Os Bancos Centrais do Brasil e dos EUA estão alinhados: as tarifas comerciais impostas pelo governo de Donald Trump já estão se refletindo nas duas economias. E para o mal. Com o choque de preços esperado para diversas cadeias de produção, uma coisa é certa: a política monetária – tanto aqui, quanto lá fora – permanecerá apertada por mais tempo.

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central manteve a Selic em 15% ao ano pela segunda reunião consecutiva. Mais cedo, o Federal Reserve (o BC americano) também optou por deixar inalterada a taxa de juros, na faixa entre 4,25% e 4,50% ao ano.

A palavra da vez é cuidado. “O Comitê tem acompanhado, com particular atenção, os anúncios referentes à imposição pelos EUA de tarifas comerciais ao Brasil, reforçando a postura de cautela em cenário de maior incerteza”, escreveu o Copom no seu comunicado, divulgado na noite desta quarta-feira (30).

Foi o mesmo ponto de vista que o presidente do Fed, Jerome Powell, deixou explícito durante a coletiva de imprensa realizada hoje, logo depois da decisão de manter os juros inalterados: o efeito das tarifas comerciais está começando a aparecer nos preços ao consumidor. “E esperamos ver mais disso adiante”, afirmou. O resultado? Uma potencial correção de rota da política monetária, com adiamento dos tão esperados cortes de juros.

A verdade é que uma parte dos participantes do mercado financeiro já nutria expectativas de que um corte de juros poderia estar mais próximo, tanto aqui, quanto lá fora. E isso, inclusive, ajudou a explicar a recente recuperação das bolsas. Para os EUA, a previsão dominante era de que isso pudesse acontecer já a partir de setembro. Para o Brasil, um pouco depois, em algum momento na primeira metade do ano que vem.

Agora, as coisas mudam um pouco de figura – e fica consolidada a visão de que há menos espaço para um afrouxamento monetário.

Os dois BCs também estão fugindo de problemas políticos. Afinal, nos dois casos, defendem que sua atuação é técnica e respeita somente os dados e o que eles indicam a respeito do comportamento da inflação. Mas não dá para ignorar os fatos: no Brasil e nos EUA, mesmo que os eventos políticos não sejam exatamente um problema de bancos centrais, as suas consequências são.

No caso do Brasil, o Copom novamente acenou para o governo ao elencar sua preocupação em relação à situação fiscal, como incansavelmente vem fazendo há várias reuniões, afirmando que acompanha de perto o tema e seus efeitos.

Nos EUA, com Trump ampliando a pressão para que a autoridade monetária derrube as taxas de juros, Powell correu para aplacar os ânimos: afirmou que o dissenso na decisão de manter os juros inalterados – dois membros do Fed, ambos indicados por Trump, votaram por um corte nas taxas – faz parte do jogo, com tudo bem explicado.

A verdade é que os efeitos reais do aumento das tarifas comerciais sobre a atividade econômica no Brasil e nos EUA – e no mundo todo, claro – são incertos. E isso tem tudo a ver com o vaivém nas decisões da administração republicana. Ao assinar hoje a decisão final das novas alíquotas sobre o Brasil, Trump poupou, no fim das contas, itens como suco de laranja, diferentes tipos de celulose e aeronaves civis, além de suas peças e componentes.

Mas isso não acabou com a insegurança, que já produz seus efeitos. O maior receio atualmente é de que as empresas americanas repassem o aumento dos custos que elas já estão percebendo para os consumidores. E, se a inflação sobe lá fora, ela também se torna um problema para o Brasil e para todo mundo.

Ou seja: a flexibilização comercial do governo americano para o Brasil hoje é até uma boa notícia, mas em um mundo certamente mais caótico, em que os emergentes podem sair perdendo muito mais. Luz amarela. Para o Brasil, resta agora acompanhar os desdobramentos das tarifas a partir de 6 de agosto, quando começam para valer.