Os Estados Unidos realizaram ataques aéreos contra três instalações nucleares no Irã durante a noite, entrando diretamente na guerra de Israel com Teerã, apesar das promessas de longa data do presidente Trump sobre evitar novos conflitos externos.

Trump afirmou que as principais instalações de enriquecimento de urânio do Irã foram “totalmente obliteradas” e ameaçou ataques “muito maiores” caso a República Islâmica não concorde com a paz, aumentando a perspectiva de um envolvimento mais profundo dos EUA na guerra no Oriente Médio, iniciada por Israel há nove dias.

Autoridades iranianas disseram que os ataques contínuos de Israel — agora com a participação dos EUA — deixaram pouco espaço para a diplomacia, argumentando que não há como negociar enquanto o país estiver sob ataque. Teerã disparou mísseis contra Israel em resposta, mas até agora evitou atingir forças ou ativos americanos na região.

Segundo o New York Times, bombardeiros B-2 lançaram uma dúzia de bombas “bunker-buster” de 13 toneladas sobre Fordow, um local de enriquecimento de urânio enterrado sob uma montanha. Natanz e Isfahan, outras duas instalações nucleares, também foram atacadas com armas semelhantes e mísseis de cruzeiro, lançados por submarinos.

“Nossa meta foi destruir a capacidade de enriquecimento nuclear do Irã e eliminar a ameaça nuclear representada pelo maior patrocinador estatal de terrorismo do mundo”, disse Trump. “O Irã, o valentão do Oriente Médio, precisa agora fazer as pazes. Se não fizer, os próximos ataques serão muito maiores — e muito mais fáceis.”

O ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, chamou os ataques americanos de “ultrajantes e com consequências eternas”.

A Guarda Revolucionária Islâmica declarou que continuará a atacar Israel em resposta e citou bases americanas na região como uma vulnerabilidade dos EUA, mas sem fazer ameaças diretas. O líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, ainda não fez uma aparição ou comentário público sobre os bombardeios.

Apesar da declaração de Trump de que todas as instalações nucleares alvo foram destruídas, nem Israel nem o Irã divulgaram avaliações definitivas sobre os danos.

A agência reguladora nuclear iraniana afirmou que não houve sinais de contaminação por radiação e que havia tomado precauções em antecipação a um ataque.

Escalada inédita

A entrada oficial dos EUA no conflito representa uma escalada extraordinária por parte de Trump — a decisão de política externa mais impactante de seu mandato até agora.

Ao ordenar os ataques, Trump desafiou alertas de aliados importantes no Oriente Médio e na Europa, além da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que advertiu repetidamente contra ataques a instalações nucleares, citando o risco de contaminação radioativa.

O Irã sempre sustentou que não busca armas nucleares, posição que vem sendo reforçada em avaliações recentes de inteligência dos EUA, que concluíram que Teerã ainda não tomou a decisão de desenvolver uma bomba. Trump rejeitou essas conclusões e se recusou a descartar o apoio aos ataques israelenses contra a República Islâmica.

As preocupações ocidentais e árabes com o programa nuclear iraniano cresceram nos últimos anos, à medida que Teerã passou a enriquecer urânio muito além dos níveis exigidos para uso civil. O Irã está atualmente processando material próximo à pureza de grau militar, o que, segundo os países ocidentais, carece de justificativa dada a demanda civil atual.

Os ataques dos EUA podem desencadear retaliações contra ativos americanos no Oriente Médio. No início do conflito, Khamenei já havia alertado Washington sobre “danos irreparáveis” caso bombardeasse o país.

Os EUA provavelmente terão que colocar suas tropas em alerta máximo. Atualmente, há cerca de 50 mil militares americanos na região, a maioria em Kuwait, Catar, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Iraque e Arábia Saudita.

No Iêmen, os houthis, grupo militante apoiado pelo Irã, emitiram novas ameaças contra navios comerciais e navais dos EUA. Até um cessar-fogo em maio, os houthis vinham disparando drones e mísseis contra embarcações ocidentais no sul do Mar Vermelho.

Possível saída do tratado nuclear

Também existe a possibilidade de o Irã optar por deixar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), segundo Ali Vaez, diretor do projeto Irã no International Crisis Group. O TNP é o principal acordo internacional de controle de armas que obriga os signatários a aceitar inspeções da AIEA. Se o Irã saísse, o mundo teria ainda menos informações sobre o que restou de suas instalações atômicas.

O ministro Abbas Araghchi deixou essa porta aberta, questionando a eficácia do tratado, já que ele “falhou em proteger o Irã de ataques”.

