Finanças
CPI da Covid pode trazer volatilidade ao mercado e adiciona incertezas
Volume de negociações na bolsa brasileira já vinha baixo pelas dúvidas do cenário interno.
Em meio às dúvidas sobre a recuperação da economia, piora da pandemia, ritmo da vacinação e cenário fiscal, o mercado financeiro ganhou um ingrediente a mais para monitorar no cenário interno. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid foi instalada nesta semana no Senado, e deve investigar a conduta do governo federal no enfrentamento à disseminação do novo coronavírus pelo país.
Para analistas ouvidos pelo InvestNews, a previsão é de que a CPI possa trazer mais volatilidade ao mercado, mas os possíveis impactos para a bolsa e para o dólar vão depender do andar das investigações. A preocupação principal é que um cenário político conturbado possa atrasar ainda mais o andamento das reformas econômicas. Se esse risco se tornar mais visível, a reação do mercado pode ser maior.
Por enquanto, isso não aconteceu. Desde o início de abril, quando as discussões sobre a criação de uma CPI da pandemia ganharam força, o principal índice de ações da B3, Ibovespa, não parece ter sido impactado. O indicador acumulava valorização de 3,78% no mês até o fechamento desta quarta-feira (28), quando encerrou aos 121.052 pontos.
“Existe o risco de a CPI, sim, melar essas reformas e gerar mais volatilidade ao mercado, dependendo do que for falado e do ritmo das conversas”, afirma Antonio Ruiz Molina Montiel Jr, sócio e diretor educacional da mesa proprietária Axia Investing.
“Sem dúvida, isso pode mexer com os mercados”, concorda Rossano Oltramari, sócio e estrategista da 051 Capital. “É muito importante a gente entender o tom dos trabalhos, se vai ser mais pró-governo ou contra o governo, neutro, enfim, isso que vai dar o sentimento do mercado”, afirma, citando o fato de a maioria entre os membros do comitê da CPI ser de oposição ao governo. “Existe uma tendência de que será uma CPI mais dura com o governo.”
O analista politico Felipe Berenguer, da Levante Investimentos, comentou em relatório que “a CPI não será um divisor de águas para [o presidente Jair] Bolsonaro, mas tem potencial para ferir sua popularidade, à medida que os trabalhos avancem e a depender do tom adotado pelos seus integrantes”.
CPI da Covid é uma incerteza a mais
A cautela do mercado em meio às dúvidas internas, porém, não é a novidade trazida pela CPI. As incertezas vêm fazendo com que o volume negociado na bolsa esteja caindo desde fevereiro. É o que mostram dados do volume médio diário nas semanas.
Em abril, a média diária está perto de R$ 25,9 bilhões – menor que os R$ 32,8 bilhões de março, R$ 33,6 bilhões de fevereiro e R$ 28,7 bilhões de janeiro. De fevereiro até agora, a queda do volume negociado na B3 já é superior a 43%. Os números levam em conta os dados da provedora de informações financeiras Economatica.
E, entre as incertezas que vêm reduzindo o volume de negócios, Montiel inclui a CPI. “É certo que essa CPI vai gerar muita volatilidade no mercado, e a gente já vê isso com uma diminuição no volume operado na B3 desde a semana passada. Todos os investidores estão cautelosos e poucos pretendem se arriscar nesse momento.”
Oltramari acrescenta que “o mercado nas últimas semanas tem apresentando uma característica muito peculiar que é a baixa volatilidade”. “Isso não quer dizer que o mercado vai subir ou vai cair. Simplesmente significa que os investidores estão mais cautelosos, estão aguardando o fluxo de notícias, aguardando mais informações para assumir novas posições”, diz ele.
Sem solavancos
A despeito das previsões de mais volatilidade nos mercados pelo ruído político, há entre os analistas aqueles que não preveem movimentos tão intensos do dólar e da bolsa por causa especificamente da CPI.
Um deles é Jansen Costa, sócio-fundador da Fatorial Investimentos. “O ruído da CPI vai ficar muito reduzido, pois a retomada da economia com o avanço da vacinação tende a melhorar o ambiente do país. Então, dependendo do que sair, minha visão é que não há um peso muito grande da CPI se o Brasil tiver uma retomada de crescimento. Tem que acompanhar muito mais a vacinação do que simplesmente só a CPI”, explica ele.
Na mesma linha, Alison Correia, analista da Top Gain, não acredita que a CPI possa ajudar a fazer os preços no mercado neste momento. “O que poderia dar preço nos mercados é se a CPI pudesse levar no futuro a uma possível culpa do governo e a uma prova que embasasse uma aceitação de um pedido de impeachment do presidente Bolsonaro”, comenta ele.
“Lembrando que pedidos em si já têm mais de 50 rodando na Câmara, no Senado, no próprio Supremo, e nenhum até agora foi levado adiante. E isso levaria muito tempo. Ano que vem já temos eleições. Então, não acredito que isso vá fazer preço no mercado”, explica Correia.
Cenário político tenso
Os senadores começam os trabalhos com dois focos principais: apurar a demora do governo em adquirir as vacinas e as propagandas estatais de remédios sem eficácia comprovada contra a covid-19.
Iniciada efetivamente na terça-feira (28), a CPI já vinha adicionando tensões ao ambiente político há várias semanas. Ela entrou em discussão no Senado em meio à piora da pandemia no Brasil, com aumento significativo do número de óbitos em um dramático cenário de falta de oxigênio nos hospitais e sistemas de saúde entrando em colapso em vários estados.
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou no dia 8 que a CPI fosse iniciada. Na ocasião, Bolsonaro chegou a atacá-lo pela decisão. “Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política”, escreveu o presidente em seu Twitter.
Dias depois, o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) divulgou uma conversa que teve com o presidente a respeito da CPI, elevando ainda mais as tensões políticas. No diálogo, Bolsonaro defendeu que fossem investigados também governadores e prefeitos, e disse ainda que, do contrário, a comissão resultaria num “relatório sacana” sobre as medidas do governo federal. Após pressão do presidente, a CPI vai analisar também repasses do governo federal a estados e municípios.