Negócios
Colapso da Americanas arrisca virar crise de crédito maior
Investidores já questionam o discurso de que crise da varejista foi um caso isolado.
Os investidores começam a perder a confiança nas empresas brasileiras após a implosão da Americanas (AMER3), e questionam o discurso de que o colapso da varejista foi um caso isolado.
Nas semanas que seguiram o pedido de recuperação judicial da companhia, Light (LIGHT3), Marisa Lojas (AMAR3) e CVC Brasil (CVCB3) contrataram assessores financeiros para reestruturar suas dívidas. A Oi (OIBR4) ganhou uma liminar que suspende temporariamente suas obrigações, enquanto a S&P Global Ratings avisou que a Gol pode aprovar uma reestruturação que equivaleria a um default.
Haverá um “aperto de crédito razoável” após os eventos recentes, disse André Jakurski, sócio-fundador da JGP Asset Management. As empresas estão pagando 25%, 30% de juros e “vão quebrar aos borbotões”, Jakurski disse em evento nesta quarta-feira.
Gestores aconselham cautela
A Vista Capital, que gere o multimercado de melhor desempenho no Brasil nos últimos três anos, aconselha cautela e diz que as sementes de uma crise de crédito foram germinadas no país nos últimos anos. Agora, com crescimento econômico morno, inflação persistente, juros altos e confiança comprometida pelas revelações de suposta fraude na Americanas, essas sementes podem estar prestes a brotar.
“O resultado é um inevitável e importante aperto nos lending standards dos bancos, o que pode potencializar e acelerar um ciclo de crédito que já parecia desfavorável”, disse a Vista em carta aos investidores na semana passada.
Isso significa “problemas não apenas para empresas insolventes, mas possivelmente também para empresas com problemas de liquidez”.
A Americanas entrou em recuperação judicial no mês passado depois de revelar um rombo de R$ 20 bilhões em seu balanço relacionado à forma como contabilizava o dinheiro devido aos fornecedores. Os títulos e ações da empresa despencaram, e os principais bancos do país correram para fazer provisões contra perdas.
Analistas e investidores como William Blair International, Stone Harbor Investment Partners e BI Asset Management classificaram os problemas da Americanas como isolados, não indicativos de questões mais amplas no mercado de crédito corporativo do Brasil, e pediram calma.
Eles foram amplamente ignorados, e agora os gestores de recursos demonstram uma aversão a deter dívida da maior economia da América Latina.
“O momento é de cautela”, disse Octavio de Lazari Junior, CEO do Bradesco, a analistas. “Temos ouvido dos nossos clientes que eles estão muito mais cautelosos.”
Queda nas emissões de dívida corporativa
Com isso, as emissões domésticas caíram. As empresas brasileiras emitiram cerca de R$ 15,4 bilhões em dívida corporativa local neste ano, uma queda de 26% em relação ao mesmo período de 2022, segundo dados compilados pela Bloomberg.
Um índice de debêntures indexadas ao CDI calculado pela JGP Asset Management registrou perda de 4,3% desde que a Americanas revelou seu rombo contábil, seu pior desempenho desde os primeiros dias da pandemia.
Os títulos corporativos externos do país caíram 2,6% nesse período, muito pior do que a queda de menos de 0,1% em um índice de dívida global de empresas de mercados emergentes.
Marcos Schmidt, da Moody’s, diz que, embora os níveis de endividamento das empresas sejam moderados, um grande risco é o ambiente de juros mais altos, tanto em casa quanto no exterior.
Cenário macro não ajuda
A inflação persistente nos EUA, junto com incertezas sobre as políticas de gastos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, podem levar o Federal Reserve e o Banco Central do Brasil a manter os custos de empréstimos elevados por mais tempo, o que pode acelerar inadimplências ou reestruturações, especialmente para emissores com classificação de grau especulativo, disse Schmidt.
Em algum momento, aquelas com liquidez mais fraca “enfrentarão a escolha de continuar como estão ou tentar preservar o caixa e reestruturar sua dívida para que a empresa seja sustentável no longo prazo”.
Agências cortaram ratings das empresas
As agências de classificação de risco já identificaram algumas vulnerabilidades. A Fitch rebaixou o rating da Azul para ‘CCC-’ de ‘CCC+’, citando entre outros fatores um mercado de crédito local mais restritivo.
A S&P, por sua vez, rebaixou o rating da Gol para CC de CCC+, dizendo que o plano recente de refinanciamento da companhia aérea — se aprovado — seria uma “reestruturação de fato”.
Os investidores podem ter longas negociações com a Americanas, que devem começar em breve.
A BR Partners foi contratada pela Marisa Lojas e pela CVC para assessorá-las em negociações de reestruturação de dívidas, enquanto a Light trabalha com Laplace. Uma empresa menor, de capital fechado – o Grupo DOK, dono da marca de calçados Ortopé – também entrou recentemente com pedido de recuperação judicial no Brasil.
“Não achei que a Americanas fosse o início de uma tendência”, disse Ray Zucaro, diretor de investimentos da RVX Asset Management em Miami. “Mas talvez seja mesmo.”
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