Só de bater o olho você já sabe que é um vestido da Farm Rio. Apesar de corriqueira, essa é uma constatação impressionante, considerando que a marca imprime todos os anos 800 estampas diferentes em peças vendidas no Brasil e fora dele. Oitocentas.
“A estamparia é a nossa fortaleza, nossa vantagem competitiva”, explica Marcello Bastos, que fundou a empresa em parceria com Kátia Barros, em 1997. A Farm nasceu pequena – mas nunca discreta – sob a lona da Babilônia Feira Hype, no Rio de Janeiro. O interesse das clientes nos bodies coloridos lotou rapidinho o estande 2 por 2 da marca nascente.
Quase 30 anos mais tarde, a Farm chegou a 130 lojas no país e virou a locomotiva estampada da Azzas 2154, o maior grupo de moda da América Latina – a marca carioca representa entre 15% e 20% da receita total do grupo, que é fruto da união entre o Grupo Soma com a Arezzo. A fusão ocorreu no segundo semestre de 2024 e levou a nova companhia a tocar uma faxina interna em suas 34 marcas.
Mas enquanto Alme, Dzarm, Reversa e Simples estão sendo descontinuadas pela varejista, a Farm está ampliando sua linha de calçados e agora aposta também na Farm ETC, sua divisão tem-de-tudo-um-pouco. São garrafinhas, piscinas de plástico, raquetes de frescobol, talheres de palha e por aí vai.
Nos últimos balanços financeiros da Azzas, a Farm chamou a atenção de analistas e investidores, impressionados com os crescimentos de dois dígitos – no terceiro trimestre do ano passado, o segmento internacional (Farm Global) estampou uma receita 34% maior na comparação anual.
Marcello defende que a Farm é a primeira marca brasileira de vestuário a apostar para valer no exterior, o que significou um investimento na casa da centena de milhões de reais nos últimos seis anos, quando o processo começou.
“Não confunda internacionalização de marca com abrir lojas fora do Brasil – isso muitas fizeram”, pontua. “Já nós montamos um projeto no qual a internacionalização foi definida como o grande vetor de crescimento do negócio como um todo.”
Sem revelar números, ele sustenta que a Farm é a marca de moda que mais fatura no Brasil, que a receita da Farm Global já passa da metade da nacional e que a tendência é o faturamento no exterior superar as vendas brasileiras em até quatro anos.
Para chegar lá, a estratégia comercial online será central: hoje, 87% das vendas da Farm Global são feitas pela internet – na Farm Brasil são 42%.
O mundo é carioca
Essa expansão internacional, iniciada em 2019, veio acompanhada de uma mudança simbólica na marca. A palavra “Rio” complementou “Farm”, deixando claro o sotaque, a origem e a inspiração permanente da empresa.
“A gente surgiu com essa coisa muito forte do Rio de Janeiro”, reforça Tati Viana, diretora de estamparia da marca. “E o Rio de Janeiro é zero sutil”, continua.
“É uma luz intensa, ousadia, exuberância. Mas, paradoxalmente, essa intensidade se equilibra com a leveza trazida pela brisa do mar, poder sair com a roupa da praia e ir ao cinema, ao shopping… esse comportamento, esse estilo de vida é o nosso ‘borogodó’, mas a gente entendeu que todo mundo quer essa descontração, todo mundo tem um pouquinho de carioca”.
Estados Unidos e Europa foram os focos da Farm Global até aqui. A marca tem lojas em Los Angeles, Nova York, Miami, Washington DC, Londres e Paris. As unidades de Bodrum (Turquia), Dubai (Emirados Árabes) e Mykonos (Grécia) são franquias. Também há parcerias com redes estrangeiras, como as americanas Nordstrom e Saks, a britânica Selfridges e a francesa Le Bon Marché.
A Farm do exterior é um pouco diferente da operação brasileira.
Se você já deu uma olhada nas roupas da Farm em uma loja gringa, deve ter percebido que as peças são mais caras lá fora. Os tecidos e o acabamento são mais sofisticados, permitindo que os itens sejam posicionados em uma faixa de preço mais alta que no Brasil, só um pouco abaixo do segmento de luxo.
A produção também é diferente: as roupas vendidas por aqui são geralmente fabricadas no Brasil, enquanto as peças vendidas no exterior são feitas em outros países, como Portugal, Turquia, China, Coreia do Sul e Índia.
O que não muda é o estilo das estampas. Há adaptações esporádicas, motivadas pela diferença nas estações e por aspectos culturais de cada mercado – um mesmo desenho pode ser lido de uma maneira pela consumidora brasileira e de outra por uma cliente em Dubai. No mais, Farm é Farm em qualquer lugar.
E, tanto aqui quanto acolá, usar Farm significa, de alguma forma, vestir-se de Brasil. Os animais, as plantas, as cores e até as curvas das estampas surgem das mentes de designers intencionalmente mergulhados na brasilidade. É a estamparia singular da empresa que faz um vestidinho Farm Rio ser reconhecido tão facilmente.
“A gente se considera uma escola de estamparia”, diz Tati. Há 16 anos na empresa, a chefe das estampas garante que a marca já é referência nacional e diz que as muitas “cópias” Brasil afora são um argumento contundente a favor da grife carioca. “Nosso sonho agora, se puder dizer assim, é sermos referência de estamparia mundial.”
Achou ousado? Para Marcello Bastos, já “não existe nenhuma marca no mundo que tenha uma estamparia tão versátil e com tantos motivos quanto a Farm”.
Antes de começar uma nova coleção, a Farm Rio promove workshops criativos para seus artistas, que incluem viagens pelo país e estudos da flora e da fauna. A ideia é dar novas referências, contextos e experiências que estimulem a criatividade da turma – e que isso leve a uma coleção nova ao final do período de criação, que dura oito semanas.
As peças são criadas a partir das estampas, adaptadas e transformadas em vestidos, blazers, shorts e blusas por outros designers e estilistas.
De fato, a Farm já provou que há espaço para a estética brasileira no mercado da moda global. A consumidora estrangeira pode não rechear o closet com vestidos estampados, mas ter uma opção “meio carioca” e chamativa para um dia ensolarado pode ser uma boa opção – e os vestidos vendem bem até na nebulosa Londres.
“A roupa da Farm é sedutora, mas não pode ser intimidadora”, pontua Tati, que reconhece a existência de uma barreira estética com as gringas, às vezes assustadas com as exuberâncias da estamparia carioca.
Mas não se trata de uma barreira intransponível. “A gente se pergunta ‘cara, qual é o print for beginners [estampa para iniciantes]?’ Aí a pessoa pega a roupa, veste e a gente fisga”, ri a designer. “Para essa cliente, a Farm precisa ser o miminalismo do maximalismo”.