Finanças
Até quando vai durar o fluxo de investimentos da Rússia para o Brasil?
Permanência desses investidores no Brasil dependerá da atratividade do mercado local, dizem especialistas.
Em meio às sanções sofridas pela Rússia por ter invadido a Ucrânia, o mercado financeiro também apertou o cerco contra o país, que chegou, por exemplo, a ser retirado de índices globais. Segundo analistas ouvidos pelo InvestNews, o Brasil pode continuar absorvendo parte do fluxo de investidores estrangeiros na Rússia, mas em um fenômeno que deve ser de curto prazo. A avaliação é de que permanência dos recursos estrangeiros nos ativos brasileiros dependerá da atratividade do mercado local.
Por causa da guerra, a bolsa de valores da Rússia ficou fechada por quase um mês. Recentemente, ainda devido à invasão russa à Ucrânia, o FTSE Russel decidiu retirar a Rússia de todos os seus índices de renda variável. O Morgan Stanley Capital International (MSCI), que é fornecedor global de ativos financeiros, também fez o anúncio da retirada da Rússia da composição de seu índice de mercados emergentes e ela passou a ser considerada um mercado avulso.
Segundo Rodrigo Moliterno, head de renda variável da Veedha Investimentos, essa exclusão da Rússia do MSCI poderá resultar em vendas de aproximadamente US$ 7 bilhões de fundos passivos e mais de US$ 20 bilhões de fundos ativos do mercado russo, havendo a migração para outros países que compõem o índice.
“O mercado de ações do Brasil poderia receber aproximadamente US$ 1,3 bilhão dessa realocação dos portfólios, apenas levando em consideração o atual peso do país no índice, o que deve sustentar o fluxo vendedor do dólar e também a retomada da tendência de alta do Ibovespa”, avalia Moliterno.
Fernando Bueno, responsável pelo departamento internacional da Blue3, afirma que o índice MSCI é muito utilizado por investidores quando precisam buscar um pouco mais de risco e rentabilidade. Com a Rússia fora dele, essa demanda acaba distribuída para outros países. “O Brasil é um país emergente forte, posicionado no mercado global, que pode ter algum fluxo de capital devido a isso”, diz Bueno.
Josias de Matos, estrategista na Toro Investimentos, diz que, em meio a todo esse cenário, o fluxo ativo de investidores que estavam na Rússia poderá enxergar o Brasil como uma boa oportunidade de alocação, porém, segundo ele, trata-se de um fenômeno voltado para o curto prazo, que deverá ter impacto pelos próximos meses apenas. “O que poderá permear este movimento e manter o fluxo aqui é a atratividade do mercado brasileiro”, avalia Matos.
Investidores estrangeiros no Brasil
Apesar do cenário econômico do Brasil com aceleração da inflação, perspectivas de baixo crescimento da economia, com um ano marcado por eleições, além dos impactos trazidos pela guerra na Ucrânia, ele não tem sido um empecilho para investidores estrangeiros aportarem no país.
Desde o início do ano até o último dia 7 de março, o saldo de capital externo na bolsa de valores brasileira chegou a R$ 71,063 bilhões, superando o número de todo o ano passado, que foi o recorde da série histórica, de R$ 70,785 bilhões.
Segundo levantamento da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o Brasil recuperou uma posição e subiu para o 7º lugar no ranking dos países que mais atraíram investimento estrangeiro em 2021.
Moliterno explica que um dos principais motivos que justifica este movimento está relacionado ao fato de que o mercado brasileiro está fortemente ligado às commodities. Outros fatores que estão atraindo o investidor, ainda segundo o especialista da Veedha, é que muitas ações estão com seus preços descontados na bolsa de valores brasileira, além dos juros elevados no país.
“Rússia sendo um país emergente e o Brasil sendo um emergente muito relevante, o Brasil recebe atenção neste sentido, ainda mais com o atual cenário global, visto que, com tudo isso acontecendo, o Brasil tem alguns atrativos que outros emergentes pelo mundo não têm”, destaca o especialista em investimentos Ian Moro, coordenador de consultoria da Magnetis.
Renato Breia, sócio da Nord Research, diz que, se analisarmos o conjunto de países emergentes como um todo, o Brasil tem, de alguma forma, um arcabouço institucional mais sólido em comparação com Índia, China e Rússia, por exemplo. “O Brasil tem uma democracia um pouco mais estável. Acho que é por isso que ele pode atrair mais recursos. Os outros países são um pouco mais difíceis de investir”, afirma Breia.
