Finanças

Ações alugadas de Casas Bahia preocupam, mas Movida também emite alerta

Perspectivas de resultado pressionado ajudam a explicar alto percentual do ‘free float’, dizem analistas.

Publicado

em

Tempo médio de leitura: 13 min

Com endividamento crescendo, prejuízo aumentando, rebaixamento de classificação de risco e follow-on abaixo do previsto, o Grupo Casas Bahia (BHIA3) tem chamado a atenção do mercado nos últimos dias pela alta quantidade de ações alugadas – a maior do mercado. Mas outra ação, a da Movida (MOVI3), também apresenta um percentual alto, num fenômeno que se justifica, segundo especialistas, pelo pessimismo de investidores em relação à empresa.

Crédito: Divulgação/Movida

A Movida é a empresa com o segundo maior percentual de ações alugadas da B3 (B3SA3). É o que mostra levantamento da TC/Economatica a pedido do InvestNews. Para analistas, as perspectivas ruins refletem estimativas de que o resultado operacional da companhia continue pressionado.

Segundo o levantamento, em 19 de setembro de 2023, o percentual do free float alugado da Movida era de 26,97%, atrás somente dos 27,31% de Casas Bahia.

Rafael Ragazi, sócio e analista de ações da Nord Research, explica que, quando uma ação é alugada e depois vendida a descoberto, o que os investidores estão fazendo é apostar na queda da ação. De acordo com ele, no caso da Movida, isso é explicado por dois motivos no momento atual da empresa.

“É uma companhia muito alavancada. Quando os juros estão muito altos, ela é muito penalizada, seus resultados sofrem muito com isso. E a Movida está vendendo carros que pagou mais caro na pandemia, pois, por causa da situação de mercado, a empresa precisou crescer rápido”

Rafael Ragazi, sócio e analista de ações da Nord Research
  • Confira a as ações da Via Varejo (VIIA3)

Já William de Sousa Gomes, analista do TC, destaca que a Movida teve suas margens pressionadas nos últimos trimestres com o arrefecimento da demanda por aluguel de carros, assim como pela menor rentabilidade com a venda de seminovos, uma vez que a produção de veículos zero quilômetros foi restabelecida com a normalização da cadeia de matéria-prima. 

Diante desse cenário, não há consenso sobre as perspectivas para a empresa. Para Ragazi, o fato de este percentual de ações alugadas da Movida ainda estar tão alto “é um erro de leitura do mercado, por estar olhando para trás e não para as perspectivas futuras da empresa”.

Gomes, por sua vez, diz que “parte dos investidores acredita que o crescimento esperado não virá no curto prazo, assim como a rentabilidade pode continuar pressionada no período”.

“Além disso, o segmento é altamente demandante de capital, e a Movida vem queimando caixa e tem pouco espaço para aumentar sua alavancagem financeira, já que possui uma estrutura de capital um pouco mais delicada que as demais”, aponta o analista do TC.

Percentual de ações alugadas da Movida faz sentido?

Em 2023, a ação da Movida acumula alta de mais de 60%. Veja o desempenho do papel em 2023:

Em meio a este cenário, os analistas consultados pelo InvestNews divergem sobre a situação da porcentagem de ações alugadas da empresa.

Para Mateus Haag, analista da Guide Investimentos, a atual porcentagem não faz sentido, pois ação da Movida subiu muito, após ter caído bastante. Isso porque, durante a pandemia, com a taxa de juros alta, a empresa teve a estratégia de expandir sua frota. 

“Isso não foi uma decisão muito boa, ela acabou gerando grande prejuízo com esses carros que comprou a preços elevados, está endividada e foi por isso que a ação caiu tanto. Só que foi exagerado e, por isso, o papel subiu 60%”, diz Haag. 

O analista lembra que a Localiza (RENT3), por exemplo, está sendo negociada a um EV/Ebtida (relação entre o valor da empresa e sua geração de caixa) de 14 vezes, enquanto Movida, 5 vezes. Para ele, trata-se de um exagero, por mais que a Localiza tenha um histórico um pouco maior de resultados.

Unidade da locadora de veículos Localiza 10/08/2019 REUTERS/Gabriel Araujo

Já para Ragazi, faz sentido a Movida ter um alto percentual de ações alugadas, pelo fato de investidores continuarem com pessimismo em relação à empresa e à ação. 

Gomes explica que a correlação da cotação da ação com o percentual alugado é inversa, partindo do princípio de que quanto mais a ação se valoriza, mais os múltiplos ficam esticados e, algumas vezes, acima da média histórica que a companhia negocia ou acima da média setorial. 

Porém, segundo o analista do TC, mais importante que isso é analisar o desempenho operacional da companhia, como fatores como crescimento, margens, estrutura de capital e geração de caixa, que são determinantes para o desempenho de um determinado ativo. 

