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CPI da Covid terá guerra de narrativas com potencial de desgastar governo

A apuração servirá de palco para discursos de olho nas eleições de 2022.

Congresso Nacional em Brasília 03/05/2020 REUTERS/Ueslei Marcelino

A CPI da Covid, que será instalada nesta terça-feira (27) no Senado, deverá ser palco de uma guerra de narrativas sobre a gestão da pandemia e, dada a grande atenção que receberá da opinião pública nos próximos meses, tem potencial para causar estragos à imagem do governo e às pretensões eleitorais do presidente Jair Bolsonaro, avaliaram fontes políticas e especialistas.

Na tentativa de botar no papel a versão oficial sobre as ações e omissões que levaram o país a um dos quadros mais graves da pandemia no mundo, a apuração servirá de palco para discursos e direcionamentos políticos de olho nas eleições de 2022.

“A CPI vai tratar de um assunto muito presente, de fácil compreensão pela população, e que não está sob controle”, avaliou uma fonte de um partido que tem muitos de seus integrantes como leais aliados do governo. “Vai fazer muito barulho”, acrescentou.

A pandemia no Brasil não dá sinais de arrefecimento, os números de mortes tendem a permanecer em patamares elevados, ao passo em que a campanha de vacinação contra a doença ainda patina. Soma-se a isso, disse a fonte, a dificuldade de recuperação da economia dos impactos da crise sanitária.

Apesar de ter ensaiado uma mudança de discurso a respeito do uso de máscaras e de ter apoiado a criação de um comitê de coordenação de combate à crise do coronavírus, Bolsonaro segue promovendo aglomerações aqui e ali, muitas vezes sem máscara, algo que não deixou de ser notado no meio político.

O presidente, que afirmou recentemente em telefonema com o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), gravado pelo parlamentar, que temia que a CPI produzisse um “relatório sacana”, disse na segunda-feira que não tem medo da investigação. “Não estou preocupado porque não devemos nada”, disse na véspera da instalação do colegiado, durante viagem à Bahia.

Outro ingrediente neste caldo é a possível indicação do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que já não era simpático a Bolsonaro e que, segundo uma segunda fonte partidária, esta identificada com um partido de centro, deve encarar a eventual missão da relatoria como parte de uma estratégia de recuperação de sua imagem.

Na noite de segunda-feira, a Justiça Federal de Brasília acatou pedido da deputada federal, Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de primeira hora de Bolsonaro, para suspender a eventual nomeação de Renan à relatoria da comissão. No Twitter, o senador chamou a decisão de “esdrúxula”, disse que irá recorrrer e questionou: “por que tanto medo?”

Estratégia

Com menor número de integrantes e sem controle de postos-chave na comissão, resta ao governo investir nas estratégias que já vinha adotando: criar uma narrativa própria para rebater as acusações, desviar o escopo de investigação para governadores e prefeitos e apostar na diluição do potencial desgaste até a chegada das eleições.

A manobra de apurar os repasses de verbas federais para Estados e municípios pode, no entanto, enfrentar dificuldades, lembra uma das fontes. Senadores podem oferecer resistência caso as investigações se aproximem de prefeitos e governadores aliados.

A diluição dos riscos à imagem também pode enfrentar percalços, já que não depende única e exclusivamente da gestão federal, que, em alguns casos, já deu indícios de pouca desenvoltura.

Esse é o caso, por exemplo, das vacinas, que demandam recursos e vontade política para serem compradas, mas também estão sujeitas à disponibilidade no mercado e à oferta de matéria-prima. Da mesma forma, a economia depende de uma série de fatores para apresentar alguma melhora.

E mesmo para rebater as acusações na CPI, o governo precisa se articular melhor, disse a fonte do partido que tem muitos de seus quadros como aliados de Bolsonaro. É recorrente, aliás, a reclamação de parlamentares da base governista sobre a falta de articulação e de orientações do Executivo sobre o que falar ou de que forma agir na CPI.

Efeito prático

Uma CPI pode convocar e convidar depoentes e testemunhas, realizar audiências secretas, solicitar documentos, quebrar sigilos, e, ao final dos 90 dias de trabalho (que podem ser prorrogados), produz um parecer em que pode, por exemplo, pedir ao Ministério Público o indiciamento de pessoas que tenham sido consideradas responsáveis pelos fatos investigados, explicou o doutor em direito do Estado pela USP Renato Ribeiro de Almeida.

“Dada a inequívoca condução desastrosa do enfrentamento à pandemia por parte do governo federal, especialmente diante da atuação do presidente da República, que minimizou seus efeitos, promoveu aglomerações, não utilizou máscara em diversas agendas, indicou tratamento com medicamentos sem eficácia e foi incompetente na compra antecipada de vacinas, certamente a CPI e suas prováveis conclusões gerarão muito desgaste ao governo federal”, avaliou Almeida.

O diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, afirmou que as CPIs perderam muito poder desde a aprovação de leis que deram a outras instituições instrumentos com os quais antes só a comissão conseguia avançar. Ele citou, por exemplo, as leis de acesso à informação, de delação premiada e de responsabilidade jurídica.

Para Queiroz, a CPI da Covid também tende a ser “diferenciada” por tratar de interesse da sociedade em razão das quase 400 mil mortes por Covid-19. Na avaliação dele, o governo federal pode ter a ampliação do escopo de investigação como vantagem, no sentido de atribular o andamento dos trabalhos na comissão.

Queiroz acredita que a CPI deverá recomendar ao Ministério Público a responsabilização do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello ao fim das apurações.

“Eu acho que o Pazuello vai para o sacrifício, especialmente, após as declarações do ex-secretário do governo dizendo que ele claramente se opôs à contratação das vacinas. Isso vai certamente ter algum tipo de incriminação porque a CPI em si não pode fazê-lo”, disse.

Questionado sobre a eventual responsabilização do presidente, Queiroz foi cauteloso. “É mais provável que vá na direção do Pazuello, mas dependendo do nível de prova envolvendo o presidente, pode dar início a um procedimento de impeachment por crime de responsabilidade”, disse.

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