O Assaí paga R$ 7 milhões de juros por dia, mas gera R$ 14 milhões de caixa diariamente, o que compensa o custo financeiro. É essa geração de caixa que tem permitido à empresa reduzir a alavancagem mesmo com a Selic em patamar elevado. Depois de atingir algo em torno de 4,3 vezes dívida líquida em relação ao Ebitda em 2022, a rede projeta encerrar 2025 perto de 2,6 vezes.
O recuo nos investimentos vem depois de um ciclo de forte expansão, impulsionado sobretudo pela compra dos hipermercados Extra, em 2021. A operação levou o Assaí a outro patamar em faturamento e exposição à alta renda, que hoje já responde por 44% dos consumidores (47% dos clientes são da classe C e 9%, da classe D). A companhia saltou de R$ 30 bilhões em vendas em 2019 para cerca de R$ 84 bilhões no último doze meses.
Com esse perfil de clientela, o Assaí tem ampliado as ferramentas digitais e parcerias de entrega. A parceria com o iFood vem ganhando relevância em parte das lojas, especialmente nas regiões de maior renda, e a companhia estuda entrar em um marketplace.
Enquanto o juro pressiona, o plano de expansão fica mais limitado, com apenas 10 lojas novas previstas para 2026. No médio prazo, o plano é ir além do modelo atacarejo tradicional. “O mundo não vai acabar em atacarejo. No futuro, com menos alavancagem e juro mais baixo, faz sentido explorar outros formatos, como super e proximidade”, admite Belmiro Gomes, CEO do Assaí.
Consumo em queda
Ainda assim, o consumo tem se mostrado cada vez mais pressionado, segundo o CEO, com endividamento elevado das famílias e uma diferença crescente de comportamento entre a alta renda e o resto da população.
“Para o volume de alimentos cair 8% em quilos, como vimos no pequeno varejo, significa que o consumidor já não está só trocando de marca. Ele está tirando produto do carrinho”, diz o CEO. Na prática, o trade down já não tem sido suficiente. Em muitos lares, a cesta encolheu.

Diante de um cenário em que crescer vendas fica mais difícil, o Assaí passa a concentrar esforços em iniciativas que aumentem o tíquete médio e a fatia de consumo dos 40 milhões de clientes que passam mensalmente pelas lojas, sem estourar a projeções de investimento. São ao menos três frentes principais: farmácias dentro das unidades, marca própria e serviços financeiros.
A primeira ainda depende de Brasília. Em conjunto com a associação do setor supermercadista (Abras), a rede defende a liberação da venda de medicamentos em supermercados, seguindo o modelo adotado por redes como Walmart, Kroger e Costco no exterior. O projeto já passou pelo Senado e tramita em regime de urgência na Câmara.
A aposta do Assaí é que, ao aproveitar a infraestrutura existente, a operação farmacêutica possa nascer com uma estrutura de custos bem mais leve que a dos concorrentes especializados. “Boa parte dos custos de uma farmácia — aluguel, segurança, limpeza, energia, IPTU — nós já temos dentro da loja. Isso nos permite entrar nesse mercado com uma estrutura de despesa bem menor”, afirma o executivo.
A ideia é capturar a compra planejada de pacientes de doenças crônicas (diabetes, hipertensão), combinando preço competitivo com a conveniência de concentrar a cesta de alimentos, higiene e saúde no mesmo endereço.
Em paralelo, a companhia quer ampliar a oferta de suplementos, vitaminas e proteínas, embalado pela mudança de hábitos e, em parte, pela onda dos medicamentos à base de GLP-1, como o Ozempic. “O movimento das canetas emagrecedoras começou na alta renda, mas já está impactando cerveja e carboidrato. O remédio é quase milagroso e vai mexer no índice de alimentos. Já está mudando o padrão de consumo de bebidas alcoólicas”, diz Gomes.
A segunda frente é a marca própria. A companhia pretende lançar, a partir do primeiro trimestre de 2026, as primeiras linhas de produtos com a marca Assaí. Hoje, a rede já vende produtos sob a marca Chef, voltada para food service — são embalagens grandes de ingredientes usados nos restaurantes, padarias e lanchonetes.
É uma resposta direta à busca dos clientes por alternativas mais baratas, sem abrir mão de margem. No mundo, a marca própria já representa 23% do varejo alimentar. No Brasil, ainda está em 2% ou 3%.
O plano do Assaí é usar a força da marca e a alta concentração geográfica da operação para encurtar esse gap. “Mais de 50% da nossa operação está em São Paulo e Rio, com logística mais concentrada e a mesma lógica tributária, o que nos permite escalar marca própria com custo menor”, explica o CEO.
O objetivo é ter produtos de marca própria cerca de 20% mais baratos que as marcas líderes, mas só entrar em categorias em que a indústria tem margem alta o suficiente para abrir espaço.
Maquininha e serviços financeiros
Além dos produtos de marca própria, o Assaí está em fase final de “divórcio” da FIC, antiga joint venture com Itaú, antiga Via e GPA, que hoje impede a companhia de oferecer soluções próprias a seus clientes. “Temos quase 1 milhão de micro e pequenos empreendedores que compram no Assaí e são pouco atendidos pelo sistema bancário”, diz o executivo.
O piloto da maquininha própria já está rodando em algumas praças. A autorização para esse produto foi obtida antes mesmo da saída definitiva da sociedade. A ideia, segundo o CEO, não é disputar apenas taxa de desconto com adquirentes tradicionais, mas usar o equipamento como porta de entrada para um relacionamento mais profundo com o cliente PJ.
A partir dos dados sobre transações, o Assaí quer entender melhor o negócio desses comerciantes e oferecer condições comerciais diferenciadas em produtos de grandes fornecedores – como refrigerantes e itens de mercearia – para quem tiver a maquininha, além de integrar, no futuro, cartões de crédito e débito da própria rede.
Essa estratégia só deve ganhar tração plena depois que o Assaí formalizar a saída da FIC e puder estruturar novas parcerias – possivelmente com mais de um player, dividindo foco entre pessoa física e jurídica. Até lá, o piloto de maquininhas e os testes de serviços financeiros funcionam como laboratório para o modelo que a rede pretende escalar a partir de 2026.