“Espero que os iranianos sejam comedidos na resposta, mas certamente haverá uma resposta”, disse Barbara Slavin, pesquisadora do Stimson Center. “Isso é um ato de guerra por parte dos Estados Unidos contra um país estrangeiro que não nos atacou recentemente.”

Israel foi notificado previamente dos ataques, segundo uma fonte familiarizada com o assunto. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que EUA e Israel coordenaram plenamente os bombardeios.

A probabilidade de um ataque iminente parecia ter diminuído quando a equipe de Trump disse, na quinta-feira, que ele tomaria uma decisão em duas semanas.

Na sexta-feira, os ministros das Relações Exteriores de França, Alemanha e Reino Unido se reuniram com Araghchi, em Genebra, na tentativa de retomar as negociações nucleares com os EUA. O Reino Unido disse no domingo que não participou dos ataques noturnos.

O Irã vinha negociando com os EUA há cerca de dois meses, mas abandonou as conversas após os bombardeios israelenses em seu território. Havia algum progresso rumo a um acordo para limitar as atividades nucleares de Teerã em troca de alívio nas sanções, mas as negociações travaram na questão do enriquecimento. O Irã insistiu no direito de continuar enriquecendo urânio para fins civis, mesmo que em níveis baixos. Trump e Israel, por sua vez, defendem que Teerã não deveria realizar nenhum tipo de enriquecimento.

Impacto nos preços do petróleo

A guerra entre Israel e Irã despertou temores de um conflito com alto número de vítimas civis e que possa se espalhar para outros países da região, rica em energia, interrompendo os fluxos de petróleo e gás natural liquefeito (GNL). Essas preocupações entre governos e investidores devem aumentar ainda mais com a intervenção americana.

O impacto mais imediato na economia global pode vir por meio de altas nos preços do petróleo e do GNL. Cerca de um quinto da oferta diária mundial de petróleo passa pelo Estreito de Ormuz, entre o Irã e vizinhos árabes como a Arábia Saudita. Uma das opções para o Irã seria atacar ou dificultar a passagem de navios-tanque de petróleo e gás pela área.

O Brent fechou a sexta-feira a pouco mais de US$ 77 (R$ 423,50) o barril, com alta de 11% desde o início do conflito. Mais uma alta quando os mercados globais reabrirem na manhã de segunda-feira tornaria ainda mais difícil o trabalho dos principais bancos centrais na tentativa de conter a inflação.

Por dias, Trump enfrentou conselhos conflitantes de seus apoiadores, após ter feito campanha com promessas de manter os EUA fora de guerras externas, citando os casos do Afeganistão e do Iraque neste século. Aliados do movimento MAGA, como o estrategista Steve Bannon, alertaram contra qualquer intervenção americana, insistindo que essa era uma guerra que cabia a Israel concluir.

Outros republicanos pressionaram Trump a entrar no conflito contra o Irã, argumentando que Teerã estava mais vulnerável após os ataques israelenses e que essa era uma oportunidade de cumprir a promessa do presidente de que o regime iraniano jamais teria uma arma nuclear.

Israel afirmou que seus ataques ao Irã visam atrasar ou destruir seu programa nuclear. No domingo, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel, Effie Defrin, disse que o país continuará sua missão, citando a ameaça existencial representada pelo Irã.

Embora Israel não tenha declarado que busca derrubar Khamenei ou a República Islâmica, autoridades israelenses disseram que esperam que os ataques minem o regime, adversário de EUA e Israel desde a revolução iraniana de 1979. Naquele ano, a monarquia alinhada ao Ocidente foi derrubada e substituída por um governo teocrático.

Israel precisava da ajuda dos EUA para atacar os locais nucleares porque carecia das bombas de alta penetração e dos bombardeiros furtivos B-2 necessários para destruir instalações subterrâneas profundas como Fordow e Natanz.

Teerã vem respondendo aos bombardeios israelenses com ondas diárias de mísseis balísticos e drones contra Israel. Houve mais um ataque horas depois dos bombardeios americanos.

A capacidade de reação do Irã pode ser limitada pela fraqueza de sua economia, com uma inflação próxima de 40%, e pelo isolamento internacional. Embora aliados como Rússia e China tenham condenado os ataques de Israel e alertado contra a intervenção dos EUA, pouco ofereceram de apoio concreto a Teerã.

“O Irã está agora em seu pior pesadelo”, disse Ryan Bohl, analista sênior de Oriente Médio e Norte da África da consultoria de risco Rane Network. “Agir ou não agir são igualmente perigosos. Se render significa abrir espaço para desafios internos; revidar significa arriscar uma campanha aérea americana que pode ter como objetivo derrubar a República Islâmica.”

Por Jennifer A. Dlouhy, Akayla Gardner e Arsalan Shahla