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Estava quase. A bolsa bem que ensaiou uma recuperação. O Ibovespa, o principal índice acionário brasileiro, teve a melhor primeira metade de ano desde 2016. De janeiro a junho, o indicador acumulou uma alta de 15,44%. E não parou aí. Já na primeira semana de julho, entre dias 3 e 4, o referencial quebrou duas vezes o recorde nominal. Mas em três dias tudo ruiu.

Diante da tarifa de 50% imposta pelo presidente dos EUA Donald Trump na quarta-feira o Ibovespa voltou rapidamente a negociar na casa dos 137 mil pontos. E a tendência é de recuar ainda mais.

O episódio de 9 de julho mostra o quão complexa e pouco previsível será a trajetória da bolsa daqui para a frente. Até o início da semana, as maiores chances apontavam para uma trajetória ascendente, com um mini rali proporcionado pelo dinheiro de fora que veio ao mercado local em busca de pechinchas e de alternativa de diversificação fora dos Estados Unidos. Mas esse mesmo fluxo já começa a ser revertido após a elevação das tarifas. Como ainda há ainda algumas semanas até o dia primeiro de agosto, muita água ainda vai correr nesse meio tempo.

O impulso da renda variável no Brasil, especialmente a partir do segundo trimestre, veio de um movimento global. As incertezas trazidas pelas tarifas do presidente americano Donald Trump somadas ao caldeirão geopolítico e ao enfraquecimento do dólar têm levado grandes investidores institucionais a reduzir, em alguma medida, a exposição aos EUA. E essa parcela de dinheiro, apesar de relativamente pequena, tem poder de movimentar – e muito – as bolsas dos emergentes, incluindo a nossa.

O sócio e co-gestor de fundos de ações da JGP, Fabio Fonseca, explica que não se trata de nenhuma reversão de fluxo, mas de um ajuste menor de carteiras lá fora. “Qualquer pequena mudança no portfólio estrangeiro vira muito relevante para o Brasil, porque nós ficamos muito pequenos nos índices de mercados emergentes.”

Outras bolsas na América Latina viveram saltos parecidos ou até mais altos do que a do Brasil. No Chile, o principal referencial o S&P IPSA acumulou ganho de 19,1% no primeiro semestre. Na Colômbia, o COLCAP alcançou subida de 19,5%, e, no México, o IPC BMV teve avanço de 16,8%.

Recorde verdadeiro ainda está distante

Além disso, o recorde nominal de fechamento do Ibovespa, de 141.264 pontos, não significa a verdadeira marca histórica. Em valores reais, o maior patamar do indicador ocorreu em 20 de maio de 2008. Se aplicarmos a inflação acumulada de lá para cá, temos que o referencial precisaria superar os 187 mil pontos para registrar a máxima real.

A bolsa brasileira, na verdade, mantém-se historicamente barata desde o início de 2024. E ainda tem desconto. “Essa alta que definiu a atual máxima nominal pode ser só uma mera fração de um período maior de ganhos”, afirma o gestor de renda variável da Nero Capital, Daniel Utsch.

Para entender a ideia de bolsa barata é preciso conhecer uma medida adotada pelo mercado para saber se uma ação ou índice está acima ou abaixo do preço médio. É o múltiplo preço sobre lucro (P/L). Essa métrica indica, na prática, quantos anos de lucro seriam necessários para pagar o valor da empresa. Quanto maior, mais caro o papel está sendo negociado.

No caso do Ibovespa, o indicador negocia atualmente com um P/L de 8 x (vezes). É um resultado baixo, comparado à média dos últimos 25 anos de 10,9 x. Isso significa que o índice negocia com um desconto de cerca de 30% em relação à essa média histórica.

A hora é essa?

Então chegou a hora de voltar às ações? Mas, se o cenário permanece desfavorável desde 2024, como saber o momento exato de retornar à bolsa? Para os gestores ouvidos pelo InvestNews, o cenário ainda pode ser de cautela, mas quem começar agora a remontar gradualmente a posição em renda variável terá mais chances de surfar uma eventual onda futura de ganhos com os papéis de empresas listadas.

