Finanças

Reforma tributária deve ser benéfica para agro, mas negativa para bebidas

É o que avaliam especialistas sobre possíveis impactos com implementação de medidas; PEC teve primeiro avanço na Câmara.

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Na madrugada da última sexta-feira (7), a Câmara dos Deputados aprovou o texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária sobre o consumo. Analistas do mercado financeiro já veem possíveis impactos, positivos e negativos, para setores e empresas com a implementação das medidas – incluindo companhias listadas na B3, a bolsa brasileira.

Especialistas destacam que alguns dos setores que podem ser mais beneficiados são de exportações, agronegócio e construção. O ponto de atenção negativo é para as empresas de serviços e bebidas alcoólicas.

O que a reforma prevê

A proposta, que ainda deve passar pelo Senado, é bem vista pelo mercado por caminhar para a simplificação tributária – o que pode elevar o potencial de investimentos no país. 

A PEC 4.519 estabelece a simplificação de impostos sobre o consumo e atende em partes os pleitos estaduais. O texto aprovado reduz a alíquota dos regimes favorecidos em 60% da padrão. Na prática, haverá uma carga tributária correspondente a 40% da padrão, que ainda será definida, mas é estimada em 25%.

A reforma tributária também cria o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o ICMS estadual e o ISS municipal, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que ficará no lugar de tributos federais, como o PIS e a Cofins.

Efeitos para o investidor

A avaliação de Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, é de que a aprovação do texto veio melhor do que o esperado pelo mercado.

“Estamos vendo a simplificação do sistema tributário. É um alívio para o investidor local e estrangeiro, que precisava se preocupar com a compensação de tributos. Não só o mercado financeiro ganha com isso, mas principalmente a economia real”, analisa.

A reforma tem um fim social muito importante, na visão de Alves. “Há a preocupação de tentar reduzir a carga indireta que incide fortemente sobre o consumidor, além do ponto de vista econômico, sobre o que gera mais benefícios para a população”, diz.

Contudo, segundo Fabrício Gonçalvez, CEO da Box Asset Management, o impacto específico da reforma dependerá dos detalhes finais e das negociações políticas. 

Setores beneficiados pela reforma tributária

Gonçalvez julga que se a reforma tributária incluir benefícios para exportadores, empresas voltadas para o mercado externo podem se beneficiar, uma vez que não sofrerão aumento da carga tributária nas exportações.

O Bradesco BBI aponta que as mudanças podem ser positivas para alguns segmentos do setor de construção. Isso porque acabam com a diferença dos impostos cobrados na construção tradicional e na industrial, chamada de “off-site”. O segmento não é comum no país justamente pela tributação mais alta.

O agronegócio se destaca entre as possibilidades de vantagens.

Mato Grosso, Brazil, March 02, 2008: Mass soybean harvesting at a farm in Campo Verde

Rachel de Sá e Júlia Aquino, chefe de economia e analista da Rico, respectivamente, apontam em relatório que os setores de agronegócio e alimentos são beneficiados por isenção de parte dos impostos em produtos da cesta básica, e a atividade rural tem isenção em insumos como sementes e fertilizantes. Mudanças nessas isenções afetariam empresas desses setores, segundo as especialistas.

Em relatório, a XP Investimentos pondera que a versão final da reforma introduz regimes especiais, com 60% de redução nos impostos para produtos ligados ao setor. Haverá a redução de 100% do imposto sobre frutas, legumes e ovos; isenção fiscal nos produtos da cesta básica nacional; e crédito presumido para agricultores com faturamento entre R$ 2 milhões a 3,6 milhões.

Diante disso, a alíquota final poderia ser superior à indicada inicialmente de 25%, diz a equipe de research da corretora.  

Serviços, bebidas e petroleiras na ponta negativa

Estrategistas do Goldman Sachs avaliam que a reforma tributária pode aumentar os impostos sobre empresas de serviços, ao mesmo tempo em que potencialmente reduziria sobre os segmentos mais tributados do setor industrial.

Fabrício Gonçalvez reforça a visão do banco, uma vez que a proposta da reforma visa unificar impostos sobre bens e serviços.

Para Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research, ainda há pouca clareza sobre os números que as empresas devem conseguir passar para o consumidor final. 

O mercado também tem antecipado os efeitos prejudiciais às empresas de bebidas.  

A Ambev (ABEV3) é uma empresa para ficar de olho neste caso, diz Danielle. “Metade do faturamento da companhia está concentrada no Brasil com bebidas alcoólicas, e deve ser impactado pela tributação do Imposto Seletivo.”

O Imposto Seletivo incidirá sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Entre eles, bebidas alcoólicas, cigarros e alimentos com excesso de açúcar ou de sal.

No caso das petroleiras, a tributação deve ser mais específica, segundo Danielle. Recentemente, o governo instituiu por quatro meses uma tributação sobre as exportações de petróleo, o que impactou principalmente as empresas “júnior”, como Prio (PRIO3) e 3R Petroleum (RRRP3). 

“Caso haja a possibilidade do pagamento pela energia limpa do imposto pela energia suja – que seria o petróleo –, a Petrobras (PETR4) pode ser grandemente impactada por todas as suas exportações estarem no Brasil”.

Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research.

A XP avalia que apesar da reforma tributária poder ter um impacto negativo sobre as ações, principalmente no aspecto da tributação de dividendos, ainda é cedo para “decisões precipitadas”.

Exceções previstas na proposta

O texto da reforma tributária deixa de fora os bancos e o setor imobiliário, que têm grande participação na bolsa de valores.

O setor financeiro não deve entrar no novo modelo tributário com base no IVA e ter um tratamento diferenciado, apontam Rachel de Sá e Júlia Aquino, da Rico. Isso se dá diante da complexidade na apuração e diferenciação entre operações de crédito e serviços de intermediação financeira. 

“Ou seja, esperamos que o setor não enfrente grandes alterações no comparado com o modelo de tributação atual”, complementam.

Ainda assim, Fabrício Gonçalvez, da Box Asset Management, avalia que instituições financeiras podem enfrentar mudanças nas alíquotas de impostos e, possivelmente, no tratamento dos juros sobre capital próprio (JCP).

Segundo o Goldman Sachs, ainda não se descarta a possibilidade de uma taxa diferenciada a ser cobrada. Empresas financeiras pagam uma alíquota de 45% (25% de imposto de renda e 20% de contribuição social), contra uma média de 34% para as grandes companhias.

Danielle Lopes, da Nord, aponta que os setores financeiro e de indústria devem ter uma certa melhora com alterações da reforma, uma vez que os tributos já beiram os 45%. 

Já o setor imobiliário é muito heterogêneo e envolve modalidades como aluguéis, compra e venda, incorporações, construção civil, e não acomodaria bem um único tratamento, segundo a Rico. Por isso, ele também está entre as exceções previstas no projeto da reforma.

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