Sustentação dos investidores estrangeiros na Rússia
Victor Beyrute, economista da Guide Investimentos, afirma que, no momento em que a maior parte dos embargos à Rússia traz rotação de carteiras, há um impulso de investidores para o Brasil, mas que não é algo que se sustentará caso o país não consiga se manter atrativo para o investidor estrangeiro. Segundo Beyrute, para o país sustentar o nível de investimento e atratividade, a melhor resposta seria retomar a agenda de reformas estruturais, dando uma previsibilidade melhor para o investidor estrangeiro.
O especialista em investimentos Ian Moro também considera que, em princípio, a absorção desses investidores estrangeiros pelo Brasil é algo mais momentâneo e que a presença deles no país dependerá de qual será a conjuntura do Brasil a partir de agora.
“O Brasil é um dos mais atrativos países emergentes na conjuntura atual, que tem um dos maiores juros reais, que tem sua moeda e bolsa de valores como as mais valorizadas nos últimos meses frente aos pares. Momentaneamente, é muito interessante, mas, falando de longo prazo, tudo depende dos pontos que o Brasil tem a perder, como, por exemplo, a política fiscal“, destaca Moro.
Para Matos, além da estabilidade do cenário interno brasileiro, as condições macroeconômicas globais também pesam para a manutenção dos investidores estrangeiros no país. “O que temos visto, mesmo com certa imprevisibilidade causada pela pandemia, problemas nas cadeias de suprimentos, inflação global e guerra na Ucrânia, o Brasil tem se saído relativamente bem e conseguido atrair capital”, diz o analista da Toro Investimentos.
Motivos para a perda do fluxo de investidores estrangeiros na Rússia
Segundo os especialistas ouvidos pelo InvestNews, de forma geral, o principal fator que pode afugentar os estrangeiros que investiam na Rússia e migraram para ativos do Brasil é o cenário fiscal brasileiro.
Breia afirma que para o investidor estrangeiro é muito menos importante quem vai ser o presidente do Brasil e muito mais considerado se vai haver uma responsabilidade fiscal e se as leis e regras estão sendo mantidas no país.
Moro explica que a preocupação do investidor estrangeiro com a agenda fiscal brasileira está relacionada à insegurança do receio de calote – ou seja, de não ter o pagamento do retorno dos recursos investidos. Ele lembra ainda que o Brasil está em ano eleitoral e que, quanto menos medidas populistas forem anunciadas ou aprovadas, mais favorável tende a ser o cenário para os investidores estrangeiros que passaram a investir recentemente no país.
Outro fator que pode atrapalhar a permanência desse fluxo, segundo Josias de Matos, é o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, que atrai os investidores estrangeiros para os títulos norte-americanos, considerados os mais seguros do mundo, que passam a se tornar mais atrativos.
Impactos no Brasil
Para Breia, o mercado financeiro já antecipou e precificou parte desse redirecionamento de fluxo de capital de investidores estrangeiros na Rússia para outros países e, na avaliação dele, existem outros fatores que podem mexer com o mercado local.
“Temos que separar o que tem feito a bolsa de valores subir no país. Eu acho que o impacto (da migração de investidores na Rússia para o Brasil) tende a ser marginal, não é algo que vai mudar a bolsa de patamar, até porque ela já antecipou isso. Tendo a achar que existem problemas muito maiores causados pela guerra que impactam juros, bolsa e inflação, do que a saída de investidores da Rússia. De alguma forma, pode haver novos fluxos, mas isso não é um driver para tomar decisão de investimentos”, acredita o sócio da Nord Research.
Para Moro, inicialmente, a movimentação tende se prolongar para o longo prazo conforme o Brasil consiga entregar resultado de fato, como mostrar que está conseguindo controlar inflação. “Se não tiver nada atrativo, o Brasil pode perder parte desses investidores. É preciso fazer a lição de casa por aqui”, alerta o especialista em investimentos e coordenador da Magnetis.
Victor Licarião, líder de alocação de renda variável da Blue3, diz que o impacto da migração de investidores estrangeiros para o país é positivo para o Ibovespa e o dólar. Licarião explica que o investidor estrangeiro entra na bolsa de valores vendo o que está atrativo, mas que ele não gosta de perder no câmbio.
“O investidor estrangeiro espera estabilização. Ele quer que seja acertado o mix da rentabilidade da bolsa com estabilização do câmbio. Eles ficam muito de olho nisso e não querem perder no câmbio, que refletiu isso bem desde o começo do ano”, conclui Licarião.