Era apenas mais uma manhã de terça-feira no coração da região canavieira do Brasil quando trabalhadores em Sertãozinho, uma pequena cidade a quatro horas de São Paulo, receberam a notícia.

Quase todos os funcionários da usina de açúcar e etanol Santa Elisa, da Raízen, estavam perdendo o emprego. A unidade, que havia impulsionado a economia local por quase 90 anos, estava suspendendo as atividades por tempo indeterminado.

“Fiquei em choque. Olhei nos olhos das pessoas e vi tristeza”, disse Natã Nobrega, técnico que trabalhou na usina por duas décadas, em entrevista no mês passado. “Ninguém esperava por isso.”

O fechamento da Santa Elisa, em julho — que já foi a maior usina do maior produtor mundial de açúcar —, foi um sinal de alerta: sua controladora Raízen, joint venture entre a brasileira Cosan SA e a britânica Shell Plc, estava em apuros. Foi uma reviravolta drástica para uma empresa que abriu capital há apenas quatro anos, na maior oferta de ações da América Latina em 2021.

Na quinta-feira, o diretor financeiro Rafael Bergman deu uma notícia bombástica: a Raízen estava “em negociações ativas” para receber um aporte de capital depois que sua dívida saltou 56% no último ano e a empresa queimou um caixa de R$ 7 bilhões (US$ 1,3 bilhão) no trimestre encerrado em 30 de junho.

As ações despencaram até 15% em São Paulo após o anúncio, para o recorde mínimo de R$ 1,02 (US$ 0,19) — a maior queda desde a estreia na bolsa. Hoje, valem uma fração do recorde de R$ 7,60 registrado no primeiro dia de negociações.

Possibilidade antes remota?

Levantar capital era visto, até então, como algo improvável. Afinal, a Cosan é controlada pelo bilionário brasileiro Rubens Ometto, que historicamente gosta de manter controle firme sobre seus negócios — novo capital significaria diluição de seu poder.

Na sexta-feira, executivos da Cosan disseram que a holding agora está aberta a investimento externo na Raízen. “Trazer um parceiro estratégico é uma opção que nos agrada”, afirmou o CEO Marcelo Martins. Esse parceiro, acrescentou, precisa ter uma visão de negócio “alinhada à nossa e à estratégia da Shell”.

Segundo analistas do UBS BB liderados por Matheus Enfeldt, reduzir a dívida poderia “abrir caminho para que investidores voltem a se interessar pelo papel”. Mas, por ora, a medida significa diluição para os atuais acionistas.

Quando foi criada, em 2011, Shell e Cosan projetavam um futuro promissor, estimando que a joint venture poderia alcançar valor de US$ 12 bilhões. O IPO a avaliou em US$ 14,3 bilhões.

Para cumprir seus planos ambiciosos, a Raízen quase dobrou os gastos nos últimos quatro anos, enquanto o aumento dos juros fez sua dívida disparar. No fim de junho, a dívida líquida era de R$ 49 bilhões, ante R$ 31,6 bilhões um ano antes.

Pior: a Raízen comprou a Biosev, braço de açúcar da Louis Dreyfus no Brasil, que dava prejuízo e cujas usinas nem sempre eram eficientes.

As apostas em biocombustíveis de segunda geração, açúcar rastreável e combustível sustentável de aviação não deram retorno. Hoje avaliada em apenas US$ 2 bilhões, a empresa está freando planos de produzir etanol a partir de resíduos da cana, e suas expectativas de exportar etanol aos EUA para SAF foram frustradas por tarifas de 50%.

Embora anos de preços baixos de açúcar e etanol tenham afetado todo o setor, a Raízen teve desempenho pior que concorrentes como São Martinho SA e Jalles Machado SA.

Para tentar se reerguer, a Raízen passou por uma troca de comando no ano passado, nomeando Nelson Roseira Gomes Neto, ex-executivo da Cosan, como CEO. Também iniciou a venda de ativos — já se desfez da usina Leme, em Piracicaba, e de 55 unidades geradoras de energia renovável.

E vem mais por aí: segundo Gomes Neto, as vendas até agora representam apenas 7% da dívida líquida. A companhia negocia a venda de usinas no Mato Grosso do Sul e da refinaria e rede de postos na Argentina.

“A jornada de desinvestimento vai continuar”, disse Bergman na quinta-feira. “Reconhecemos que não é uma jornada de curto prazo.”

Um novo investidor pode entrar, com o Lazard assessorando a Shell e o Itaú assessorando a Cosan, informou o jornal Valor Econômico. O parceiro traria liquidez enquanto as vendas de ativos não se concretizam.

Em Sertãozinho, até 1.200 pessoas devem perder o emprego com o fechamento da Santa Elisa — unidade adquirida no negócio da Biosev.

Não era o que a cidade esperava.

“Pensei que um dia poderia voltar a ser como era antes”, disse Maurilio Biagi Filho, ex-executivo que administrou a Santa Elisa — comprada por seu avô em 1936 — por anos, antes da venda à Dreyfus. “Mas fatores econômicos pesam mais que qualquer outro cenário.”