Negócios
Novos hábitos de consumo impulsionam corrida de varejistas por moda sustentável
Empresas do segmento na B3 passaram a intensificar iniciativas voltadas ao ESG; relatório mostra impactos dessa indústria para o meio ambiente.
Empresas do varejo de moda listadas na bolsa brasileira estão indo além das tendências de vestuário do momento e buscando iniciativas com foco em sustentabilidade. Para especialistas consultados pelo InvestNews, a nova geração de consumidores, mais conscientes e exigentes com seus hábitos, está por trás da motivação que levou a uma corrida de varejistas por práticas mais sustentáveis em seus negócios.
A confecção de roupas que levam em consideração os critérios ESG (ambiental, social e de governança corporativa, em português) está pautando mais as decisões de compra de consumidores preocupados com os impactos para o meio ambiente. De acordo com o levantamento “O Futuro do Comércio”, feito pela Shopify, 53% dos entrevistados preferem comprar itens que respeitem critérios de sustentabilidade e 75% estão dispostos a pagar a mais, caso as mercadorias sejam ecológicas.
Em meio a este cenário, em um país que ocupa o quinto lugar entre os maiores produtores têxteis do mundo, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção, companhias brasileiras do varejo de moda, incluindo as listadas na B3 (B3SA3), estão intensificando suas iniciativas voltadas à sustentabilidade.
Celso Funcia Lemme, professor de finanças e sustentabilidade do Coppead/UFRJ, explica que o movimento dessas empresas é relacionado ao efeito geracional. Segundo Lemme, a nova geração de consumidores pensa muito diferente nas escolhas de consumo e enxerga esta agenda como forte e que vai se fortalecer nos próximos anos.
“Moda é extremamente pessoal, ligada a valores, convicções e visões de mundo que as pessoas têm. A nova geração é importante, pois vai mandar no futuro. Quem é que quer investir em líderes do passado? Querem investir em líderes do futuro”, avalia Lemme.
Daniela Garcia, CEO do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, cita outro fator que está impulsionado as iniciativas de varejistas de moda: grandes marcas são exemplos para outras.
“Líderes mais conscientes do momento e das urgências atuais geram negócios com mais impacto positivo. A moda está muito aparente na mídia e isso gera também muitos comentários sobre a reputação dessas marcas”, destaca Garcia.
O que as varejistas de moda estão fazendo?
Lojas Renner
Em sua ação mais recente, a Lojas Renner (LREN3) lançou as primeiras peças em jeans do país 100% rastreadas usando blockchain. A tecnologia permite que o consumidor faça, por meio de um QR Code impresso nas etiquetas, o acompanhamento de todo o ciclo produtivo da peça, desde o cultivo do algodão à fabricação das roupas.
As peças estão disponíveis em 12 lojas físicas em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Distrito federal e Pernambuco.
Até o ano de 2021, a empresa tinha o compromisso de ter 80% de produtos menos impactantes, 75% do consumo de energia de fontes de energia renovável de baixo impacto, 20% de redução das emissões absolutas de CO2 e 100% da cadeia global de revenda com certificação socioambiental.
C&A
A companhia tem uma agenda de metas a serem colocadas em prática até 2030 para intensificar suas práticas sustentáveis, como 80% das matérias-primas principais virem de origem sustentável, incluir princípio de circularidade em 50% dos produtos e substituir 50% do plástico de uso único por alternativa sustentável.
Atualmente, a C&A (CEAB3) conta com mais de 60% das suas lojas com iniciativa para o descarte adequado nas lojas de roupas que o cliente não quer mais; 90% do algodão é adquirido de fontes mais sustentáveis e está eliminando mais de 90% de substâncias nocivas não biodegradáveis da lista Detox Zero, do Greenpeace.
A varejista, que desde 2015 tem atuado no combate às mudanças climáticas, também implementou recentemente o uso da tecnologia blockchain, permitindo a integração dos seus sistemas e de seus fornecedores, fazendo com que os consumidores possam acompanhar a produção de cada peça.
Guararapes
A Guararapes (GUAR3), dona da Riachuelo, implementou o programa de monitoramento das emissões de gases do efeito estufa, com o objetivo de mapear e quantificar as emissões para reduzi-las, já que provocam o aquecimento global e, consequentemente, mudanças climáticas.
Segundo a empresa, comparando-se os anos de 2019 e 2021, as emissões totais de gases do efeito estufa de 2021 foram significativamente maiores em relação a 2019, um aumento de cerca de 20%. Para este ano, a meta é reduzir a emissão em 30%.
Em relação ao consumo de água, em números absolutos, em 2021, houve um aumento de 28% em comparação a 2020, devido à retomada das atividades após o período crítico de pandemia. A meta da empresa é realizar, até 2025, estudos para reaproveitamento da água nas fábricas, que deverá ser implementado até 2030.
