Quando se pensa em um megaevento do mercado financeiro, a primeira ideia que vem à mente é um espetáculo com muita pompa em algum lugar paradisíaco, com bilionários chegando de helicóptero ou de rolls-royce a um hotel seis estrelas. No cardápio, champagne e trufas. No palco, drones comandam um show de luzes.
Não é nada disso que se encontra na cidade de Omaha, a maior do estado de Nebraska, no meio-oeste americano, e que abriga justamente o evento mais emblemático do mercado financeiro.
Ao contrário, as ruas ficam ocupadas por vendedores com suas barracas de cachorro-quente, hambúrguer e frango frito, dividindo espaço com visitantes em trajes casuais, que parecem terem sido comprados no Wal-Mart mais próximo.
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Estamos falando da reunião anual de acionistas da Berkshire Hathaway, a companhia de investimentos de Warren Buffett. Cerca de 40 mil pessoas peregrinam para a cidade de 500 mil habitantes para ouvir o guru de 93 anos – a edição 2024 será a primeira sem Charlie Munger, o espirituoso braço direito de Buffett, morto em novembro do ano passado, 33 dias antes de completar 100 anos.
O evento, que o próprio Buffett chama de “Woodstock para capitalistas”, atrai pessoas de várias partes do mundo. Além de investidores profissionais e personalidades dos negócios, como Jorge Paulo Lemann e Bill Gates, o local também fica repleto de famílias, com suas crianças.
William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, esteve lá em 2022 e 2023. E viajou novamente agora, para a 51ª edição do evento – que começou na sexta (3) e tem como epicentro a arena CHI Health Center, um ginásio coberto que costuma receber shows grandes na cidade em estilo faroeste.
Para William, o clima em torno do evento reflete quem é Buffett:
“O evento é bem ‘paz e amor’. É contra o que Wall Street prega”
William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue
O especialista resgata o slogan do Woodstock original, o de 1969, para destacar não apenas a persona de Warren Buffett, como também a estratégia da Berkshire Hathaway. “Quem está ali pensa em investimento de longo prazo. Não tem especulação nem day trade”, conta.
A experiência na pacata cidade, reflete o estrategista da Avenue, ajuda a entender a história do bilionário. “O Buffett é low profile, frugal, abstêmio. Gosta de coisas simples, e esteve em Omaha a vida inteira”, diz. Aliás, dá para tirar fotos em frente à casa dele – um sobrado relativamente modesto que Buffett comprou em 1958 pelo equivalente a US$ 340 mil em dinheiro de hoje, e onde segue morando.
Buffett no caixa da joalheria
Uma tradição inusitada começou a se consolidar na Woodstock capitalista: a dos acionistas que aproveitam o convescote para pedir a amada em casamento. “Omaha não tem grandes claims to fame [razões para reivindicar fama]. Warren é um deles”, disse Michael Dentlinger, um morador da cidade, ao Wall Street Journal quando perguntado porque pediu a namorada em casamento num evento passado da Berkshire.
O próprio conglomerado de Buffett, prestes a se tornar a primeira companhia “não tech” a cruzar a marca de US$ 1 trilhão em valor de mercado, alimenta a tradição. A centenária joalharia Borsheims é uma das 70 empresas que a Berkshire controla diretamente (como a Duracell e a seguradora Geico) – não entram nessa conta as 45 companhias nas quais ela figura entre as principais acionistas (Apple, Bank of America, Coca-Cola etc.). Durante o fim de semana do evento, a joalheria promove um coquetel só para acionistas da Berkshire, que aproveitam para fazer compras.
Warren Buffett em pessoa já ficou no caixa numa dessas noites. “É daquelas coisas mágicas, que só acontecem uma vez na vida”, afirmou ao WSJ um consultor financeiro que comprou uma aliança de casamento na loja. Ele diz que Buffett calculou de cabeça o preço final (o do mostruário mais a porcentagem referente aos impostos).
Aliás, várias das empresas em que a Berkshire investe têm estandes no evento, vendendo seus produtos e lembrancinhas. Ou seja, a feira atrai uma multidão e ajuda as próprias empresas de Buffett a ganhar um troco extra.
Succession
No evento deste ano, a expectativa é saber o que a gestora pretende fazer com os US$ 165 bilhões em caixa – a vasta maioria estocada na forma de títulos públicos de curto prazo dos EUA (T-bill).
A Berkshire tem sido menos ativa, sem grandes anúncios de aquisições. Há mais interesse em reduzir investimentos do que em acumular novos. E o portfólio segue severamente concentrado em Apple – a fatia de 5,5% da Berkshire ali reflete 50% do portfólio total.
Buffett sobe ao palco às 9h15 de sábado para a seção de perguntas e respostas, que se estende por boa parte do dia, com pausa para o almoço. Sem Munger, ele se senta ao lado de Aji Janin, 72, o VP que toca as operações de seguros da Berkshire, e de Greg Abel, 61, o VP que talvez suceda Buffett como CEO do conglomerado.
Buffett não é de falar sobre sucessão. Mas a questão vai ganhando importância ano após ano, por motivos óbvios. Ele mesmo disse em novembro que, sim, estava se sentindo bem, mas que tinha consciência de estar “jogando na prorrogação”.
Certamente não faltarão perguntas sobre se os prováveis sucessores serão capazes de manter a performance de Buffett: retorno médio anual de 20% desde 1965 – quem comprou US$ 10 mil em ações da Berkshire há seis décadas e nunca vendeu tem hoje US$ 45 milhões.
“É o poder do longo prazo, dos juros compostos atuando a seu favor”, resume o estrategista da Avenue. Para Castro Alves, a longevidade é a principal característica tanto do megainvestidor quanto da gestora.
É. definitivamente, um par perfeito para se casar. A ver se os próximos líderes da Berkshire serão cônjuges tão prolíficos para os acionistas.
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