A venda de produtos preparados com “sabor café”, mas que não são o tradicional café, tem preocupado a indústria brasileira. Apelidada de “café fake” ou “cafake”, a bebida tem ganhado espaço nas prateleiras do mercado no momento em que o pó do grão torrado e moído verdadeiro é vendido a preços altos, na esteira de recordes das cotações no mercado global.

A Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) disse ter identificado a venda do pó com sabor café, que pode ser produzido a partir de cascas, palha, folhas, paus ou qualquer parte da planta exceto a semente do café, em Bauru, no Interior de São Paulo.

A Master Blends, que tem sede em Salto de Pirapora, no Interior de São Paulo, fabrica um desses produtos. A marca se chama Oficial do Brasil e traz em sua embalagem os dizeres “bebida sabor café tradicional”.

A empresa afirmou à Reuters que criou um “subproduto” do café, deixando isso claro na embalagem, e disse que não aceita que digam que a companhia está enganando os consumidores.

“Em momento algum falamos que é café, criamos apenas um subproduto para atender uma classe que está sofrendo a cada dia que passa, este produto é composto de café e polpa de café torrado e moído, está escrito ‘bebida à base de café’ na frente e também atrás da embalagem…”, afirmou em nota a Master Blends, que tem sede em Salto de Pirapora, também no Estado de São Paulo.

Em entrevista à Reuters, Celírio Inácio da Silva, diretor-executivo da Abic, afirmou que a bebida é uma “clara e evidente tentativa de burlar e enganar o consumidor”.

Segundo Silva, embora possa haver indicação de que o produto não é o café torrado e moído, há o risco de o consumidor ser enganado, já que a embalagem é muito semelhante, além de o custo ser menor.

Alta de preço

O café arábica negociado na bolsa de Nova York renovou uma máxima histórica na sexta-feira (31), batendo US$ 3,8105 por libra-peso, com o mercado internacional precificando uma frustração de safra no Brasil, maior produtor e exportador global, entre outros fatores.

Desde o ano passado, a indústria de café torrado e moído está repassando os custos da matéria-prima aos consumidores.

A alta dos preços é terreno fértil para a comercialização de tais produtos “fakes”, disse o diretor-executivo da Abic.

“Estamos passando por um momento de muita tensão, o café cru, base do torrado e moído, até na geada de 1979 não achei preços tão elevados. Quando isso acontece faz com que a matéria-prima fique cada vez mais disputada e os industriais que adquirem a matéria-prima com esses preços vão repassar esses preços”, disse Silva.

Neste contexto, a entidade está preocupada com aqueles que podem “surfar nesta onda (do fake) e dizer: ‘vou inventar um produto'”.

Empresa diz ter autorização da Anvisa

A entidade ressaltou que já denunciou o caso ao Ministério da Agricultura e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), porque há preocupação com a saúde dos consumidores, além da questão mercadológica.

A Master Blends afirmou que tem a autorização da Anvisa para vender seu produto. E que não precisa do aval do Ministério da Agricultura para comercializá-lo.

“Somos uma empresa que está no mercado há 32 anos, jamais enganamos o consumidor.”

A companhia citou casos semelhantes em outros setores.

“O que foi feito é o mesmo já feito por outras empresas conhecidas e grandes no mercado, o que era leite condensado virou mistura láctea, antes havia bombom com cobertura de chocolate e agora está com cobertura sabor chocolate”, ressaltou.

Selo de ‘pureza’

Essa não é a primeira vez que a Abic identifica o chamado “cafake” no mercado. No entanto, os levantamentos da entidade não registravam o pó com sabor café no mercado desde 2022, segundo o executivo da associação.

O dirigente da Abic lembrou ainda que a comercialização desse produtos com sabor café vai na direção contrária de iniciativas da entidade, que no passado lançou um selo de pureza para evitar a venda de grãos moídos misturados com milho torrado, por exemplo.

“O Brasil mostrou que café não é tudo igual, tirando esse ranço de que nós não bebemos bons cafés… Se não combatermos isso, as pessoas vão começar a beber este ‘café’ e dizer que não gostam… Elas podem diminuir o consumo.”