Sobre resíduos sólidos, cerca dos 58% gerados em 2021 foram encaminhados para reciclagem, reutilização ou reaproveitamento – um aumento de 8% em relação a 2020. Em números absolutos, a geração de resíduos sólidos em 2021 aumentou em 39% em comparação a 2020.
Em 2021, as fábricas da empresa aumentaram em 408% o uso de matérias-primas mais sustentáveis em relação a 2020. Atualmente, 70% das matérias-primas são mais sustentáveis, superando a meta para 2021, que era ter 25% de matérias-primas mais sustentáveis na cadeia.
Marisa
A rede de moda feminina Marisa (AMAR3) lançou uma coleção de jeans sustentável, com o objetivo de reduzir o desperdício de água na indústria. Foram selecionadas peças que reduzem de 75% até 95% o consumo de água dentro dos processos de tingimento e acabamento dos tecidos, além de diminuir a utilização de matéria-prima virgem, com o uso de fibras recicladas.
Até então, por ano, a fabricante captava e aproveitava 140 milhões de litros de água da chuva, além de economizar 83 milhões de litros deste recurso nos processos de recuperação de soda e reuso da água.
A empresa também ingressou no Pacto Global da ONU Brasil, que visa mobilizar a comunidade empresarial na adoção e promoção, em suas práticas de negócios de princípios nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate à corrupção.
Grupo Soma
A empresa, que fez fez adoção da política de sustentabialiade no ano de 2021, lançou meta de zerar até 2050 todas as emissões de gases do efeito estufa.
O Grupo Soma (SOMA3) fez o desvio de aterro sanitário de 14.800 quilos de recicláveis por mês desde a implementação da coleta seletiva e, por meio de iniciativas de circularidade, a empresa fez mais de 70 mil peças terem seu ciclo prolongado.
Impactos da indústria têxtil no meio ambiente
O planeta passa por emergências relacionadas ao clima, e a indústria da moda recebe críticas por contribuir com impactos negativos no planeta. Dentro de toda a cadeia de fornecimento deste segmento, há extração de recursos naturais, emissões tóxicas, poluição de água a água e despejo de resíduos, além dos descartes das próprias peças em si no meio ambiente.
De acordo com a Organização das Nações Unidas Meio Ambiente, a indústria da moda é o segundo que mais consome água, produz cerca de 20% das águas residuais e responde por algo entre 8 e 10% das emissões de gases de efeito estufa.
Ainda de acordo com a ONU, são perdidos cerca de US$ 500 bilhões ao ano em descarte de roupas que vão para aterros e lixões e libera 500 mil toneladas de microfibras sintéticas nos oceanos por ano.
Segundo a edição de 2021 do Índice de Transparência da Moda Brasil, que faz uma análise de 50 grandes marcas e varejistas do mercado brasileiro, se nenhuma ação adicional for tomada na próxima década, além das medidas já em vigor, as emissões de gases do efeito estufa do setor, provavelmente, aumentarão para cerca de 2,7 bilhões de toneladas por ano até 2030.
O Índice revela ainda que os avanços na transparência de questões relacionadas ao meio ambiente, por exemplo, estão aquém do necessário. Considerando as 50 companhias avaliadas no ano passado, a pontuação média geral atingiu 18%, o que representa um recuo de 3 pontos percentuais em relação ao levantamento feito em 2020.
Roberta Negrini, CEO do Movimento Eu Visto o Bem, explica que a moda tem um cenário triste quando se fala de sustentabilidade, já que se baseia em muitos componentes naturais.
“Espaços para agricultura, custos com cultivo do solo, consumo de água no processo produtivo. Ou seja, gastamos muito para produzir. Mesmo os tecidos mais inovadores, mais tecnológicos, também promovem danos, pois sua produção pressupõe gastos altos e sua reciclagem ainda é muito complexa”, aponta Negrini.
Daniela Garcia, CEO do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, considera que uma marca de varejo do vestuário pode ser mais sustentável realizando o desafio do ESG em toda a sua cadeia: trazendo mais transparência aos seus processos e parâmetros, equilibrando seus custos investindo em processos mais sustentáveis e de economia circular, e trazendo mais equilíbrio no pagamento da mão de obra de forma justa.
Para Garcia, desafios como custos e rentabilidade sempre serão a base do questionamento pela mudança.
“Desafios como utilizar matéria-prima certificada, pagar de forma justa a mão-de-obra, criar projetos de reciclagem, economia circular com as peças e fazer gestão de resíduos custam mais no curto prazo, mas trarão mais valor no longo prazo. E não falamos apenas de valor financeiro, e, sim, de reputação de marca e de preservação dos recursos naturais do planeta. É fundamental que o varejo de moda pense nos parâmetros ESG e na sustentabilidade da cadeia muito urgentemente”, destaca a CEO do Instituto Capitalismo Consciente Brasil.
