A Apple enfrenta uma pressão crescente do presidente Donald Trump para fazer algo que muitos analistas consideram praticamente impossível: transferir a produção de seu icônico iPhone do exterior para os Estados Unidos.
Nesta sexta-feira (23), Trump ameaçou aplicar uma tarifa de pelo menos 25% à Apple caso ela não fabrique sua principal linha de produtos nos EUA – sua exigência mais direta até agora para que a gigante de tecnologia adote a montagem doméstica. O alerta foi dado dias após uma reunião na terça-feira (20) entre o presidente e o CEO da Apple, Tim Cook, na Casa Branca, segundo uma autoridade americana.
“Informei há muito tempo a Tim Cook, da Apple, que espero que os iPhones vendidos nos Estados Unidos da América sejam fabricados e montados aqui nos EUA, e não na Índia ou em qualquer outro lugar”, escreveu Trump em um post na Truth Social nesta sexta. “Se esse não for o caso, a Apple deverá pagar uma tarifa de pelo menos 25% aos EUA.”
As ações da Apple chegaram a cair 3,9% nas negociações em Nova York. Separadamente, também nesta sexta, Trump ameaçou impor uma tarifa de 50% sobre produtos da União Europeia a partir de 1º de junho, o que pressionou o mercado como um todo.
As exigências do presidente por produção doméstica representam um desafio imenso para a empresa, cuja cadeia de suprimentos está fortemente concentrada na China há anos. Os Estados Unidos simplesmente não têm o ecossistema de fornecedores, o know-how em manufatura e engenharia que, por enquanto, só existem na Ásia – (veja a explicação detalhada no vídeo abaixo).
“Isso é claramente negativo”, disse o analista Brandon Nispel, da KeyBanc Capital Markets, em um relatório. “Para a Apple, parece inevitável que ela tenha que aumentar os preços dos iPhones, o que provavelmente ocorrerá com o lançamento do iPhone 17. No curto prazo, isso deve afetar de forma relevante a margem bruta.”
Segundo a Bloomberg Intelligence, a mudança pode cortar de 3 a 3,5 pontos percentuais da margem bruta da Apple no ano fiscal de 2026. Mesmo assim, transferir a produção do iPhone para os EUA ainda custaria bem mais do que simplesmente pagar a tarifa. E analistas estimam que iPhones fabricados nos EUA poderiam custar milhares de dólares a mais para os consumidores.
O alerta de Trump veio após a Apple sinalizar, no início do mês, que novas tarifas poderiam representar até US$ 900 milhões em custos adicionais já neste trimestre. Para limitar o impacto dessas tarifas sobre produtos feitos na China, a Apple já havia planejado transferir a maior parte da produção de iPhones destinados ao mercado americano para fábricas na Índia — uma estratégia que passou a irritar cada vez mais Trump.
Na semana passada, durante uma viagem ao Oriente Médio, Trump disse que havia pedido a Cook que parasse de construir fábricas na Índia para produzir dispositivos para os EUA, pressionando a Apple a investir em produção doméstica ao se afastar da China.
“Tive um probleminha com Tim Cook ontem”, disse Trump sobre a conversa. “Ele está construindo fábricas na Índia inteira. Eu não quero que você construa na Índia.”
No início do ano, a Apple anunciou planos de investir US$ 500 bilhões nos EUA nos próximos quatro anos, incluindo uma nova fábrica de servidores em Houston, uma academia para fornecedores em Michigan e gastos adicionais com fornecedores já existentes no país.
Mas isso está longe da reestruturação completa da produção que Trump deseja. Levar a montagem de iPhones e outros dispositivos para os EUA seria uma tarefa gigantesca para a Apple, sediada em Cupertino, na Califórnia.
As maiores instalações da Apple para montagem final — conhecidas pela sigla em inglês FATP (Final Assembly, Test and Pack-out) — são tão grandes e complexas que chegam a parecer pequenas cidades: abrigam centenas de milhares de pessoas, com escolas, academias, centros médicos e dormitórios. Uma das principais fábricas, localizada em Zhengzhou, na China, é até apelidada de “Cidade do iPhone”.
O desenvolvimento de novos iPhones e produtos ainda começa nos laboratórios da Apple no Vale do Silício. Mas a colaboração com fornecedores asiáticos e outros parceiros começa muito antes do lançamento de um produto. Engenheiros e especialistas da Apple passam meses — ou anos — trabalhando lado a lado com empresas como a Foxconn e a Pegatron para customizar o processo de montagem.
Uma ideia recorrente entre alguns analistas é que a Apple poderia usar parte do seu enorme caixa para comprar milhares de acres nos EUA e construir uma fábrica 100% automatizada para produção de iPhones. Isso eliminaria desafios relacionados ao fator humano. Mas especialistas em cadeia de suprimentos consideram essa opção inviável, devido às frequentes mudanças na demanda. Além disso, grande parte do maquinário industrial ainda é fabricado na China.
A pressão crescente sobre a Apple nas últimas semanas representa uma mudança em relação ao primeiro mandato de Trump, quando Cook usava sua relação pessoal com o presidente para conseguir isenções tarifárias para os produtos da Apple. Para investidores em Wall Street, a nova postura reforça a incerteza quanto ao impacto da política comercial de Trump sobre uma das empresas mais valiosas do mundo.
“É um sinal de alerta para mim o fato de que Trump continua mirando a Apple e parece ter algo contra a empresa”, disse Randy Hare, diretor de análise de ações do Huntington National Bank. “Isso não quer dizer que Trump vá, de fato, fazer algo a mais, mas também não dá para prever o que ele vai fazer — e isso me deixa cauteloso.”
Tim Cook foi um dos vários executivos da Big Tech e bilionários que tentaram se aproximar de Trump após sua vitória nas eleições de novembro.
O CEO da Apple chegou a visitar a mansão Mar-a-Lago, de Trump, na Flórida, para uma série de encontros e jantares privados. Ele também sentou-se atrás do presidente durante a cerimônia de posse em janeiro, ao lado de Elon Musk, Sundar Pichai (Alphabet), Mark Zuckerberg (Meta) e Jeff Bezos (Amazon).
Para Cook, pode ser mais simples absorver o custo adicional das tarifas do que redesenhar uma cadeia de suprimentos que levou anos para ser construída.
“Em termos de lucratividade, é muito melhor para a Apple absorver uma tarifa de 25% sobre os iPhones vendidos nos EUA do que transferir a linha de montagem dos iPhones de volta para os EUA”, escreveu o analista Ming-Chi Kuo, da TF International Securities, na rede X.