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De Pugliesi ao investidor ‘raiz’: é possível viver de day trade?

Procura pela operação disparou 155% no auge da crise. Até que ponto a prática é segura e o que dizem profissionais experientes.

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A influenciadora Gabriela Pugliesi anunciou recentemente que nasceu para fazer day trade. Crédito: Instagram/Arte

No mês passado, a influenciadora Gabriela Pugliesi publicou um vídeo afirmando que descobriu um novo talento: o day trade, prática que consiste em lucrar com ações no curtíssimo prazo. Famosa por vender um estilo de vida saudável e criticada por ter dado uma festa em plena pandemia, ela reapareceu três meses depois afirmando ter controle emocional para operar na bolsa. “Acho que nasci para isso”. Não demorou para receber uma chuva de críticas de parte do mercado que alerta para os riscos da atividade. No fim das contas, qualquer um pode operar e fazer disso uma profissão? Até que ponto vale a pena arriscar?

De carona na forte entrada de pessoas físicas na bolsa, o trading vem atraindo um interesse crescente. A prática consiste em lucrar com a rápida variação de preços, mas envolve altos riscos. Implica em comprar e vender no mesmo dia ativos como ações, mas também minicontratos de dólar, opções e criptomoedas (em questão de horas ou até minutos). O objetivo é um só: vender quando o preço supera o valor de compra, já descontados os custos da operação.

Dados mostram que a procura pelo day trade disparou durante a pandemia. Na corretora Easynvest, houve um salto de 155% neste tipo de operação em março, no auge da crise, em relação ao mês anterior. E o volume negociado continuou elevado entre abril e junho. A representatividade da prática no número de ordens cresceu de uma média de 12% nos dois primeiros meses do ano, para 18% após a pandemia.


Mais de 90% tiveram prejuízo

O problema é que as pesquisas já alertaram para os riscos da prática. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicado em 2019, encomendado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), concluiu que é quase impossível viver da prática no Brasil. Segundo os pesquisadores Fernando Chague e Bruno Giovannetti, cerca de 91% dos day traders monitorados entre 2012 e 2017 tiveram prejuízo ao operar. 

“Buscamos saber se eles melhoram com o tempo e descobrimos que não”, afirma ao InvestNews o economista Bruno Giovannetti, co-autor do estudo, para quem anos de estudo e prática não fazem diferença no desempenho. De 19.696 pessoas que começaram fazer este tipo de operação, apenas 7,9% continuaram por mais de 300 pregões. O prejuízo acumulado foi de R$ 68,4 milhões, uma média de R$ 35,90 diários por investidor, levando em conta apenas as taxas cobradas pela B3, sem incluir o custo de corretagem ou cursos.


‘R$ 500 mil em um mês’?

Apesar do alerta, não faltam exemplos de traders que exibem seus extratos nas redes sociais com as cifras que conquistaram em menos de 24 horas. Muitos prometem ter a fórmula para que outras pessoas multipliquem os zeros em suas contas bancárias. “R$ 16 mil de lucro em uma semana” ou “Meio milhão de reais em um mês” são chamadas comuns na internet. E os adeptos só crescem. No YouTube, o trader profissional Suriel Ports mantém um canal com mais de 800 mil seguidores, onde promete ensinar seu público a fazer do trading uma fonte de renda. 

O analista técnico da Easynvest Hugo Carone acredita que o day trade exige muito mais experiência do que as operações em prazos mais longos. “O grande problema do curtíssimo prazo é o quanto as pessoas alavancam seu dinheiro para operar”, diz. Não é só a prática que conta, em sua avaliação. O perfil psicológico é determinante. Por isso, ele recomenda que o iniciante faça simulações antes de mergulhar de cabeça no intraday. “É possível fazer operações em uma conta demo para operar sem colocar seu capital em risco de verdade. Assim você já consegue descobrir se é ou não o seu perfil”, explica.

Outra recomendação dos especialistas consultados é manter uma margem para as perdas. Em outras palavras, definir o limite em que é melhor parar.

VIVER DE BOLSA? TRADERS RESPONDEM

O InvestNews conversou com traders profissionais para entender como funciona a rotina de trabalho, as dificuldades, mitos e verdades da prática, além dos passos para quem deseja seguir por este caminho sem cair em ciladas. Veja abaixo os depoimentos:

‘Quebrei 3 vezes Hoje tenho mais consciência’

Diogo do Nascimento, 36 anos, opera desde 2016 (itu – sp)

“Comecei a mexer com o mercado em 2016, quando conheci o bitcoin. Na época estava bem acessível. Paguei em torno de R$ 5 mil, comprei uma fração dele e consegui uma alta valorização e quando o bitcoin chegou a quase R$ 70 mil vendi e lucrei. Me interessei pelo trader pela criptomoeda. Depois parei por um tempo, eu tinha perdido o emprego e voltei a trabalhar. Voltei a operar mini contratos por volta de 2019, mas quebrei três vezes porque não sabia operar. Eu pegava call dos outros em salas ao vivo na internet para tentar aprender a dinâmica do mercado. Aí sim comecei a ter uma consistência maior. Isso foi há um um ano. Hoje consigo viver do mercado no day trade de contrato futuro”.

