As ações da Ultrapar (UGPA3) ganharam uma notoriedade especial em agosto. Foi naquele momento que a Polícia Federal deflagrou a Operação Carbono Oculto para investigar irregularidades na comercialização de combustíveis – uma pedra no sapato para empresas como a Ultrapar, Raízen e Vibra. As ações das três companhias reagiram em alta forte à notícia do combate às práticas ilegais nesse setor. Mas quem se destaca entre elas é a Ultrapar.

A ação da holding que controla os postos Ipiranga subiu 8% em 28 de agosto, dia da operação da polícia federal. Desde então, acumula uma valorização de 13,12%. Com isso o ganho no ano chega a 31,42%. Mas nem de longe essa valorização pode ser atribuída apenas à operação da PF: outros fatores estruturais e de gestão têm sustentado a recuperação da Ultrapar e reposicionado a empresa em um patamar mais sólido de rentabilidade.

Em recuperação

Além dos postos Ipiranga a Ultrapar é a dona da distribuidora de gás GLP Ultragaz, da Ultracargo, de armazenagem de granéis líquidos, e da Hidrovias do Brasil, de logística para transporte de cargas por meio de hidrovias. E esses ganhos recentes podem ser entendidos como uma recuperação: é que, nos últimos 12 meses, a ação ainda carrega uma variação negativa de 6,08%.

Um dos pontos de atenção para o grupo veio da Ultragaz. É que o mercado mostrou bastante preocupação com as propostas da Agência Nacional do Petróleo (ANP) de mudanças na regulação no setor de gás de cozinha (GLP) o que poderia alterar o modelo de negócio. Em específico, as duas principais propostas que assustaram os investidores foram a permissão do enchimento cruzado (uma distribuidora poder encher botijões de outra marca) e do enchimento parcial de botijões.

Para empresas como a Ultragaz, que investiram décadas na construção de suas marcas e na segurança de seus botijões, essas mudanças representariam um risco. A permissão para que qualquer concorrente enchesse seus botijões poderia, na visão do setor, comprometer a segurança e a rastreabilidade do produto, além de diluir o valor da marca. Foi essa incerteza que pressionou as ações.

No entanto, segundo analistas do Santander, o mercado superestimou esse risco. A própria gestão da Ultrapar, em conversas com investidores, se mostrou confiante de que as propostas são “improváveis de serem implementadas”, uma vez que uma consulta prévia sobre o tema teve 244 de 247 manifestações contrárias às ideias. Foi essa percepção de que o pessimismo foi exagerado que ajudou a criar um bom ponto de partida para a recuperação recente das ações.

Os acertos da Ultrapar

Mas talvez o principal destaque nesse processo de recuperação seja a virada operacional da Ipiranga. Após um período desafiador, a empresa passou por um forte processo de reestruturação e voltou a ser o principal motor de resultado do grupo, gerando um lucro operacional (EBITDA) de R$ 1,5 bilhão apenas no primeiro semestre de 2025. Essa performance foi crucial para que a Ultrapar, como um todo, registrasse um lucro líquido de R$ 1,08 bilhão no segundo trimestre, uma alta de 148% em relação ao ano anterior, atingindo uma margem líquida final de 3,2%.

Tem também o desempenho da Ultragaz. Para entender a sua força atual, é preciso voltar a 2020, com a privatização da Liquigás. Embora seja um evento de cinco anos atrás, analistas do Itaú BBA o consideram um “marco transformacional” para o setor. Antes, a presença de uma estatal limitava a rentabilidade de todos. Com a sua saída, a competição se tornou mais focada em resultados, permitindo que empresas como a Ultragaz estabelecessem um novo patamar de margens de lucro mais saudáveis e sustentáveis. A Ultragaz não apenas se beneficiou do novo cenário, como superou os concorrentes com uma estratégia de focar em clientes de maior rentabilidade.

O braço de logística para granéis líquidos da Ultrapar, a Ultracargo, também contribuiu para os bons resultados, beneficiando-se da alta movimentação nos portos e de sua estratégia de expansão. A visão de analistas, como os do Itaú BBA, é de uma melhora contínua na rentabilidade da empresa, projetando um crescimento no seu lucro operacional por volume de cerca de 10% entre 2023 e 2025.

Perspectivas futuras

O bom desempenho tem gerado otimismo no mercado. O banco Santander, por exemplo, elevou recentemente sua recomendação para as ações de “neutra” para “outperform” (desempenho acima da média), citando os bons resultados, a solidez do balanço e um preço de ação que se tornou atrativo.

Para os próximos meses, as perspectivas são positivas. A gestão da Ultrapar espera que as margens continuem fortes no terceiro trimestre de 2025, tanto na Ipiranga quanto na Ultragaz. Para a Ipiranga, analistas do Santander projetam uma margem operacional entre R$ 150 e R$ 170 por metro cúbico.

Olhando para os fundamentos e a estratégia de longo prazo, a palavra-chave é disciplina. A principal prioridade da Ultrapar agora é colocar as contas em ordem, reduzindo o nível de endividamento. A empresa quer chegar ao fim de 2025 com uma dívida considerada saudável em relação ao que gera de caixa. Só depois de atingir essa meta é que deve pensar em novos investimentos ou em aumentar a distribuição de dividendos aos acionistas.

Olhando adiante, a estratégia passa por ampliar a operação da Ultracargo e investir em novas soluções de energia na Ultragaz, como gás natural comprimido e biometano.