Os retornos são históricos, mas os riscos também. Os certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e de recebíveis do agronegócio (CRA) atraem investidores em busca de uma remuneração que, no momento, consegue superar até as de outros produtos de crédito privado, como as debêntures. E ainda por cima com isenção de impostos de renda sobre os ganhos para pessoa física. Mas, mais do que nunca, vale a máxima de que quanto maior o retorno maior o risco: o investidor precisa ter muita cautela quando a promessa de ganhos parece alta demais.

Assim como as debêntures, os certificados apresentam uma grande variedade de emissores, com tamanhos, perfis de risco, retornos e prazos diferentes. Nesse mercado os investidores não raro se deparam com taxas como IPCA+ 15% ou até acima disso. Embora sejam números muito tentadores, em geral, retornos tão altos vêm de papéis emitidos por empresas de menor porte e perfil mais arriscado que precisam pagar mais para atrair os investidores. O problema é que o momento é de risco em ascensão em meio a um ambiente de juros acima de 10% há três anos e meio e com a taxa básica Selic em 15% ao ano, ou seja, no maior patamar desde 2006.

Os dados da plataforma CR Data mostram que houve um crescimento de 29,5% na quantidade de CRAs inadimplentes no primeiro semestre de 2025 frente ao mesmo período do ano passado. A situação pode ser ainda mais preocupante, se comparamos com a primeira metade de 2023. Nessa base, houve um salto de quase seis vezes no número de CRAs com atrasos em pagamentos.

Os CRIs seguiram um padrão semelhante. Em 2025 até junho, houve um crescimento anual de 97% em relação à quantidade de papéis inadimplentes. Mas frente à primeira metade de 2023, houve um avanço de cinco vezes em termos numéricos.

De qualquer modo, apesar da forte elevação dos atrasos, o diretor do CR Data e especialista em CRIs e CRAs do Clube FII, Felipe Ribeiro, ressalta que os números, na verdade, acendem mais um sinal amarelo do que um alerta vermelho ao setor. Todos os atrasos em pagamentos, segundo ele, ocorreram em títulos com retornos fora da curva, acima de IPCA+ 12% ao ano.

Esses certificados são classificados como “high yield”, ou seja, com remuneração mais elevada porém com riscos igualmente altos. No geral, foram emitidos por empresas menores e mais vulneráveis aos cenários econômicos.

Além disso, a taxa de inadimplência em termos absolutos permanece administrável. Os percentuais de CRIs e CRAs em “default” comparado ao estoque total de papéis no mercado alcançaram 4,75% e 3,64%. Para Ribeiro, seria preciso passar de 10% para a situação ficar preocupante.

Oportunidades no high grade

Mas isso significa que ficou complicado investir em CRIs e CRAs? Ainda não. Mesmo com o risco em alta, o mercado guarda muitas oportunidades para quem busca diversificar no crédito privado e travar retornos que não se veem há quase uma década. Há muitas companhas sólidas que acessam esses segmentos para se financiar.

Existem muitos papéis com taxas em patamares historicamente altos no segmento chamado de “high grade”, ou seja, de companhias com o melhor perfil de crédito e, portanto, menos arriscadas. São, em geral, grandes grupos do agronegócio, de papel e celulose ou do setor imobiliário, como BRF, Raízen, Marfrig, JBS e Klabin, MRV e Direcional.

É possível encontrar no mercado, por exemplo, CRAs de companhias como a Klabin, com vencimento em março de 2029 e remuneração atual de IPCA+ 7,68%, ou da Raízen, com prazo até julho de 2029 e retorno de IPCA+ 8,63%. O frigorífico Marfrig é outro que captou com um certificado do agronegócio que termina em julho de 2031 e, atualmente, paga IPCA+ 8,23%.

Entre os CRIs, o papel da incorporadora MRV com vencimento em fevereiro de 2029 tem remuneração de IPCA+ 9,29%. Já o certificado da Direcional Engenharia com prazo até junho de 2032 oferece um retorno de IPCA+ 8,22%.

O sócio e chefe comercial da Vert, Gabriel Lopes, afirma ainda ver possibilidade de os CRIs e CRAs passarem por uma corrida de emissões até o fim do ano. Isso por conta da possibilidade de fim da isenção de IR. Nesse caso, os investidores podem ter uma janela favroável para acessar novas ofertas em condições atrativas.

A mudança tributária está prevista em uma medida provisória que ainda vai ser votada pelo Congresso. O projeto estabelece que a partir de janeiro de 2026 os certificados isentos e todos os demais produtos que contam com o benefício fiscal, como debêntures incentivadas e fundos imobiliários, passarão a ter uma cobrança de 5% de imposto de renda sobre os rendimentos.

