O CEO da Boeing, Kelly Ortberg, se vê novamente no centro de uma crise – desta vez, após a queda de um jato 787 Dreamliner na Índia, que matou mais de 240 pessoas.
Nos primeiros nove meses no cargo, Ortberg conduziu a empresa em meio aos sinais iniciais de uma retomada. Ele lidou com uma crise de caixa, aumento da insatisfação trabalhista, uma reformulação nas operações de segurança e uma guerra comercial deflagrada por Donald Trump contra um dos maiores clientes da Boeing: a China.
Mas, no momento em que Ortberg começava a ganhar fôlego e elogios cautelosos por trazer disciplina a uma empresa com histórico turbulento, o trágico acidente com um 787 da Air India a caminho de Londres expôs a dificuldade de reconquistar a confiança na fabricante.
As ações da Boeing caíram quase 5% na quarta-feira após o anúncio do acidente, que matou 241 das 242 pessoas a bordo — reacendendo preocupações com a segurança da empresa.
“É um clássico momento de gestão de crise e resposta rápida: estar presente, enviar equipes para entender o que aconteceu e tranquilizar as pessoas”, afirmou o consultor aeroespacial Richard Aboulafia. “Estar presente já é metade do caminho.”
Ortberg expressou condolências às famílias das vítimas e ao povo de Ahmedabad, cidade de origem do voo. Também ofereceu apoio à Air India na investigação do acidente.
Surgem dúvidas sobre a participação da Boeing no Salão Aéreo de Paris, evento em que Ortberg pretendia mostrar os avanços da empresa e fechar novas encomendas. A Boeing ainda não confirmou se o CEO estará presente, evitando aparentar insensibilidade ao continuar promovendo vendas enquanto vítimas ainda são resgatadas dos escombros.
Especialistas estimam que levará semanas ou meses para descobrir a causa do acidente — e o comportamento de Ortberg durante esse período será observado com atenção.
Vídeos indicam que o acidente pode ter sido causado por perda de potência — seja por impacto com aves, combustível contaminado, erro de manutenção ou falha humana. A hipótese de falha de projeto ou fabricação é considerada improvável, já que a aeronave estava em operação havia 11 anos.
Ortberg, engenheiro de formação e natural do Centro-Oeste dos EUA, havia saído da aposentadoria no ano passado para comandar uma das reestruturações mais difíceis da indústria americana, após o escândalo envolvendo o 737 Max.
Ele tem mantido perfil discreto e defendido internamente uma cultura baseada em respeito, civilidade e orgulho no trabalho. Um grupo de funcionários chegou a redigir uma declaração de valores que encoraja os colegas a “se importar de verdade”.
Clientes como John Plueger, CEO da Air Lease — maior financiadora de aviões dos EUA —, notaram mudanças. Segundo ele, os jatos da Boeing têm sido entregues no prazo e a cadeia de suprimentos tem funcionado sem grandes sobressaltos.
A Boeing ainda surfava a onda de um pedido recorde feito pela Qatar Airways durante visita de Trump, que impulsionou as encomendas de maio ao maior nível em 18 meses.
Esse ritmo, no entanto, corre risco de estagnar conforme a empresa apura se teve alguma responsabilidade no acidente.
A aeronave envolvida foi uma das primeiras do programa 787, produzido quando a Boeing terceirizou grande parte do desenvolvimento para fornecedores — estratégia que levou a uma série de retrabalhos nas unidades fabricadas.
Apesar dos percalços iniciais, o Dreamliner vinha operando de forma estável em companhias como ANA e United Airlines. Mas, como ressalta Plueger, “a Boeing ainda não saiu completamente do mato. Ela precisa manter entregas consistentes e demonstrar qualidade de produção — sem falhas ou dúvidas sobre segurança”.