“No caso da Movida, a companhia atua em segmento bastante competitivo, vem queimando caixa, perda de margens e rentabilidade, além de ter uma alavancagem elevada, acima dos demais players do setor, o que sugere que a companhia possa ter dificuldade na execução de sua estratégia operacional e de crescimento”, destaca o analista do TC.

Impactos do aluguel de ações

O analista do TC explica que um alto volume de ações alugadas pode ser interpretado como um sinal de que as ações da empresa têm alta demanda, o que pode refletir uma confiança no potencial de valorização da companhia. 

Por outro lado, segundo Gomes, ações alugadas são frequentemente usadas por investidores para vender a descoberto, o que pode aumentar a volatilidade dos papéis.

“Isso pode levar a movimentos de preço acentuados e imprevisíveis, o que pode ser prejudicial para a estabilidade do papel. Em alguns casos extremos, investidores com posição vendida a descoberto podem conduzir campanhas de ataque, visando minimizar o seu prejuízo ou gerar lucro sobre a operação. Além disso, se os investidores que alugaram as ações decidirem recomprá-las em massa, isso pode colocar pressão de venda sobre as ações da empresa, levando a uma queda de preço”.

William de Sousa Gomes, analista do TC.

Já Marco Monteiro, analista da CM Capital, destaca que é preciso entender o contexto do mercado. No caso da Movida, ele comenta que, em um primeiro momento, o ativo pode perder valor de mercado, mas seria apenas uma correção nos preços para depois se valorizar, uma vez que o papel vem avançando ao longo do ano. 

Tomador X doador 

Em operações de aluguel de ações, de um lado se tem o doador, que é a pessoa investidora que possui as ações e quer disponibilizá-las para que alguém as alugue. Enquanto as ações estão alugadas, o doador continua recebendo dividendos, juros sobre capital próprio e bonificações que a empresa venha a pagar.

Do outro lado, existe o tomador, ou seja, o investidor que aluga as ações de alguém e vende no mercado. Quando vê que elas estão mais baratas do que pagou, ele recompra os papéis e devolve para o dono pagando uma taxa de aluguel previamente combinada.

William de Sousa Gomes, analista do TC, explica que a principal vantagem para o doador está no fato de ter uma fonte de renda extra com a taxa de aluguel de suas ações, caso não queira se desfazer de sua posição no curto/médio prazo.

Gomes destaca, no entanto, que o investidor deve estar ciente que, durante o período do contrato de aluguel, ele perde o controle sobre o papel, não podendo votar em assembléias ou ainda vender sua posição antes de solicitar a devolução, ficando vulnerável às oscilações de preço.

Em relação ao tomador, a principal vantagem, segundo o analista do TC, diz respeito à condição de poder operar alavancado, não precisando comprar o ativo de imediato para lucrar com a operação, caso a ação apresente queda nos preços durante o período. Além disso, segundo Gomes, o investidor pode usar o aluguel de ações como parte de uma estratégia de investimento mais ampla, permitindo-lhe diversificar seus métodos de negociação e, potencialmente, lucrar em diferentes condições de mercado. 

Gomes alerta, no entanto, que a venda a descoberto é uma estratégia de alto risco, pois, ao contrário de investir em ações no mercado à vista, as perdas na venda a descoberto podem ser, teoricamente, ilimitadas.

Isso porque não há limite para o quanto o preço de uma ação pode subir, assim como o tomador pode ter dificuldade para recomprar ações e fechar a operação, aumentando os prejuízos em um cenário contrário ao que ele esperava.

Movida: modelo de negócio

Ragazi lembra que, durante a pandemia, a Movida se deparou com a fusão de duas das suas maiores concorrentes, Localiza e Unidas. ara não ficar para trás, a Movida praticamente dobrou sua frota neste período.

Segundo o analista da Nord Research, o grande problema foi que os carros que estavam disponíveis para venda na época da pandemia eram mais caros e que não necessariamente eram o perfil ideal da frota, com os custo disso aparecendo hoje nos resultados da empresa.

Ragazi aponta que, atualmente, a Movida está focada na adequação da sua frota, reduzindo o número de carros, priorizando veículos mais baratos e na tentativa de elevar a ocupação da frota, mas que o grande ponto da empresa é a questão da alavancagem financeira.

Olho nos números

O analista explica que a Movida tem uma dívida bruta de cerca de R$ 15 bilhões, com custo médio de 115% do CDI, o que significa que a empresa paga R$ 2,4 bilhões por ano em juros. Dessa forma, explica Ragazi, se a taxa Selic cair para 9% no fim de 2024, segundo projeções do mercado, esse montante de juros cai para R$ 1,6 bilhão, ou seja, uma diferença de R$ 800 milhões somente com os juros caindo. 

