Cartagena (COL)* – O aço virou o termômetro da desindustrialização latino-americana e brasileira, avaliam empresários e executivos da siderurgia. Os dados mais recentes do setor para o Brasil mostram que, entre janeiro e agosto de 2025, as importações de aço laminado — também chamado de aço acabado, que pode dar origem a vergalhões para a construção civil ou chapas para a indústria automobilística — cresceram cerca de 30% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Esses produtos, de maior valor agregado e margens mais altas, já respondem por um terço do mercado interno e vêm, em grande parte, da China, onde a produção é sustentada por subsídios públicos e crédito estatal, segundo as siderúrgicas brasileiras.

O Brasil segue entre os maiores exportadores de aço semiacabado — o aço bruto, de baixo valor agregado. Ao mesmo tempo, importa aço plano, que tem maior valor agregado, mas que chega ao país custando até 40% a menos do que o produzido no mercado doméstico.

O resultado é uma queda na rentabilidade que levou a Gerdau a cortar mais de mil empregos e suspender investimentos e a ArcelorMittal reavalia seus planos bilionários de expansão no país.

O caso brasileiro resume uma crise estrutural, que atinge toda a siderurgia latino-americana. Nos últimos 15 anos, as exportações de aço da China para a região aumentaram 233%, enquanto a produção regional encolheu 13%, segundo dados da Alacero, associação que reúne os produtores do continente.

Com Estados Unidos e União Europeia erguendo tarifas de até 50%, o excedente chinês — fruto da desaceleração do gigante asiático — encontra na América Latina, especialmente no Brasil, um destino natural, favorecido por barreiras comerciais mais brandas que as impostas pelas economias desenvolvidas.

Problema estrutural

Para empresários e executivos do setor, a crise imposta pelo aço chinês deixou de ser conjuntural e passou a ser estrutural. 

Na abertura do congresso anual da Alacero, Jorge Oliveira, presidente da associação e CEO da ArcelorMittal Brasil, afirmou que a América Latina vive o momento mais desafiador da siderurgia em 15 anos, resultado de uma combinação inédita de subsídios chineses, protecionismo americano e ausência de coordenação regional.

O ex-ministro da Indústria e Comércio Exterior e ex-presidente da CNI, Armando Monteiro Neto, defendeu uma reforma dos instrumentos de defesa comercial brasileiros — como os processos antidumping, as medidas compensatórias e as salvaguardas de importação — que demoram mais de um ano para surtir efeito.

“O crescimento da indústria de transformação no Brasil é cada vez mais capturado por produtos importados. Importamos oito vezes mais do que crescemos”, disse Monteiro.

Na Colômbia, onde o setor conta com empresas como Ternium, Acesco e Sidoc, a presidente da Câmara Colombiana do Aço, Marcela Mejía, descreveu um cenário semelhante: capacidade ociosa de 36%, energia elétrica entre as mais caras da região e entrada crescente de aço chinês e russo.

Marcela fez coro a Monteiro Neto, lembrando que os instrumentos de defesa comercial da região, ainda baseados em regras dos anos 1990 da OMC, demoram até 18 meses para serem aplicados, o que inviabiliza uma reação rápida à concorrência desleal.

No México, segundo maior produtor de aço das Américas e que também conta com investimentos de Ternium e ArcelorMittal, o presidente da associação nacional Canacero, Salvador Quesada, destacou que mesmo com essa estrutura industrial robusta, o país sofre com o desvio de comércio asiático — quando o aço chinês é reexportado por países intermediários para contornar tarifas.

“As exportações chinesas agora triangulam, e chegam ao Brasil via países da ASEAN [o bloco de nações do Sudeste Asiático]. Precisamos de regras de origem mais rígidas e de uma resposta coordenada entre México, Brasil e Argentina”, afirmou Quesada.

O diagnóstico mais amplo veio do economista Bruce Mac Master, presidente da ANDI, que representa a indústria colombiana: “A América Latina não toma decisões, apenas reage. Tentamos minimizar danos, não definir rumos.”

Para ele, a região vive um processo de “reprimarização acelerada”: exporta minério, importa aço acabado e assiste, inerte, à erosão da sua base industrial.

O mapa do aço

No centro desse desequilíbrio está o Brasil, que ainda mantém uma das maiores bases industriais da América Latina, mas cada vez mais pressionada nos segmentos de maior valor agregado.

O país segue competitivo na produção de aços longos, usados na construção civil, e de semiacabados, como placas e tarugos, que são exportados principalmente para os Estados Unidos e o México — e, em menor escala, para a Europa, onde a indústria agrega valor.

