Ilustração: Daniela Arbex

Esperava-se que o governo Lula 3 faria o crédito dos bancos públicos crescer com força. Não foi o que aconteceu.

Nos últimos 12 meses até setembro (mês dos últimos dados disponíveis) o crédito para empresas oferecido pelos bancos estatais registraram um crescimento de 4,7% em relação ao mesmo período do ano anterior. Trata-se de uma aceleração bem mais branda que a do crédito dos bancos privados, que registrou um salto de 8,8%.

Ao final de setembro, os bancos privados concentravam 66% do montante de crédito bancário para pessoas jurídicas.

Olhando mais para atrás, a partir de 2012, vemos que a participação dos privados caiu entre 2012 e 2015 (sob o governo Dilma), e passou a aumentar em 2016 (Temer). A partir de 2019 (Bolsonaro), a liderança dos privados alargou-se drasticamente. E o fato é que a tendência se mantém agora, sob Lula 3. Veja aqui:

A ascensão dos títulos privados

Empresas não vivem só de empréstimos bancários, naturalmente. Outra alternativa é “pedir dinheiro na rua”. Ou seja: pegar diretamente de investidores no mercado de capitais, principalmente via títulos privados. Tende a ser um jogo ganha-ganha: a empresa paga menos juros do que arcaria num empréstimo bancário; e o investidor leva taxas maiores do que se estivesse investindo em títulos públicos.

E essa modalidade cresce com mais força que os empréstimos bancários. Para dar uma ideia melhor: o bolo total dos empréstimos, contando os bancos públicos e privados, somava R$ 2,877 trilhões no final de setembro; uma alta anual de 6%.

Esses 6% são um acréscimo de R$ 163,8 bilhões em 12 meses – o que nos traz para mais uma estatística digna de nota. A tomada de dinheiro via mercado de capitais nesse mesmo período foi 4,5 vezes maior do que aquela via empréstimos bancários. Chegou a R$ 731 bilhões.

Entram na conta os títulos privados (debêntures, CRIs, CRAs…) e emissão de ações – sim, a bolsa não vê IPOs desde os tempos dos Astecas; mas os follow-ons, ou seja, as emissões de novos papéis por parte de empresas que já estão tinham o capital aberto seguiu viva em 2024 – trata-se da forma mais barata de captar dinheiro junto a investidores, já que não envolve a promessa de pagamento (“só” a da divisão dos lucros quando, e se, eles vierem).

E o fato é que os R$ 731 bilhões captados no período representam uma alta de 57% em relação aos 12 meses anteriores:

Não se trata de um movimento atípico, de qualquer forma. A variação anual daquilo que entra via mercado de capitais é tradicionalmente maior. O ponto é que 2024 deve terminar marcando um novo recorde. A marca anterior era de 2021, com R$ 734 bilhões. O ano de 2024, mantendo a média corrente, fecharia em R$ 738 bilhões. É o que mostra o gráfico ali em baixo.

Há de se notar também que os empréstimos bancários até passam por um momento de ascensão – tendo em vista que a variação em diversos anos (desde 2018) foi negativa, ou seja, emprestou-se menos num determinado ano do que no anterior:

Só que os anos todos de crescimento do mercado de capitais mudaram o cenário. Uma análise feita por Roberto Luís Troster, ex-economista-chefe da Febraban, mostra que o peso dos empréstimos bancários na composição da dívida das empresas caiu quase pela metade desde 2013. E de 2020 em diante a parte em títulos privados passa por uma grande expansão:

Vamos focar a lupa agora nos ativos de crédito privado disponíveis no mercado. Destaque para o ganho de espaço das debêntures – os títulos privados mais tradicionais. Em 2024, elas responderam por 60% do montante captado, com uma ajuda da alta dos juros futuros. Se elas tornam títulos públicos mais atraentes, vale o mesmo para o mundo dos títulos privados, que oferecem juros ainda maiores (ainda que acompanhados por um risco mais agudo; se a empresa quebra, você não recebe; se o governo quebra, ele imprime dinheiro para pagar – péssimo também, mas essa é outra história).

Evolução e diversificação

Guilherme Maranhão, presidente do Fórum de Estruturação de Mercado de Capitais da Anbima, explica que o crescimento das debêntures e afins é produto de uma década e meia de evolução regulatória, responsável por tornar o crédito privado mais atrativo e trazer novos atores, como fundos que antigamente só tinham títulos públicos na carteira.

A partir da pandemia, a taxa de juros mais baixa também ajudou esse mercado a decolar, atraindo principalmente os fundos de multimercado. Mais recentemente, duas alterações nas normas deram o impulso que levou aos recordes históricos registrados nesse ano:

“A maioria ainda são as grandes companhias. Mas quando você olha ao longo dos anos, o número de emissões aumenta bastante e o número de emissores também, muitas vezes em volumes menores. O que isso quer dizer? Que você está dando acesso a pequenas empresas.”

Guilherme Maranhão, Anbima

Um dos ativos recentes que ajudaram nesse avanço, segundo ele, é a nota comercial – título privado voltado justamente para companhias menores. “Ela vai acessar a empresa limitada, ou uma que não tem um crédito tão bom, e acaba usando os recebíveis que ela tem para emitir [o título de dívida].”

Vale notar também a expansão das debêntures incentivadas. Em 2022, elas respondiam por 15% do mercado de debêntures. Em 2024, 29,8%. E o total captado triplicou – de R$ 40 bi há dois anos para R$ 120 bi em 2024 (contando só até novembro).

O crescimento do mercado de títulos privados é uma boa notícia para quem investe e para quem empreende, sem dúvida. Mas esse copo também tem seu lado meio vazio. Ele também reflete a estagnação da renda variável.

O Brasil não vê um IPO há mais de três anos. Desde 2021, nenhuma companhia daqui abre seu capital na bolsa. Nos EUA, para dar uma ideia, foram 20 IPOs só no mês de dezembro.

Como dissemos, a captação via renda variável se atém hoje aos follow-ons de companhias já estabelecidas na bolsa. Com essa fonte de financiamento fechada para as empresas jovens, uma coisa é certa: mesmo com a popularização dos títulos privados, faltarão vitaminas para o crescimento da economia.