Os CRIs e CRAs, entretanto, apresentam diferenças importantes em relação a outros títulos isentos. Além das garantias atreladas ao papéis, o que confere um grau a mais de proteção no caso de inadimplência, os títulos costumam ter prazos mais curtos, entre 3 a 7 anos, comparados às debêntures incentivadas, que exibem uma média de vencimentos de 11 anos.

O que são títulos securitizados

A maior parte dos CRIs e dos CRAs, cerca de 75%, usa como fórmula de remuneração o IPCA+. Nesse modelo, o papel paga a variação do índice de inflação mais uma taxa. Mas há emissões, em geral, de prazos mais curtos atreladas ao referencial de juro pós-fixado, o CDI. O tipo mais comum é o certificado que remunera a variação do CDI + uma taxa, conhecida no mercado como CDI+. No entanto, há alguns títulos que oferecem um retorno calculado como percentual do CDI, por exemplo, 100% do CDI.

Os CRIs e os CRAs são títulos securitizados. Isso significa que contam com garantias: no caso de o emissor não conseguir pagar, a dívida é coberta pelos ativos atrelados aos aos papéis. Na securitização, os títulos usam como lastro recebíveis, ou seja, compromissos que representam um fluxo futuro de entrada de recursos, como contratos de compra e venda a prazo ou de locação.

Em caso de recuperação judicial da companhia que captou os recursos, os certificados, geralmente, ficam de fora da lista de créditos sujeitos ao processo. Isso porque essas garantias são estruturas específicas e apartadas do patrimônio do emissor, conforme definido na Lei das SA. No entanto, já houve casos de judicialização que incluíram os títulos nos processos e, desse modo, os detentores ficaram sem receber durante a validade da decisão.

Foi o caso de CRIs do grupo hoteleiro Gramado Parks em 2023, que totalizavam uma dívida de R$ 1,3 bilhão. A Justiça suspendeu o pagamento dos certificados com o argumento de que isso inviabilizaria o plano de recuperação. No entanto, oito meses mais tarde, houve um desfecho favorável aos detentores dos títulos, com a renegociação dos termos e a retomada dos pagamentos por parte do emissor.

Liquidez também pode ser risco

O cenário de juro altos pode afetar, além do emissor, os próprios clientes que pagam os recebíveis. Por exemplo, uma incorporadora usou o contrato de uma venda de um prédio para uma determinada empresa. Se esse cliente der calote, isso vai afetar o fluxo de recebimentos do título. A companhia que emitiu, no entanto, precisa cobrir esse rombo e, caso não consiga, vai ficar inadimplente.

Além do risco de crédito, investir nesses papéis significa entrar em um casamento financeiro de longo prazo. São títulos emitidos com prazos menores do que os das debêntures, mas ainda assim longos, entre 3 e 7 anos.

O problema é que a maioria tem pouca liquidez. Isso significa que vendê-los antes do prazo se torna uma missão muito difícil e que, em geral, exige oferecer um desconto grande. Podemos comparar esse desafio a vender uma casa em uma localização isolada. Se não houver interesse de compradores, a única chance de o proprietário vender, no geral, é se oferecer o imóvel a um preço bem abaixo do mercado.

De qualquer modo, sempre vale lembrar as recomendações que servem para todos os produtos de crédito privado: quem mantiver o título até o vencimento vai receber o retorno contratado. Um prejuízo só ocorre de fato se o investidor vender o título antes do prazo e em condições desfavoráveis de mercado.

No caso dos CRIs e CRAs, é preciso fazer uma ressalva adicional: procure saber mais sobre a solidez do negócio que está tomando o dinheiro e sua capacidade de pagamento. Se achar que não tem conhecimentos suficiente para fazer essa análise, uma maneira de aplicar nesses segmentos é por meio de fundos imobiliários (FII) ou do agronegócio (Fiagro), onde uma equipe profissional cuida da seleção dos papéis na carteira.

Também entre os fundos vale lembrar que existem vários FIIs ou Fiagros considerados como high yield que usam estratégias mais arriscadas de olho em um rendimento maior. Por isso, quem não tiver estômago para aguentar as oscilações do valor das cotas, que vão reagir às visões do mercado sobre os juros, o cenário econômico e até o noticiário político, melhor manter o dinheiro no CDI. No longo prazo, porém, você pode estar deixando de lado um retorno que talvez demore a se repetir.