Empresas engajadas?
Lemme avalia que há grandes avanços feitos pelo setor nos últimos anos, mas que ainda há muitos desafios pela frente.
“O descarte da moda é um problema ambiental seríssimo, e um desafio enorme. É um setor de muita concorrência. Quando alguém dá um passo para frente, se a outra empresa demorar para dar, perde de vista. O ESG é uma tendência muito forte e o que precisa ter em mente é uma regra de transição, coordenada, regulada e incentivada. É o melhor caminho”, defende o professor.
Lemme considera ainda que a comunicação de empresas é falha em muitos aspectos e que o greewashing (anúncios sobre práticas de defesa do meio ambiente, mas que, na verdade, não são realizadas) é um problema importante que tem que ser reduzido.
“Essas deficiências em um país que tem muitas outras como temos podem ser pontos de atenção e não de exclusão. Vamos subindo a régua gradativamente, exigindo cada vez mais, reforçando isso, combatendo comunicação distorcida e dando sinais positivos”, acredita Carlos Lemme.
Para Roberta Souza Pião, professora associada do Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP, já são vistas iniciativas por parte de empresas com foco na sustentabilidade, mas que ainda são ações paliativas, compensatórias de todas as penalidades geradas pela produção de roupas.
“É importante levar em conta engajamento com comunidade e mudar a lógica do fast fashion, fazer o consumidor entender que é importante consumir produtos mais duráveis. É preciso adotar modelos de negócio que possam capturar valor, mas com noção diferente de como otimizar o uso dessas roupas, permitindo que elas tenham ciclo de vida mais longo. Isso precisa ser trabalhado com o consumidor. O varejo tem grande importância e pode ser o grande driver dessa mudança”, afirma a professora.
Negrini defende que é preciso que empresas abracem grandes desafios, mas que também gerem transformação.
“Se antigamente a grande dificuldade era construir essa cadeia de economia circular, hoje, ela já existe e pode ser usada. O que precisamos é de líderes engajados pela causa e por esse processo de transformação do setor”, diz Roberta Negrini.
Ela acredita ainda que, para um universo mais alinhado a consumo consciente e sustentabilidade, cabe a todos estimularem os consumidores a questionar preços e marcas.
“Quando compro algo muito barato, não devia questionar onde estão os custos com impostos? Será que a mão-de-obra foi paga de forma justa, a logística de produto está inclusa nesta conta? Se esta conta não fechar, vale a pena pensar novamente, não?”, questiona a CEO do Movimento Eu Visto o Bem.
Impacto para o futuro das empresas na bolsa
Para o professor de finanças e sustentabilidade Carlos Lemme, dois fatores podem contribuir para que empresas do varejo de moda sejam notadas com outros olhos pelos investidores: cadeias de valores e benchmarking (análise da concorrência).
Lemme explica que cada uma das gigantes do varejo de moda da bolsa tem diversos outros pequenos agentes em suas cadeias produtivas. Dessa forma, avalia o professor, se boas práticas forem propagadas com inteligência e vigor, as iniciativas vão se espalhar, causando um efeito forte em cadeia.
Já no caso de benchmarking, Lemme diz que com empresas mostrando que adotar certas práticas trazem determinadas facilidades, serve como referência para outras companhias.
“Esses dois efeitos são os grandes papéis que as empresas listadas na bolsa brasileira têm. O que grandes gestores enxergam cada vez mais são companhias que têm modelos de negócios sustentáveis, de se manterem sustentáveis no futuro”, afirma o professor de finanças e sustentabilidade.
Lemme lembra que, no mercado financeiro, existe a questão de risco e retorno. Segundo ele, se a empresa não está adequada às demandas da sociedade, passa a ser vista como investimento de risco, que não recebe capital, já que, pelo dever fiduciário que o mercado financeiro tem, ele deve olhar para questões sociais e ambientais.
De acordo com o professor, ao ignorar estas questões, as empresas acabam se colocam em risco perante consumidor, reguladores, na aceitação internacional de produtos e serviço, se colocando em risco como negócio e em receber investimentos.
“O mercado de capitais é muito mais ágil que o mercado de produtos e serviços e, por isso, mais volátil. Grandes instituições, as líderes, já estão incorporando isso na agenda até mais rápido que a indústria. A mudança de portfólio financeiro é um pouco mais rápida que a mudança de um portfólio industrial. Grandes investidores estão servindo de mola, de estímulo, de incentivo para os setores produtivos. E não o contrário”, conclui Lemme.
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