A alta de 0,8% no Produto Interno Bruto para o primeiro trimestre de 2024, divulgada na manhã desta terça-feira (4), não fugiu das projeções dos especialistas, com um acúmulo de R$ 2,7 trilhões em valores correntes – e crescimento de 2,5% na comparação com o primeiro tri de 2023. Mas surpreendeu por um crescimento mais forte que o esperado no consumo, nos investimentos e nos valores pagos em impostos (que também entram na conta).
O consumo das famílias subiu 4,4% na comparação com o primeiro tri de 2023. Trata-se da maior variação anual desde 2011 para um primeiro trimestre. Veja só:
A alta no consumo indica uma economia forte. Só tem um problema. A prioridade do Banco Central ainda é reduzir a inflação – hoje em 3,69%. Para que isso aconteça, é preciso uma desaceleração no consumo. E estamos vendo justamente o oposto.
Quem espera por mais cortes na Selic, então, talvez tenha de tirar o cavalinho da chuva. A única arma do BC para conter a inflação são os juros. E se o patamar atual não tem bastado para conter a demanda, é improvável que o Banco Central teste níveis mais baixos, ao menos não antes de o IPCA convergir firmemente para a meta, de 3%.
Pior. O grande motor do consumo não tem sido exatamente a mão invisível do mercado, mas a mão visível do estado. O primeiro trimestre de cada ano tende a ser marcado por menos gastos das famílias – em relação aos últimos três meses do ano anterior. Essa tendência, porém, tem mudado nos últimos anos, com a antecipação de benefícios pelo governo. E em 2024 a diferença foi notória, com o consumo das famílias no primeiro tri superando em 1,5% o do último de 2023.
“Trata-se um reflexo desse cenário que a gente tem visto: um mercado de trabalho forte, impulso fiscal e a antecipação de uma série de benefícios que tendem a impulsionar consumo, especialmente em curto prazo”, diz Yara Cordeiro, economista da Novus Capital.
Em 2024, houve ainda o efeito do pagamento dos precatórios feito no final do ano passado, na casa das dezenas de bilhões de reais.
Alberto Ajzental, economista e professor de economia da FGV, ressalta que pesa a favor do aumento do consumo a redução do desemprego, mas o nível de inadimplência ainda preocupa, e a alta pode acabar não tendo efeito duradouro. “Pode ser que reflita no PIB, mas vai ser ‘fogo de palha'”, explica ele.
Para Francisco Pessoa, economista sênior na LCA Consultores, o consumo das famílias ajudou a puxar o PIB para cima não apenas pela situação favorável do mercado de trabalho. “Também tem a renda, que está ajudando, por causa dos programas de transferências.”
Ainda pela ótica da demanda, o consumo do governo teve alta de 2,6% na comparação com o primeiro trimestre do ano passado, mas ficou estagnada em 0% observando a variação com o último trimestre de 2023.
Investimento e impostos
Ponto positivo: o IBGE destacou, nesta terça, o crescimento da chamada Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que, após três quedas consecutivas, registrou crescimento de 2,7% comparando com o mesmo período de 2023 e de 4,1% comparando com o trimestre anterior.
A FBCF representa os investimentos em capacidade produtiva, como a compra de máquinas e equipamentos. A construção civil também entra nesse bolo.
Essa alta vem, paradoxalmente, num momento de queda na produção de maquinário. O IBGE explica, em nota: “O crescimento das importações de bens de capital, o desempenho positivo da construção e o aumento do desenvolvimento de sistemas suplantaram a queda na produção interna de bens de capital.”
Com isso, a proporção da Formação Bruta de Capital Fixo em relação ao total do PIB, em valores correntes, chegou a 17%, mesmo patamar das despesas de consumo do governo.
Ajzental, da FGV, ressalta que “a Formação Bruta ajuda a indústria da transformação”, um dos poucos destaques entre as atividades industriais nesse semestre. E diz que ela é fundamental para indicar um futuro mais sustentável da economia, para reduzir a dependência no estímulo pontual ao consumo por meio de antecipação de benefícios e estimular o crescimento da massa salarial.
“O Brasil tem investido muito pouco em bens de produção, bens intermediários. Se não investe em máquinas, não vai crescer lá na frente.”
