Líder no pagamento de dividendos em 2023, uma ação pouco comentada no mercado financeiro pode se destacar novamente em 2024 pelo mesmo motivo. Com uma posição de caixa considerada confortável e investimentos pouco volumosos, a expectativa dos acionistas da Mahle Metal Leve (LEVE3) é de que os proventos continuem robustos – o que não significa que não haja sinais de alerta, segundo os especialistas, especialmente após a controversa operação de follow-on no final do ano passado.
A Mahle, com sede em Mogi Guaçu (SP), atua no segmento de peças para motores. A empresa teve um dividend yield (DY, indicador de retorno em dividendos) de 35,8% em 2023, o maior da bolsa brasileira, seguida pela gigante Petrobras (PETR4), com 29,5%. Os números foram levantados por Einar Rivero, CEO da Elos Ayta Consultoria, que projeta LEVE3 novamente no topo do ranking de dividendos em 2024.
Para o ano que vem, a expectativa de DY da ação LEVE3 é de 30,12%, mais que o dobro da segunda maior projeção, da Copasa (CSMG3), com 14,13%. O cálculo considerou o preço da ação no último dia de 2023 e o volume de proventos no ano.
Mas Rivero reforça que o “levantamento considera metodologia 100% quantitativa”, ou seja, não foram considerados detalhes sobre os fundamentos da companhia. Sobre esse ponto, o InvestNews ouviu então especialistas, e eles apontam fatores que devem continuar impulsionando os dividendos da fabricante de autopeças, mas também citam pontos de alerta.
Um dos principais motivadores das boas perspectivas para os rendimentos com a ação LEVE3 é a situação do caixa, investimentos e do endividamento da empresa. “A Mahle Metal Leve evidenciou uma posição de caixa líquido de R$ 68,8 milhões, indicando um caixa superior ao montante de suas dívidas. Essa substancial reserva financeira fortalece a saúde financeira da empresa”, detalha Chrystian Matias, analista da Levante Corp.
Ainda analisando os números, ele acrescenta que a empresa “demonstra uma significativa capacidade de geração de caixa operacional”, acumulando até setembro de 2023 um total de R$ 583,7 milhões, acima dos R$ 326,9 milhões reportados no mesmo período de 2022.
A empresa também apresenta montantes decrescentes de investimentos – o que favorece o cenário para distribuir o excedente em caixa na forma de proventos aos acionistas. Nos primeiros 9 meses de 2023, foram investidos R$ 40 milhões em equipamentos, ante R$ 56 milhões no ano anterior.
Embora a Mahle tenha sinalizado na divulgação do balanço que “os valores investidos tendem a aumentar ao longo do ano”, Matias, da Levante, aponta que “a empresa conseguiu manter o crescimento nos últimos trimestres utilizando sua própria base industrial já estabelecida”.
E, assim, a companhia vem mantendo ritmo de crescimento em seus resultados. No terceiro trimestre, o lucro consolidado foi de R$ 214 milhões, o 13º resultado trimestral positivo consecutivo.
A forte geração de caixa sem aumento dos investimentos tem resultado num baixo nível de endividamento para a companhia. Com isso, a relação entre a dívida líquida e o Ebitda (Lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) segue abaixo do setor, chegando muitas vezes a ficar em patamares negativos (o que indica geração de caixa maior que a dívida). Veja abaixo:
No terceiro trimestre, essa relação chegou a 0,07 negativos para Mahle em 12 meses, contra 1,66 para o setor, segundo dados da plataforma ValorPro.
Follow-on: controvérsia do ‘empurrão’ extra
Mas nem todos os impulsos para os dividendos da Mahle vêm de seus fundamentos. Em 2023, a empresa chegou a captar dinheiro no mercado financeiro para pagar mais proventos. A operação foi um follow-on (nova oferta de ações) que, na prática, captou dinheiro de novos investidores para distribuir aos que já eram acionistas.