Mas a indústria brasileira perdeu terreno justamente no elo mais rentável da cadeia: os aços planos, utilizados em automóveis, eletrodomésticos e máquinas. Essa diferença explica boa parte da fragilidade atual.

Enquanto o Brasil continua exportando aço bruto (semiacabado) e barato, vem importando, em ritmo acelerado, o produto final — o aço pronto para uso industrial. O cenário fez duas das maiores companhias do setor, Gerdau e ArcelorMittal, suspenderam investimentos bilionários no país.

A Gerdau congelou R$ 2,1 bilhão em investimentos no Brasil, citando um “desequilíbrio nas condições de concorrência”, e a ArcelorMittal adiou projetos de expansão em João Monlevade (MG) em torno de R$ 4 bilhões, à espera de uma reação do governo ao avanço do aço chinês. Por outro lado, anunciou investimento na planta de Tubarão (ES).

O problema começa na própria China. Com a desaceleração da construção civil e da infraestrutura doméstica, o país perdeu cerca de 150 milhões de toneladas de demanda interna desde 2020, e suas siderúrgicas migraram para os produtos de maior valor agregado — justamente os aços planos.

Para sustentar o emprego e as usinas estatais, Pequim passou a direcionar o excedente para exportação, ampliando as vendas externas em cerca de 60 milhões de toneladas em cinco anos. Boa parte desse volume encontra hoje, na América Latina, o mercado mais aberto e rentável, tendo o Brasil como principal destino.

As chapas e bobinas que chegam aos portos brasileiros custam até 40% menos que as produzidas internamente, distorcendo o preço doméstico e comprimindo margens de empresas como Usiminas, CSN e ArcelorMittal, que concentram a produção de aços planos no país.

O resultado é um paradoxo: o Brasil mantém o volume de produção, mas perde valor, complexidade e empregos qualificados. Como resumiu Jorge Oliveira, da ArcelorMittal, “estamos substituindo a indústria pela importação.”

O que falta

Enquanto os Estados Unidos conseguiram conter a entrada do aço chinês com tarifas, incentivos fiscais e uma política industrial coordenada, a América Latina segue vulnerável ao fluxo crescente de produtos subsidiados.

Dados da consultoria CRU mostram que as exportações indiretas de aço da China — o metal embutido em bens manufaturados — caíram 11% nos EUA, mas avançaram 43% na América Latina.

No Sudeste Asiático e na África, o salto foi ainda maior, mas esperado; o que surpreende, segundo analistas, é o crescimento expressivo em economias com cadeias industriais consolidadas e fronteiras abertas, como o Brasil e o México.

A especialista Margaret Myers, da Johns Hopkins University, explicou que os EUA conseguiram frear o aço chinês porque trataram o problema como questão de segurança nacional, não apenas de comércio.

“O governo americano justificou as tarifas dentro de uma política industrial de defesa nacional. A capacidade industrial passou a ser vista como crítica para a segurança do país”, afirmou.

O Brasil, por sua vez, reagiu com atraso e de forma fragmentada. Em 2024, o governo instituiu uma tarifa adicional de 25% sobre as importações de aço, medida que segue em vigor até hoje — mas o efeito foi limitado.

O setor aponta três distorções principais que anulam a eficácia das barreiras: a entrada via Zona Franca de Manaus, beneficiada por incentivos fiscais; os acordos de livre comércio com México, Egito e países do Mercosul, que reduzem alíquotas; e o subfaturamento e a triangulação via países asiáticos, como Vietnã e Indonésia, que mascaram a origem chinesa.

Em entrevista ao InvestNews em abril, o CEO da Gerdau, Gustavo Werneck, já havia criticado a falta de efetividade das medidas, dizendo que elas “não deram resposta compatível” à escalada das importações chinesas.

“As defesas brasileiras não dão resposta na velocidade do problema”, afirmou. “Nunca a Gerdau Brasil e a Gerdau Estados Unidos estiveram em situações tão distintas.”

Do outro lado, a Abimaq, que representa a indústria de máquinas e equipamentos, sustenta que a taxação brasileira encarece o insumo e aumenta os custos de produção, reduzindo a competitividade das exportações de bens industriais.

O resultado é um impasse: a defesa de um setor virou o entrave do outro — e a ausência de uma política industrial coordenada expõe um país que não sabe mais o que defender.

*O jornalista viajou a convite da Alacero