A possibilidade de a bolsa engatar uma sequência mais sustentável de altas, o chamado rali, começa a aumentar. Isso porque, depois de navegar por vários trimestres na escuridão do juro em elevação e das incertezas fiscais, os investidores já começam a vislumbrar alguma luz no horizonte.

Uma das mais claras é a sinalização pelo Banco Central de que o ciclo de elevação da taxa básica Selic pode ter terminado na reunião de junho. O mercado, inclusive, já começa a apostar em queda de juros antes mesmo de 2025 acabar.

Além disso, nos EUA, o Federal Reserve (Fed, o bc americano) também dá mostras que pode iniciar um período de redução de juros, provavelmente, em setembro. É um movimento que historicamente ajuda a revigorar o interesse dos investidores internacionais por ativos mais arriscados, mas com maior potencial de retorno.

Incertezas ainda predominam

E o que pode dar errado? Muita coisa. Quem decidir aumentar a parcela de ações no portfólio, terá de se preparar para muito sobe e desce dos mercados.

O episódio de elevação das taxas contra o Brasil foi um exemplo de como o cenário pode sofrer uma reviravolta de um momento para outro.

As incertezas com as tarifas impostas por Trump, se persistirem por muito tempo, têm potencial para desacelerar a economia brasileira e até mesmo respingar nos EUA. Afinal, o comércio entre Brasil e Estados Unidos tem sido superavitário aos americanos.

Em um desenvolvimento mais duro, se os Estados Unidos realmente adotarem barreiras comerciais tão elevadas contra vários países além do Brasil, haveria efeitos potencialmente perigosos para o mercado americano. Uma consequência seria o aumento da pressão inflacionária. No limite, as tarifas podem até desestabilizar as cadeias produtivas.

No Brasil, junto com o cenário internacional, a própria antecipação das preocupações com a corrida eleitoral de 2026 vai aumentar a volatilidade no mercado. Como pano de fundo, aparecem as incertezas sobre o caminho fiscal do país. Se houver uma deterioração de expectativas, como o governo descartar o arcabouço fiscal ou se ocorrer uma grande piora nos indicadores de endividamento público, o caldo da renda variável entorna de novo.

Mas também há possibilidade de se consolidar algum quadro intermediário. Se o presidente Trump, por exemplo, recuar ou manter apenas tarifas pontuais em lugar de adotar um confronto amplo em várias frentes. No Brasil, o governo pode sinalizar uma maior disciplina fiscal mesmo sem resolver questões estruturais do aumento do endividamento público.

Ganho potencial e volatilidade

Para o sócio e CEO da Reach Capital, Ricardo Campos, os brasileiros precisam pensar na bolsa como uma alocação estrutural. Isso significa olhar o longo prazo e mais dentro de uma estratégia de diversificação em busca de maior eficiência entre risco e retorno.

Para a pessoa física, portanto, a melhor forma de ganhar com um rali na bolsa não é tentar adivinhar quando entrar e sair, mas estar posicionado antecipadamente. Segundo o gestor, o investidor local já deveria começar a aumentar gradualmente essa posição em bolsa. O risco? “Perder um rali que tem potencial de ser o maior em 20 anos.”

De acordo com Campos, os brasileiros atualmente estão com um nível de exposição à renda variável de menos da metade da média dos últimos anos. A alocação em ações e fundos acionários caiu de 12% dos portfólios para menos de 5%.

Fonseca, da JGP, considera haver potencial maior de ganho, em um eventual rali futuro, para os grupos brasileiros mais cíclicos. “No Ibovespa, a parte mais alinhada à dinâmica macro tem andado melhor do que a fatia ligada às commodities.” O gestor explica que para as empresas domésticas voltarem aos múltiplos vistos antes de 2024, as cotações teriam de subir perto de 50%. É uma medida que funciona para você ter uma ideia de quão descontados ainda estão alguns papéis.