‘Hoje consigo me sustentar só com estes ganhos’

Cidinha Amorim, 37 anos, opera desde 2010 (boituva – sp)

“Se é possível viver só de operar pela bolsa ? Sim, mas é preciso muito conhecimento. É preciso estar preparada psicologicamente e financeiramente ter reserva nos dias ruins. É fundamental ter conhecimento e psicológico com gerenciamento. Iniciei meus investimentos com ações há 10 anos, depois opções e agora mercado futuro. Digo que com ações é mais fácil começar pensando no longo prazo, você compra, deixa lá guardado como uma poupança e mais para frente retira o lucro. Mas eu faço muito day trade com mini índice e mini dólar e opera só pela manhã. Sobra tempo para fazer exercícios, correr com o cachorro, ir ao supermercado. Hoje eu consigo me sustentar só com esses ganhos, mais que um universitário. Mas precisa gerenciar seu tempo. Minha dica para conseguir viver disso é buscar primeiro bastante conhecimento. Quanto mais, melhor. A prática também é importante porque lá você aprende os “macetes” para operar. Precisa ter um psicológico forte, pois chega um dia que tem perda, saber perder e entender, gerenciar, estipular até quanto pode perder ou no diário, semanal e mensal. O erro do iniciante é que não pode começar sem estudo, pois você entra com o interesse em ganhar dinheiro e acaba perdendo por não saber as estratégias. Com prática e sem ganância você consegue ganhar e ficar bem”.

‘É preciso ter controle de risco e disciplina. Tive perdas consideráveis e agora tenho o pé no chão’

Marcio ‘Camarão’, 66 anos (RIO DE JANEIRO – RJ)

“Eu faço trader, mas já sou aposentado. Não vivo de mercado. Tenho qualidade de vida e posso conciliar vida pessoal com trabalho. Opero cerca de duas horas por dia, paro ao meio dia. Se você souber se policiar, não precisa ficar escravo disso. Acho que é possível viver disso, desde que se tenha uma meta e um gerenciamento de risco,. Se a meta é ganhar de R$ 500, é importante se preparar para possíveis perdas. Ter uma margem R$ 200 para saber quando parar, por exemplo. O mercado está muito volátil ultimamente. Comecei há uns dois anos no day trader, só fazia swing trade e operava opção e put e hoje com as salas ao vivo eu já sou um vendedor voraz de put. Achei legal, mas tive perdas consideráveis e hoje estou com o pé no chão. Se chegar na margem de perda do dia eu paro. Para quem é novato, é algo arriscado. Para ser profissão, tem que estudar, ter controle de risco e disciplina. Senão você entra num overtrade, a pessoa que opera o dia todo sem parar. Nunca fiz curso, minha idade não permite mais, mas com o tempo eu montei minha própria estratégia de operar”.

‘Já errei, mas hoje tiro meu sustento disso. Com acerto ninguém aprende’

Eric, 60 anos, opera desde 2010 (rio de janeiro – rj)

“A maior parte dos traders estuda pouco. Eu trabalho no mercado financeiro desde 1982 e tive que aprender muito depois que saí de lá. Para começar a operar como trader leva um tempo, ou você tem um dinheiro pra investir e perder ou você gasta em poucos cursos que são bons. Muitas vezes acaba perdendo tudo. Se dá azar, a pessoa pensa que está arrebentando e a tendência é perder tudo. Por isso é importante desenvolver uma estratégia. A experiência me mostrou que dá certo algumas vezes, outras não. Acordo todo dia cedo para ler jornal, tomo café, ligo a TV e fico até umas 7h50. Acompanho os índices no exterior e formato na minha cabeça uma ideia. Tem que ver como a maré está te levando. Ligo o computador, faço mapas de média exponencial, média aritmética, é tudo algoritmo. São praticamente 11 horas de dedicação. Tiro meu sustento com isso e ainda sobra dinheiro. Para viver só de bolsa é preciso ter dedicação, estudar, fazer o método demo e testar, além de controlar o emocional. A maior parte das pessoas é exigente no ganho e quando perde só piora o prejuízo. Por isso tem que seguir a estratégia. Eu tenho um limite de perda (stop loss), a partir desse limite eu paro. Em 98% das vezes eu consigo, mas em 2% somos teimosos. Importante aprender com os erros, porque com acerto ninguém aprende. Meu filho está treinando para demo faz uns 8 meses. Falei para ele entrar só quando se sentir preparado. Pra começar a operar, não precisa necessariamente com valor baixo”. 


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