A empresa levantou R$ 402 milhões no dia 1º de novembro, em uma operação que desde seu anúncio gerou controvérsia no mercado, com avaliações de que o objetivo seria chamar a atenção e atrair investidores para a ação pelos volumes distribuídos em proventos, e não propriamente destinar novos recursos à operação da empresa – até porque a situação do caixa considerada confortável dispensaria essa necessidade.
Virgilio Lage, especialista da Valor Investimentos, está entre os que acreditam que a empresa “fez o follow-on para distribuição de dividendos justamente para atrair mais acionistas”. Gustavo Biserra, analista da Nova Futura Investimentos, concorda e avalia a oferta como “nada mais do que uma forma de chamar atenção para a companhia poder ficar em evidência”.
Ele diz que o objetivo foi atingido, “porque estamos falando da companhia, evidentemente”. Mas adiciona que somente isso não é suficiente para atrai investidores.
“Não é só uma questão de distribuição de dividendos que atrai o investidor, mas sim um programa completo de estrutura, de governança, de olhar para o futuro, trabalhar esses fluxos de caixas futuros”.
Gustavo Biserra, analista da Nova Futura Investimentos
Matias, da Levante, questiona por outro viés o objetivo do controlador da empresa ao oferecer mais ações ao mercado sem que a situação do caixa e do endividamento demandassem um levantamento de recursos dessa forma.
“Seria razoável supor que a oferta teria um caráter mais secundário, indicando que o controlador estaria possivelmente se desfazendo de suas ações após um período de valorização substancial dos papéis”, diz ele, lembrando que a repercussão foi negativa no mercado.
No dia da precificação da oferta em R$ 28 por ação, em 30 de outubro, o papel LEVE3 despencou 10%, mas vinha subindo com força nos meses anteriores, chegando a acumular uma disparada de quase 96% em 2023 até o dia 20 de setembro. Veja abaixo:
“Posteriormente, a empresa confirmou a realização do follow-on, predominantemente secundário, como inicialmente esperado, mas também incluindo a emissão de novas ações. Os recursos provenientes da oferta primária têm como único objetivo o pagamento de proventos”, lembra Matias.
As ações caíram com a repercussão do follow-on, mas a matemática ajudou. Isso porque o recuo da cotação nos últimos meses também contribuiu para que o resultado do dividend yield fosse tão elevado a ponto de cravar LEVE3 no topo da lista das maiores pagadoras de proventos em 2023. As perdas nos últimos três meses do ano foram de 14,4%.
Mas, de qualquer maneira, se o follow-on tinha o objetivo de jogar luz sobre a companhia, o que os investidores encontraram à primeira vista dos números foram bons resultados e prognósticos, segundo Lage.
“[A Mahle] Teve um desempenho de 2023 muito bom e tem perspectiva de também ter um desempenho forte em 2024. Olhando o macroeconômico geral, as perspectivas dela são recomendações de compra pelos nossos analistas e a maioria das casas de análise, com pagamento forte e alto dividendos de dividendos”
Virgilio Lage, especialista da Valor Investimentos
Matias também avalia que, “para 2024, é esperado que a companhia apresente sólidos resultados operacionais”. “O mercado de reposição (aftermarket) permanece aquecido, e a empresa deve continuar registrando crescimento nesse segmento, o qual representa uma parcela significativa de suas vendas”, diz ele.
Além disso, o analista acredita que, no mercado de OEMs (fabricantes de equipamento original), a empresa deverá se beneficiar da retomada da produção de veículos pesados no Brasil”. Ele pondera, em seguida que, mesmo com as perspectivas de crescimento, sua posição para a ação ainda é de cautela após as condições em que foram realizadas o follow-on.
Considerando a movimentação do ano como um todo, o mercado parece ter enxergado boas perspectivas para Mahle em 2023, com a ação acumulando alta de mais de 58%. A dúvida, agora, é se o desempenho vai se repetir. Nos primeiros pregões de 2024, o papel, que não faz parte do Ibovespa, acumula queda acima de 5% até agora.
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