Alberto ajzental, professor de economia da fgv
Já o avanço de 3,4% dos impostos na comparação anual surpreendeu Pessoa, da LCA Consultores, que já está avaliando se eleva a projeção do crescimento do PIB para o ano.
“Se você pega o que é atividade mesmo [da economia], não veio muito diferente. O que surpreendeu para cima mesmo foi o imposto, que estava vindo sempre abaixo do valor adicionado, e nesse ano veio bem acima”, explicou ele.
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Serviços carregaram o piano
Na comparação com o último trimestre de 2023, o avanço de 0,8% no PIB brasileiro foi impulsionado principalmente pelo setor de serviços, com avanço de 1,4%, e pelo agro, que cresceu 11,3%.
Já a indústria ficou estável, em -0,1%.
Compare abaixo a variação do PIB anual do PIB desde 2019, total e por setor:
O caso da agropecuária vale atenção. Apesar da bela alta de dois dígitos na variação trimestre a trimestre, houve queda de 3% na comparação anual.
De acordo com o IBGE, “alguns produtos agrícolas, cujas safras são significativas no primeiro trimestre, apresentaram queda na estimativa de produção anual e perda de produtividade”, com destaque para a soja, o milho, o fumo e a mandioca, que tiveram queda de -2,4%, -11,7%, -9,6% e -2,2%, respectivamente.
No caso da indústria, houve alta de 2,8%, com destaque positivo para as indústras extrativas (crescimento de 5,9%) e de eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resídios (4,6%).
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Outro destaque, segundo o IBGE, foi o subsetor de construção, com a segunda alta consecutiva (dessa vez, de 2,1%), que o instituto atribuiu ao “aumento da ocupação na atividade e da produção dos insumos típicos”.
Já no caso dos serviços, o crescimento entre janeiro e março foi de 3% na comparação com o primeiro trimestre de 2023, com desempenho positivo em todos os subsetores, em especial o de outras atividades de serviços (alta de 4,7%), informação e comunicação (4,6%) e atividades imobiliárias (3,9%).
A proporção dos serviços na composição do PIB brasileiro, porém, recuou de 61% no quarto trimestre de 2023 para 58% no primeiro deste ano, com aumento da participação do agro chegando a 7%:
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Como reflexo dos desempenhos positivos do consumo, a perda de força do agro e o ligeiro recuo de -0,4% na indústria extrativa, as importações de bens e serviços cresceram mais no último trimestre (6,5%) do que as exportações, que tiveram avanço tímido de 0,2%:
Spoilers para o resto do ano
Com as primeiras análises sobre surpresas e confirmações da divulgação desta terça, Ajzental espera que a taxa acumulada do PIB, atualmente em 2,5%, siga se ajustando para convergir para a projeção de 2,05% até o último trimestre.
Para Yara Cordeiro, da Novus Capital, o consumo mais forte que o esperando no início de 2024 “não é algo que mude o cenário até o final do ano”.
Ela ressalta ainda a incerteza em torno de como o desastre climático no Rio Grande do Sul vai impactar os diversos setores.
O consultor Francisco Pessoa diz que os efeitos podem ser negativos ou positivos, dependendo do subsetor.
“O agro vai vir pior”, estima ele, ressaltando que o Rio Grande do Sul tem bastante peso em produtos que tinham projeções de alto crescimento, como o trigo (a alta esperada era de 27% no ano) e o leite. “E tem uma parte de serviço perdida que não tem volta”, diz ele, que não descarta prejuízos nas atividades de seguros, por exemplo.
“Mas você vai ter um esforço de recompra de bem de consumo durável, móvel, carro, esse tipo de coisa. Da própria construção civil, da reconstrução das residências.”
Francisco Pessoa, economista sênior da LCA consultores
Outros aspectos não relacionados ao RS e que podem ter efeito, segundo ele, incluem as incertezas geopolíticas em relação às eleições nos Estados Unidos e à situação econômica da Argentina, uma expectativa de recuo nas atividades de indústria extrativa mineral e melhoras na construção e indústria de transformação. “Mas a visão está mudando basicamente por conta da alta dos impostos”, resume o economista.