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A indústria naval brasileira parece viver de ciclos. A última fase terminou em 2017, mas deu seu último suspiro no fim de 2024, com a falência oficial da fabricante de sondas do pré-sal Sete Brasil, após acumular mais de R$ 36 bilhões em dívidas e prejuízos que atingiram os maiores bancos e fundos de pensão do país.

Agora outro ciclo parece que está prestes a começar. O momento da indústria se assemelha ao do cenário nos primórdios do pré-sal, quando a Petrobras ainda engatinhava na exploração em águas profundas. Neste ano, a petroleira brasileira começou a movimentar suas sondas para as investigações sobre os campos de óleo e gás em uma nova fronteira produtiva: a Margem Equatorial.

Essa região é considerada a mais promissora bacia para a abertura de uma nova fronteira exploratória no Brasil, com grande potencial para novas descobertas, mas com uma série de desafios socioambientais. A Margem Equatorial pode sustentar um novo ciclo de crescimento para a exploração de óleo e gás no país, com potencial semelhante ao do pré-sal.

Neste sábado, estaleiros brasileiros e chineses assinaram memorandos de entendimento para desenvolver parcerias tecnológicas e comerciais em meio a um aumento da demanda por embarcações da Petrobras. Essas cartas de intenções que podem levar a parcerias produtivas no futuro foram firmadas entre os grupos chineses COOEC, CSSC, Cosco e CIMC e os nacionais EBR, Rio Grande, Mauá e Enseada.

A retomada da indústria naval brasileira tem sido uma das promessas de campanha do presidente Luis Inácio Lula da Silva desde 2006, que a manteve em 2023. Essa mesma jura fez parte das corridas presidenciais de sua sucessora Dilma Rousseff.

Durante o Fórum Estratégico para a Indústria Naval Brasil-China, que ocorre no Rio de Janeiro neste fim de semana, a CEO da Petrobras, Magda Chambriard, chegou a afirmar haver uma grande afinidade entre chineses e brasileiros, um “match” como no “Tinder”, em alusão ao popular aplicativo de encontros. Ainda que a indústria naval brasileira não receba encomendas da Petrobras desde 2016, “estamos resgatando isso desde o ano passado e esperamos ajuda dos parceiros chineses”.

Os estaleiros assinaram os memorandos durante o evento. De lá, o presidente Luis Inácio Lula da Silva celebrou o novo capítulo dessa antiga história. “A Petrobras é do Brasil e tem a vocação de ajudar no desenvolvimento do país”, resumiu o mandatário ao colocar a petroleira novamente no centro de mais uma tentativa de retomada da indústria naval. 

Os acordos ocorrem enquanto a Petrobras e a Transpetro, subsidiária de transporte e logística da petroleira, retomam investimentos no segmento naval e offshore, apoiadas pelo Programa de Renovação e Ampliação da Frota do Sistema Petrobras.

Lançado em junho de 2024, o Programa de Renovação e Ampliação da Frota do Sistema Petrobras tem programada a contratação de 52 novas embarcações, com previsão de gerar, nessa etapa, investimentos de até R$29 bilhões, com a criação de 50 mil novos postos de trabalho.

A expectativa é de que uma futura parceria operacional leve o setor chinês a repassar tecnologia e traga mais encomendas aos estaleiros nacionais. “Existe possibilidade de, possivelmente, a indústria brasileira acessar até mesmo novas encomendas, que podem ser compartilhadas com os chineses”, disse o presidente da Transpetro, Sergio Bacci.

A história vai mudar?

No início da exploração do pré-sal, o governo também tentou estimular a indústria naval nacional. A premissa era sedutora: o investimento nas novas áreas pela Petrobras seria maciço. Vários estaleiros foram criados em meio a esse potencial. Quase duas décadas mais tarde, o legado desse episódio, porém, foi um cenário de empresas fechadas e dívidas bilionárias.

