Eduardo Haiama, CFO da Axia, explica que o pacote bilionário à venda inclui, em boa parte, ativos dos tempos em que a Eletrobras atuava como financiadora de distribuidoras e, em alguns casos, recebia ações como moeda de troca. Em entrevista ao InvestNews, Haiama afirma que a tendência é a saída desses ativos, mas sem pressa para não ‘perder’ dinheiro. “A gente fica bem tranquilo em carregar os ativos por mais tempo, porque eu sei que vai ser bem tocado pelo outro lado.”
A Axia não discrimina publicamente a lista completa dos ativos que compõem os mais de R$ 25 bilhões classificados como não estratégicos. Mas é possível ter uma ideia do que está nesse pacote ao observar o que a própria companhia mantém marcado como ‘mantido para venda’ no último balanço.
Entre eles está o bloco remanescente de usinas termelétricas no Norte – principalmente no Amazonas e em Roraima – e participações menores em sociedades de propósito específico concentradas no Paraná e em São Paulo, como Cruzeiro do Sul, Mata de Santa Genebra e Lago Azul Transmissão. Esses ativos podem render algumas centenas de milhões de reais para a Axia.
Além das usinas, a conta inclui uma carteira de créditos herdados da fase estatal, principalmente valores a receber de antigas distribuidoras, como a Amazonas Energia. São dívidas antigas, já provisionadas, que podem ser monetizadas por meio de cessão a terceiros ou usadas como moeda em acordos, como a própria Axia já fez em outras operações.
Emae e Eletronuclear
Apesar de os juros altos travarem parte das negociações, a Axia conseguiu, em poucos meses, avançar em duas vendas importantes. Em setembro, vendeu à Sabesp por R$ 476,5 milhões sua participação de 66,8% na Emae, empresa que, além de operar a hidrelétrica Henry Borden, controla estruturas-chave das represas Billings e Guarapiranga, fundamentais para a segurança hídrica da Grande São Paulo.
No mês seguinte, a Axia se desfez também de sua participação na Eletronuclear, responsável pela operação de Angra 1 e Angra 2 e pela construção de Angra 3 — um ativo intensivo em capital e cercado de incertezas sobre o retorno financeiro. A fatia foi vendida por R$ 535 milhões à Âmbar Energia, dos irmãos Batista. O negócio ainda liberou a Axia de garantias e obrigações herdadas do período estatal, incluindo R$ 2,4 bilhões em debêntures.
Dias depois da assinatura, a Eletronuclear enviou ao governo um estudo do BNDES sobre o futuro de Angra 3, cujas obras seguem paradas há quase 40 anos. O documento estima que abandonar o projeto custaria entre R$ 22 bilhões e R$ 26 bilhões, enquanto concluí-lo demandaria R$ 23,9 bilhões.
Segundo a Axia, essa análise não era conhecida quando a empresa decidiu deixar o ativo. “A explicação pela saída é simples: o setor mudou, e a empresa tem de mudar. Tocar hoje uma obra nuclear consumiria não só muito capital, mas muito tempo – e isso nos faria negligenciar outras frentes que precisamos desenvolver”, prossegue Haiama.
Ainda no ano passado, a Axia também se desfez de 13 usinas termelétricas, também vendidas para a Âmbar Energia, amealhando R$ 3,6 bilhões no processo, cumprindo o compromisso da empresa de zerar suas emissões de gases causadores do efeito estufa em 2030.

Novos investimentos
Com um portfólio de 81 usinas — 47 hidrelétricas, 33 eólicas e uma solar — a Axia Energia segue como um dos pilares do setor elétrico brasileiro. A companhia responde por 17% da capacidade de geração do país e por 37% das linhas de transmissão do Sistema Interligado Nacional (SIN), proporção que explica seu peso nas decisões do setor.
Eduardo Haiama, CFO da empresa, conhece bem esse mercado. Foi diretor financeiro da Equatorial por mais de uma década e integrou os conselhos de empresas como Origem Energia e Orizon. Para ele, o setor deixou de ser previsível e estável, como era no passado. “Eu achava que era um setor fácil, onde se constrói, assina um contrato de 20 ou 30 anos e fica recebendo o dinheiro. Hoje está muito mais dinâmico, com novas fontes e consumidores podendo optar de quem comprar.”
Nesse ambiente, a Axia pretende disputar mais leilões e acelerar novos projetos. O próximo leilão de transmissão, previsto para março de 2026, deve envolver R$ 3,3 bilhões em investimentos para a construção de 661 km de linhas. “Dado o nosso tamanho, a gente não pode deixar de olhar tudo quanto é oportunidade”, diz Haiama. “Vamos desenvolver projetos para baterias, para eólicas, solares, usinas reversíveis etc.”
