e fóssil na tentativa de diversificar a oferta de gás natural, mas, segundo ele, por outro lado, o bloco tem mantido esforços com seus objetivos de longo prazo.

“A União Europeia vem tentando equilibrar isso, de maneira a proteger populações vulneráveis e como um todo. Eles tentam equilibrar metas e apostam em uma saída verde. A aposta em renováveis, inclusive, é um caminho para muitos países de independência energética”, destaca o pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV (CERI).

Fim da dependência russa?

A União Europeia possui dependência externa de recursos energéticos como, por exemplo, carvão, gás natural e petróleo, insumos que  são fundamentais para a manutenção dos serviços, das atividades produtivas da indústria, entre outros.

Segundo a Eurostat, em 2020, os produtos petrolíferos representavam 35% do consumo final de energia na União Europeia. Já a eletricidade, 23%, seguida de gás (22,3%), energias renováveis (11,8%), calor derivado (5%) e combustíveis fósseis sólidos (2,7%). Confira:

Ainda de acordo com a Eurostat, também em 2020, a taxa de dependência de importações do bloco para atender às necessidades energéticas era igual a 57,5%, ligeiramente superior em comparação com 2000, de 56%. Veja:

Em 2020, o bloco dependia principalmente da Rússia para importações de petróleo bruto, gás natural e combustíveis fósseis sólidos. Segundo Pascalicchio, devido a essa dependência da Europa, qualquer interrupção nas exportações amplia a atual crise de energia na região. 

De acordo com o professor, nos últimos anos, a Europa aumentou as importações de gás natural principalmente do Qatar e dos Estados Unidos. “Entretanto, uma situação é a de estabelecer uma contingência energética de curto prazo e outra é para o longo prazo, embora crie maiores condições para a superação da crise”, alerta Pascalicchio.

Para Diogo Lisbona, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, com a guerra entre Rússia e Ucrânia e a crise energética na Europa, vai haver uma mudança geopolítica e de portfólio, de desenvolvimento da indústria global, da oferta global, das possibilidades de exportação para União Europeia.

“A Europa não vai abrir mão da diversidade de portfólio. Se possível, acredito que eles não vão querer ter dependência nenhuma da Rússia. A busca das metas está no caminho da diversificação. Segurança energética pressupõe diversidade de oferta e fontes. E a transição para esses países caminha no sentido de diversificação da matriz, aumento das renováveis”, considera  Pascalicchio.

Alternativas para o longo prazo

Pascalicchio, professor do Mackenzie, avalia que, no curto prazo, a atual crise energética na Europa está retardando a transição energética, pois, segundo ele, as energias renováveis ​​substituem o gás mais caro em vez do carvão mais sujo.

Para o professor, no longo prazo, a melhor maneira de substituir o petróleo russo é promover o uso de veículos elétricos e uma rede renovável para alimentá-los e que, adicionalmente, deve ser aumentado os investimentos em transporte público. 

Neste ano, os ministros do Meio Ambiente da União Europeia decidiram colocar fim nos carros novos fabricados a combustão dentro do bloco a partir de 2035. 

Segundo Pascalicchio, alternativas energéticas customizadas aos moradores como a célula combustível utilizando hidrogênio para os carregadores de veículos elétricos também deverão ser estimuladas com fontes de financiamento governamental. De acordo com o professor do Mackenzie, essas medidas também podem reduzir as contas de energia enquanto os preços dos combustíveis estão subindo.

Adicionalmente, aponta Pascalicchio, as fontes de energia eólica e solar mais eficientes, com maior potência, deverão substituir os geradores menos eficientes para aproveitar os melhores locais. 

Já Lisbona defende que, no médio e longo prazo, há uma aposta grande no hidrogênio, nas transformações que o hidrogênio verde pode trazer.

E o futuro?

O professor do Mackenzie avalia que as condições energéticas europeias até antes da crise de energia estavam excelentes e a sua transição para fontes limpas está em fase de desenvolvimento em todo o continente, mas terá atraso. 

“A Europa tem desenhado a estratégia de longo prazo para 2050 de forma a continuar garantindo a transição. Os programas da transição energética vão atrasar no curto prazo e estão com prazos incertos no longo prazo”, estima Pascalicchio.

Já Lisbona lembra que a União Europeia é um conjunto de países com políticas e escolhas individuais, onde se tem um panorama heterogêneo.

“Países têm políticas energéticas próprias e conflitos entre o que são essas escolhas nacionais e o que o bloco como todo busca definir. As medidas de agora, emergenciais, seriam uma solidariedade entre países e isso tem uma resistência interna de nações. O desafio está ficando grande e, no meio disso tudo, se ‘costura’ um redesenho de mercado, que vai ter as consequências no longo prazo”, acredita o pesquisador da FGV (CERI).

Para Lisbona, vai haver  um legado de custo no futuro, ligado a essa reestruturação e, depois, medidas que vão interferir na competitividade dessas fontes, como redesenho do mercado de eletricidade. “Às vezes se toma medidas conjunturais para restrições que são incontornáveis, mas que vão ter consequências de longo prazo”, conclui o pesquisador.

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