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Fundo Verde, de Stuhlberger, enfrenta rara crise e corre para estancar resgates

Os clientes estão sacando dinheiro, levando a um encolhimento dos ativos sob gestão

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Luis Stuhlberger, gestor do Fundo Verde. Foto: Patricia Monteiro/Bloomberg

Nas mesas de operação ao longo do distrito financeiro de São Paulo, Luis Stuhlberger é uma figura imponente, quase mítica.

Um dos pioneiros da indústria brasileira de fundos multimercado, Stuhlberger, profundamente privado e tímido em relação à mídia, durante anos atraiu multidões que ficavam em pé, com operadores amontoados ombro a ombro, quando aparecia em eventos públicos. Alguns o chamam de “pai” dos multimercados.

Isso é fruto de retornos espetaculares – muitas vezes os melhores do ramo – durante três décadas. O principal fundo de sua gestora, a Verde Asset Management, produziu um ganho de 26.000% com posições em diferentes classes de ativos, de moedas a commodities, desde a sua criação em 1997. Isso equivale a 22% (ou 15% quando convertido em dólares) ao ano.

Mas agora, às vésperas do seu 70º aniversário, Stuhlberger passa por uma crise diferente de todas as que já enfrentou.

Os retornos do fundo Verde passaram de estelares a mais apagados nos últimos anos, gerando um burburinho cada vez mais alto nas torres de vidro da Avenida Faria Lima de que Stuhlberger perdeu seu toque de Midas. Os clientes estão sacando dinheiro, levando a um encolhimento dos ativos sob gestão da Verde e forçando Stuhlberger a reformular a sua equipe.

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Nos últimos seis meses, ele assumiu as decisões de investimento nos fundos de ações Brasil e demitiu traders, enquanto o responsável pela área comercial também deixou a gestora, segundo pessoas familiarizadas com o assunto que pediram anonimato ao discutir temas internos.

É um momento difícil para os multimercados. O salto nas taxas de juros, que torna mais fácil para os brasileiros embolsarem retornos atrativos na renda fixa, e uma série de mudanças tributárias provocaram uma enxurrada de saques, enquanto a demanda por produtos isentos de impostos disparou.

Stuhlberger, que não comentou a reportagem, destacou esses desafios ao falar publicamente sobre as dificuldades recentes do fundo. “A proliferação de investimentos isentos é uma coisa exponencial”, disse Stuhlberger num podcast. “Estamos em um processo de realocação de ativos.”

Mas ele sempre surfou esses altos e baixos praticamente intacto. Agora, o gestor se vê lutando para conter os resgates, assim como todos os outros. A portas fechadas, isso agrada seus rivais — o schadenfreude é irresistível. Entre a dúzia de profissionais contactados para esta reportagem, apenas um estava disposto a dizer algo publicamente sobre o seu desafio.

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Fama com a desvalorização de 1999

Stuhlberger “foi um dos pioneiros da classe de multimercados como enxergamos hoje”, disse Christopher Galvão, analista de fundos da Nord Research, empresa de pesquisa com sede em São Paulo. Com a onda de resgates relevantes enfrentados pela indústria nos últimos anos, “o Verde também sentiu e foi perdendo muito patrimônio”.

Neto de imigrantes poloneses, Stuhlberger frequentou a Universidade de São Paulo, onde estudou engenharia civil na década de 1970, antes de conseguir seu primeiro emprego no mercado financeiro. Ele rapidamente se tornou conhecido negociando futuros e commodities em uma corretora chamada Hedging-Griffo e lançou seu fundo em 1997 com o apoio da empresa.

A indústria brasileira de hedge funds estava em sua infância e Stuhlberger começou muito pequeno. Ele tinha R$ 1 milhão (cerca de US$ 900 mil na época) para investir. Mas ele tinha uma aposta inicial ousada que estava pronto a fazer – comprar dólares e esperar que o governo desvalorizasse o real – e uma convicção inabalável de que estava certo. Ele até chamou o fundo de Verde, em parte como um aceno à posição comprada em dólares que acumularia.

A desvalorização veio em 13 de janeiro de 1999 e, nas semanas seguintes, o dólar disparou mais de 50% em relação ao real, transformando Stuhlberger – e seu pequeno fundo – em uma sensação. “Eu vou pegar essa maxidesvalorizacao para os cotistas do fundo”, ele se lembra de ter pensado em uma entrevista anos depois. “E, se eu pegar, o fundo vai virar famoso.”

Famoso, isto é, no Brasil.

Pois embora os trades bem sucedidos continuassem – incluindo o momento em que apostou alto numa recuperação do mercado na sequência da crise financeira global de 2008 – Stuhlberger nunca procurou ser o centro das atenções o suficiente para ganhar o tipo de notoriedade em Nova York e Londres que contemporâneos como Armínio Fraga conseguiram.

Desempenho em linha com o CDI

Uma figura inquieta, ocasionalmente ele era visto carregando uma pilha espessa de relatórios. Participava somente de algumas conferências, recusava a maioria dos pedidos de entrevistas e mantinha um limite rígido quanto ao tamanho de seu principal fundo.

No seu auge, em 2021, a Verde Asset tinha R$ 55 bilhões sob gestão. O fundo Verde, que, grosso modo, representava metade dos ativos totais da gestora, registrou apenas a segunda queda anual de sua história naquele ano, e as saídas começaram a partir daí.

Diversos tipos de apostas saíram pela culatra para Stuhlberger nos últimos anos: ele comprou ações muito cedo após a queda dos mercados com o choque da Covid; não conseguiu prever como os crescentes déficits do governo brasileiro afundariam os mercados locais; e até foi atingido por uma enorme fraude corporativa. Em conjunto, esses erros colocaram a performance do fundo praticamente em linha com a do CDI ao longo dos últimos cinco anos — e apenas alguns pontos percentuais acima de uma cesta de multimercados.

Ao final do mês passado, a Verde geria apenas R$ 20 bilhões.

Parte disso está alocado em alguns investimentos importantes. Em carta a cotistas recente, o fundo disse que aposta em alta nos preços do petróleo, está otimista em relação à rupia indiana, pessimista com o euro e o yuan chinês, e possui posições compradas em inflação implícita no Brasil e nos EUA.

‘Quem perde, explica’

Enquanto isso, Stuhlberger conta com um novo sócio para ajudar a traçar a recuperação da empresa. Daniel Goldberg, o ex-CEO do Morgan Stanley no Brasil que agora dirige a Lumina Capital, comprou uma participação minoritária na Verde em novembro.

As demissões começaram meses depois. Alguns de seus antigos executivos estavam entre os que deixaram a gestora. Mas Stuhlberger nunca foi de delegar muito — ao menos no que diz respeito à gestão do fundo principal, disseram vários veteranos do Verde.

Stuhlberger também tem se dedicado a uma outra tarefa nos últimos anos: falar em público. Ele tem dado mais entrevistas à imprensa local e responde perguntas em podcasts sobre sua visão de mercado e a estratégia do fundo.

Há um velho ditado de Stuhlberger para isso. Ele o citou há anos, quando o Verde ainda estava arrasando e os brasileiros mais ricos faziam fila por uma oportunidade de investir no fundo e Luis Stuhlberger continuava a ser aquela figura elusiva e lendária em São Paulo.

“Quem ganha, ganha”, o fundo disse aos clientes em uma carta em 2014. “E quem perde, explica.”

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