A empresa também avança nas fontes intermitentes. Em julho, inaugurou o Parque Eólico Coxilha Negra, em Santana do Livramento (RS), que exigiu R$ 2,4 bilhões em investimentos e adicionou 302,4 MW de capacidade ao sistema – energia suficiente para abastecer 1,5 milhão de pessoas. Outra frente em avaliação é a energia solar flutuante, com painéis instalados em reservatórios hidrelétricos. “O movimento é inexorável”, afirma. “Não estranhe se no ano que vem você ver a gente investindo.”
As renováveis trazem desafios, especialmente pelo volume de subsídios e pelo curtailment — quando usinas eólicas ou solares precisam reduzir a geração porque o sistema não consegue absorver toda a energia produzida.
Para Haiama, porém, é um efeito natural do sistema. “Eliminar o curtailment seria o equivalente a eliminar o engarrafamento para descer à praia. O custo seria impagável.” A Axia aposta em baterias e usinas reversíveis para reduzir o problema, ainda que reconheça que essas soluções apenas “amortizam” o efeito e exigem mais investimentos.
Perspectivas
O maior desafio à frente é o fim da indenização da chamada RBSE — a Rede Básica do Sistema Existente, formada pelas linhas de transmissão construídas antes das renovações forçadas de concessões no início da década passada. Esses ativos, muitos deles da fase pré-privatização do setor elétrico, ainda tinham investimentos não pagos quando o governo Dilma Rousseff editou a MP 579, em setembro de 2012, impondo a renovação antecipada das concessões em troca de tarifas mais baixas.
A medida deflagrou uma crise no setor e, anos depois, levou o governo a reconhecer que as transmissoras tinham direito a receber uma indenização pelos ativos da RBSE que ficaram sem remuneração. No caso da Axia, essa indenização, que é paga anualmente, soma R$ 5,3 bilhões por ano e se encerra em junho de 2028.
Para recompor essa perda na geração de caixa, a companhia está investindo R$ 17,4 bilhões em novos lotes de transmissão, que devem gerar uma receita bilionária por décadas. “Vamos repor uma receita que era finita com outra de R$ 2,4 bilhões anuais por 30 anos”, diz o executivo.
O preço da energia em níveis mais altos também acende um alerta entre analistas. No cenário atual, muitas empresas têm optado por contratos de curto e médio prazo, evitando compromissos longos. Isso beneficia a Axia no mercado de curto prazo, mas pode mudar rapidamente. “O preço elevado ajuda hoje, mas, se houver uma reversão, voltamos ao cenário antigo: muita energia para vender a um valor que não era convidativo”, afirma Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
As ações da Axia acumulam alta superior a 70% no ano – mais que o dobro do Ibovespa. Segundo analistas, a valorização reflete o desarme das tensões com o governo Lula, que chegou a cogitar a reestatização da empresa, além da limpeza do balanço com a saída da Eletronuclear.
Esse movimento abriu espaço para distribuições recordes de proventos: R$ 4 bilhões no segundo trimestre e mais R$ 4,3 bilhões no último. O Bradesco BBI esperava cerca de R$ 7 bilhões em dividendos em 2025; o JPMorgan, R$ 8 bilhões – ambas expectativas foram superadas.
“Os dividendos vão ser sempre consequência desse grau de liberdade que a gente está enxergando como empresa”, diz Haiama. “Se a gente entender que faz sentido distribuir e que não há um investimento interessante no momento para alocar o capital, podemos remunerar o acionista.”
Nova marca
A Axia Energia oficializou sua nova marca no último dia 10, em uma cerimônia na B3 com a presença do CEO Ivan Monteiro e de funcionários da companhia. O novo nome – que em grego significa “valor” – marca o esforço da elétrica de se aproximar do cliente final e deixar para trás a imagem de gigante de infraestrutura associada ao período estatal.
O processo de rebranding levou mais de um ano e envolveu debates no conselho, na diretoria e a contratação de consultorias especializadas, conta o CFO. Segundo Eduardo Haiama, o custo total da mudança não foi divulgado, mas é considerado irrelevante: a empresa precisou atualizar fachadas de escritórios e sedes administrativas em capitais como Brasília, Florianópolis, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.
A decisão, diz Haiama, se baseou em pesquisas que mostraram que a marca Eletrobras seguia forte entre profissionais do setor, mas não tinha ressonância com o consumidor corporativo – muito menos com o público final, que a Axia pretende alcançar até o fim da década com a abertura do mercado livre de energia para o varejo.
“O nome é muito significativo para quem acompanhou as grandes obras, mas não para o cliente final”, afirma. “Por isso, discutimos longamente no conselho se fazia sentido trocar ou não.”
Colaborou Rikardy Tooge