Ragazi avalia que, neste ano, o resultado da companhia vai ser bem próximo de zero, e se olhar para os próximos dois, três anos, já se consegue enxergar um resultado de quase R$ 1 bilhão só com a queda dos juros.

“Em um cenário no qual a empresa mantém a frota, não tem nenhum ganho de receita e margem, seu lucro vai crescer bastante. Acho que isso é uma coisa que muitos investidores ainda não estão olhando. Eles ainda estão com a mentalidade de que os juros estão altos e a rentabilidade está ruim e não estão olhando para a frente, que os juros vão cair, o resultado vai melhorar”.

RAFAEL RAGAZI, ANALISTA DA NORD RESEARCH.

Marco Monteiro, analista da CM Capital, alerta que o investidor precisa ficar atento às próximas divulgações de resultados da empresa, para ver se a companhia reverter o prejuízo de R$ 17,9 milhões registrado no 2º trimestre ou se demonstrará mais dificuldades. 

Estratégias

William de Sousa Gomes, analista do TC, aponta que a Movida atua em um segmento altamente competitivo, com poucos diferenciais entre os concorrentes, devendo, assim, focar os seus esforços na otimização e ganho de eficiência da sua operação. Segundo ele, a companhia vem adotando uma postura mais conservadora, procurando ser mais assertiva na expansão da sua frota e segue reduzindo sua alavancagem financeira.

“Para o médio/longo prazo, as perspectivas são de melhora no desempenho. A Movida vem melhorando o seu operacional e deve tirar proveito da queda na taxa de juros que deve reduzir a pressão das despesas financeiras sobre o lucro, assim como a economia deve aquecer e impulsionar novamente a demanda”, projeta Gomes.

Mateus Haag, analista da Guide Investimentos, considera o modelo de negócio da Movida muito promissor. Para ele, com a tendência no Brasil de economia compartilhada, as pessoas estão preferindo compartilhar um carro do que ter o seu próprio, favorecendo o aluguel de veículos

“Com essa mudança de comportamento, quer dizer que a Movida vai conseguir expandir sua frota durante muito tempo e, dessa forma, melhorar seus resultados. Empresa que melhora seus resultados, no longo prazo, tende a ter as ações valorizadas também”.

Mateus Haag, analista da Guide Investimentos.

Recomendações para a ação a Movida 

Gomes explica que o bom desempenho da ação da Movida em 2023 se deve, principalmente, às expectativas macroeconômicas e à potencial redução do custo da dívida. Por outro lado, segundo o analista do TC, por se tratar de uma tese de crescimento, a Movida precisa ser muito eficiente em sua operação, pelo fato de o setor de locação de veículos ser altamente demandante de capital, com a companhia precisando gerar caixa, já que tem pouco espaço para aumentar sua alavancagem. 

“A estratégia de crescer sua operação na gestão de terceirização de frotas pode fazer sentido, mas nada impede que a Localiza ou outra locadora também amplie sua participação no segmento, acirrando a disputa e reduzindo a rentabilidade. Para o segmento de seminovos, a companhia deve seguir apresentando margens mais apertadas quando comparadas aos últimos anos, devido à normalização da produção de veículos zero quilômetro. No momento, temos recomendação neutra para a ação da Movida”, diz Gomes.

Monteiro aponta que, graficamente, a ação da Movida vem ao longo do ano se valorizando, mas que, desde meados de agosto, o ativo vem fazendo uma correção nos preços, podendo retomar a sua movimentação.

São Paulo, Brasil 06/02/2017. REUTERS/Paulo Whitaker

O analista da CM Capital avalia que, em 2023, as ações da Movida tiveram uma valorização interessante, chegando a atingir uma resistência nos preços de 2022 e, logo após vem fazendo uma correção nos preços e chegando na retração de 50% da última “perna” de alta, em cima de uma região que era resistência, podendo, assim, voltar a se valorizar, caso o ativo monte um pivô de alta no gráfico diário. 

“A recomendação é neutra, uma vez que precisamos aguardar o ativo montar o pivô de alta para tomarmos posição”, diz Monteiro.

Rafael Ragazi, analista da Nord Research, diz avaliar que a valorização que a ação da Movida está tendo em 2023 é só o começo de um movimento de uma alta que ela pode ter ao longo dos próximos anos, não só pela questão dos juros caindo, que vai ajudar o resultado da empresa, mas, também, com a melhora do resultado operacional.

“A redução dos juros vem em conjunto com o provável aquecimento da economia. A tendência é que a locação de veículo se aqueça. A gente enxerga melhora tanto do lado financeiro, quanto do lado operacional da empresa. A ação da Movida está sendo negociada a múltiplos muito baixos na bolsa. Então, a nossa recomendação é de compra, olhando para essa perspectiva futura da Movida”, cita Ragazi.

Mais Vistos