O mês de dezembro, que tradicionalmente concentra um maior volume de saída de recursos do país, deve registrar um fluxo de remessas de lucros e dividendos de até US$ 10 bilhões, segundo analistas, o que tende a manter o câmbio pressionado e reabrir espaço para atuações pontuais do Banco Central.

A sazonalidade das remessas típicas deste período deve ser amplificada pela nova tributação de dividendos e pela proximidade das eleições de 2026, fatores que podem levar empresas e investidores a antecipar envios ao exterior para fugir da cobrança e diante do risco de volatilidade à frente.

As estimativas variam de US$ 4,9 bilhões a US$ 10 bilhões, com mediana de US$ 7,05 bilhões, segundo seis especialistas de bancos e consultorias ouvidos pela Bloomberg. No último mês de 2024, a saída via remessas somou US$ 8,4 bilhões, segundo o BC, adicionando turbulência a um fim de ano de disparada do câmbio. Em 2023, as remessas foram ainda mais substanciais, de US$ 9,2 bilhões.

O economista-sênior do Rabobank para Brasil, Mauricio Une, avalia que a nova legislação leva os agentes econômicos a tentarem “acelerar as remessas antes que a taxação esteja valendo”. “Nossos modelos incorporam uma sazonalidade tradicional de maior fluxo de remessas e dividendos”, diz Une.

O Banco Central se antecipou e já realizou a rolagem integral dos contratos de linha com compromisso de recompra no dólar que vencem em dezembro e em janeiro de 2026. Nesse tipo de operação, o BC faz um leilão de venda conjugado com a compra de dólares. A sinalização é de que a instituição está de olho nas remessas de final de ano, diz Daniel Manso, head da mesa de futuros da Warren Rena.

Casas como Santander e BBVA projetam saídas de US$ 10 bilhões por dividendos e lucros no último mês do ano. O Itaú Unibanco informou que prevê remessas de até US$ 35 bilhões no acumulado do quarto trimestre deste ano, com a previsão de saídas entre 3% e 4% do passivo externo líquido das empresas pagadoras, ao citar fatores domésticos que limitam cenários mais benignos para o real. A média histórica de remessas no último trimestre do ano é de cerca de 1,8% do passivo, ou cerca de US$ 15 bilhões, disse o Itaú.

Além dos lucros remetidos, o ano passado também foi marcado por um fluxo financeiro líquido incomum, da ordem de US$ 30 bilhões em dezembro, segundo dados do Banco Central, que junto com os dividendos e as incertezas fiscais fizeram o dólar superar os R$ 6,30. A pressão veio da lei que passou a taxar fundos exclusivos — e que patrocinou uma fuga de recursos — e também do anúncio de proposta do governo para isentar de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 por mês, que ampliou os temores sobre as contas públicas.

A isenção de IR, que só foi aprovada pelo Congresso neste mês, prevê, como forma de compensação, a cobrança sobre lucros e dividendos acima de R$ 50.000 mensais, a partir de 2026. Haverá ainda a tributação de lucros e dividendos enviados ao exterior, tanto a beneficiários pessoas físicas quanto jurídicas, sobre qualquer valor, diz a Agência Senado.

Intervenções no câmbio

O responsável pela estratégia global de moedas do BBVA, Alejandro Cuadrado, espera uma “leve fraqueza do real” até o fim do ano, projetando que a moeda americana encerraria o ano em R$ 5,48 devido à probabilidade de uma temporada de dividendos mais intensa. Dada a performance calma do câmbio recentemente, o número deve ser revisado para baixo, segundo ele.

“O possível resultado binário das eleições do próximo ano e o forte desempenho do real neste ano geram incentivos para uma potencial antecipação do pagamento de dividendos”, diz ele, se referindo a uma possível disputa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e um candidato do campo da direita em 2026.

Ele pondera, no entanto, que a espiral negativa não deve ser como a de 2024, “já que a taxa de juros está significativamente mais alta e o Banco Central provavelmente aprendeu a lição de que a sangria cambial só parou quando usaram todos os instrumentos disponíveis”.

Em dezembro do ano passado, o BC teve de atuar fortemente diante da disparada do dólar, vendendo US$ 19,76 bilhões em moeda à vista e realizando leilões de US$ 11 bilhões em linhas cambiais com compromisso de recompra. A autoridade monetária deve combinar os instrumentos de intervenção conforme a demanda neste fim de ano, afirma Antonio Madeira, economista da 4intelligence.

Madeira menciona ainda o “casadão” — em que o BC combina a venda de dólar à vista com um swap reverso, ou seja, compra dólar futuro — e os leilões de linha. Ambos os instrumentos têm por objetivo aliviar o chamado cupom cambial, a taxa de juros para tomar um empréstimo em dólares no país e que sofre em momentos como esse.

Obstáculo para o real

A Reach Capital, que esteve com posição vendida no dólar, que ganha com a queda da moeda, durante a maior parte do ano, passou a ficar sem exposição no mercado de câmbio neste momento. “Entendemos que outros mercados acabam tendo potencial de alta bem melhor do que no dólar”, disse o CEO Ricardo Campos. “Poderemos ver esse efeito” de saída de lucros e dividendos este ano no câmbio, acrescentou.

Devido a fatores sazonais, o quarto trimestre é o melhor período para comprar dólar contra o real, segundo Erwin He, estrategista para mercados emergentes do Standard Chartered.

“O ambiente externo irá continuar favorável para as moedas de mercados emergentes de alto rendimento, mas a temporada de dividendos é um obstáculo conhecido para o real no final do ano”, afirma He.