Uma das principais fragilidades da política para o setor naval na época foi a dependência excessiva de contratos atrelados à Petrobras, bem como uma estratégia de crescimento a base de incentivos fiscais, crédito subsidiado e uma reserva de mercado criada pela lei de conteúdo nacional. Ainda que o início tenha sido promissor, logo as vulnerabilidade do novo setor ficaram evidentes.

A começar da baixa competitividade: as empresas brasileiras reuniam altos custos, ineficiência produtiva, e dificuldade em competir internacionalmente. As companhias tiveram ainda dificuldade em absorver tecnologia e realizar projetos complexos com eficiência.

Além disso, a corrupção e má gestão na esteira de escândalos da Lava-Jato minaram a credibilidade do setor e interromperam obras. Algumas empresas foram envolvidas nos casos e a própria Petrobras teve de encerrar contratos e entrar em uma espécie de hibernação após os eventos da Lava-Jato. E para adicionar obstáculos, com o tempo, as mudanças políticas, como o impeachment da presidente Dilma Rousseff, desarticularam os planos de longo prazo para o setor.

A pá de cal, ocorreu em 2017, quando já no governo de Michel Temer, a exigência de um percentual mínimo de conteúdo nacional em plataformas sondas e navios caiu por terra. Sem a reserva de mercado, as petroleiras voltaram a priorizar o melhor custo-benefício e as encomendas nacionais minguaram.

Lições do passado recente

Nenhum outro caso ilustra tão bem a história de euforia, ascensão e queda do projeto naval do governo quanto o da fabricante de sondas para petróleo Sete Brasil. Criada em 2010, a gestação da companhia envolveu peso-pesados do setor financeiro. Nada menos que Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, BTG Pactual e Santander, além dos fundos de pensão Previ, Petros, Funcef e Valia, uniram suas forças para investir na nova empresa.

A tese de criação da Sete Brasil parecia líquida e certa: havia um mercado cativo proporcionado pela política de conteúdo nacional do governo e a Petrobras iria precisar de dezenas de sondas para colocar o pré-sal de pé. Foram investidos cerca de R$ 24 bilhões na estruturação da indústria. Desse total, R$ 8,3 bilhões vieram dos bancos e fundos de pensão. Outros sócios aportaram mais R$ 5,3 bilhões e o BNDES injetou cerca de R$ 10 bilhões.

A perspectiva na época era a de que a Sete Brasil iria gerir e financiar a construção de 28 sondas ultraprofundas para exploração do pré‑sal pela Petrobras. No fim da história, apenas quatro unidades foram efetivamente contratadas e parcialmente entregues.

A empresa ganhou duas licitações da Petrobras entre 2011 e 2012, e rapidamente foi considerada uma das maiores operadoras de sondas do mundo. Mas no meio do caminho aconteceu a Lava-Jato. A operação da Policia Federal envolveu a Sete Brasil em um esquema de corrupção que pode ter desviado cerca de 0,9% do valor dos contratos para propinas.

Em 2016, a empresa entrou em recuperação judicial com dívidas estimadas em R$ 19 bilhões. Ao longo dos quase oito anos seguintes, o plano de recuperação judicial foi continuamente revisado: 44 assembleias de credores e 18 versões de plano não foram suficientes para evitar o colapso financeiro. Em dezembro de 2024, com as dívidas já na casa de R$ 36 bilhões, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decretou a falência do grupo.

O projeto deixou um rastro bilionário de destruição de valor: grandes estaleiros ficaram sem pagamento, a Petrobras reconheceu R$ 5,6 bilhões de prejuízo em 2016, e os credores — incluindo bancos e fundos e até a Caixa e o Fundo Garantidor da Construção Naval — amargaram perdas bilionárias. Já o legado, talvez, tenha pelo menos um ponto positivo, o das lições sobre os limites da intervenção estatal, a necessidade de governança corporativa e os custos de negligenciar riscos jurídicos e financeiros.