De acordo com reportagem do Valor Econômico, o ponto mais sensível do texto está na forma como o imposto mínimo sobre a renda foi estruturado. Como o PL não exclui expressamente as doações disponíveis da base de cálculo desse imposto, a cobrança poderia se sobrepor à tributação estadual, abrindo caminho para disputas entre União e Estados.
O advogado Felipe de Paula, sócio do escritório Levy & Salomão Advogados, explica que, na forma atual, o projeto invade a competência tributária estadual.
“Quando estivermos diante de doação feita a quem não é descendente, ou a quem não seja herdeiro necessário, essa doação pode acabar se sujeitando ao IR mínimo. O PL não exclui esse valor da base de cálculo do IR. O que é um erro. A Constituição atribuiu aos Estados a competência para tributar doações. Ao não excluir as doações da base de cálculo do IR mínimo, o PL permite que a União tribute essa operação. A União estará, em última análise, invadindo a competência tributária dos Estados”, afirma o especialista.
De Paula pondera, no entanto, que as doações feitas em adiantamento da herança ou da legítima — aquelas realizadas de pais para filhos, por exemplo — não seriam afetadas pelo novo imposto. Isso porque o texto do projeto aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado exclui expressamente essas operações da base de cálculo do IR mínimo, o que reduz o impacto sobre o planejamento sucessório tradicional.
“Entendo que o PL 1.087/2025 não terá impactos relevantes em planejamento sucessório. Doação feita de pai e mãe a filho e filha representa, via de regra, adiantamento da herança. E o PL prevê que doações feitas em antecipação da legítima e da herança serão excluídas do imposto de renda mínimo”, explica o advogado.
De acordo com o Valor Econômico, o problema estaria justamente nas situações que não se enquadram na legítima, isto é, quando uma pessoa decide doar parte de seus bens a terceiros sem vínculo hereditário direto. Nesses casos, especialistas avaliam que o PL abre margem para tributação dupla, o que poderia levar o tema ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Além disso, o jornal destaca que a bitributação sobre doações disponíveis não seria apenas uma questão teórica. Na prática, poderia elevar o custo de reorganizações patrimoniais, como transferências de participações societárias ou imóveis entre familiares sem laços de sucessão direta.
Impactos sobre holdings e sucessões familiares
Além das doações e heranças, o PL também pode afetar a tributação sobre dividendos e estruturas empresariais familiares. O risco de sobreposição de tributos preocupa especialmente famílias e empresas que utilizam holdings patrimoniais. Manoela Vargas, head de Wealth Planning da TAG Investimentos, observa que o PL, embora não trate diretamente da transmissão de bens, pode alterar de forma indireta o planejamento sucessório ao mexer com a lógica de tributação de dividendos.
“Um dos incentivos para a ‘pejotização’ do patrimônio familiar foi a isenção aplicável sobre os dividendos. Dessa forma, a mudança do percurso muito provavelmente irá resultar em uma revisão das estruturas patrimoniais familiares. Contas serão feitas para identificar a necessidade de alteração. Muito provavelmente serão afetadas, por exemplo, estruturas de holding imobiliárias já estabelecidas que geram renda para a pessoa jurídica, que é distribuída para a pessoa física por meio de dividendos sem tributação adicional”, afirma a especialista.
De acordo com Vargas, “essas estruturas geralmente envolvem uma alíquota de IRPJ efetiva no nível da pessoa jurídica menor que a alíquota nominal, dando lastro à cobrança do imposto mínimo da pessoa jurídica na remuneração por meio dos dividendos. Adicionalmente, a reforma tributária pode onerar esses modelos patrimoniais já consolidados por meio das cobranças estabelecidas à atividade imobiliária”.
“Acredito que o PL 1.087/2025 pode aumentar o custo de estruturas já estabelecidas, ainda considerando outros focos de cobrança. Os processos de inventários podem também ser impactados na medida em que estruturas já estabelecidas considerando a alocação e concentração do patrimônio em holdings tenha que ser desfeita e o patrimônio seja fragmentado, descontinuando a governança já pré-estabelecida por meio da holding que tende a ser mais eficiente no contexto de transmissão geracional do patrimônio”, destaca ela.
Para Vargas, a redação atual do projeto relativiza o princípio da integração entre o IRPJ e o IRPF, criado justamente para evitar dupla tributação econômica sobre o mesmo lucro.
“O mecanismo de tributação dos dividendos pelo PL 1.087/2025 não é inconstitucional em si, mas pode se tornar se, na prática, for demonstrado que não há um mecanismo compensatório que impeça a carga global resultar em confisco ou violar a capacidade contributiva”, avalia a advogada.
Efeitos práticos
A especialista também chama atenção para os efeitos práticos sobre a sucessão familiar. Caso a tributação de dividendos e de doações seja ampliada, estruturas de holdings já consolidadas podem precisar ser revistas, elevando custos e aumentando a burocracia de inventários.