Negócios
Crescimento menor do streaming é sinal de ‘mercado maduro’, mas diversificação de receitas é dúvida
Essa é a avaliação de especialistas à luz dos últimos números do setor; empresas se destacam com estratégias diferentes.
O crescimento do número de assinantes de plataformas de streaming, que parecia desenfreado na pandemia, agora vem mostrando sinais de que o limite está próximo. Se para alguns o dado pode ser um sinal amarelo para o futuro desse tipo de serviço, nas empresas isso tem originado estratégias diferentes para a manutenção da rentabilidade. E, segundo especialistas, as próximas curvas desse caminho passam por um consumidor mais seletivo e necessidade de diversificar receitas.
Nos Estados Unidos, o aumento no número de assinantes de serviços de streaming caiu pela metade em 2023, de 21,6% em 2022 para 10,1%, segundo dados da empresa de pesquisa Antenna noticiados pela agência Reuters.
Entre os sinais sobre o futuro do streaming nesses números, um deles é de que “nós estamos falando agora de um mercado maduro” após o crescimento veloz durante a crise de covid-19, “numa espécie de saturação“, segundo Arthur Igreja, autor e palestrante especializado em inovação.
Ele acrescenta que, com o surgimento de várias plataformas na esteira da Netflix (NFLX34), os usuários passaram a contar com uma disponibilidade grande de conteúdo, mas fragmentada em muitos serviços – o que é tão incômodo para o consumidor quanto ter muitos dispositivos de tecnologia em vez de um único que concentre várias necessidades.
“As pessoas estão começando a fazer uma seleção mais cuidadosa da assinatura que elas vão manter”, diz Igreja.
Nesse cenário, pensando nas expectativas que recaem sobre as empresas do setor, Thomas Monteiro, estrategista-chefe do Investing.com, aponta que “o mercado precificou que elas iriam continuar crescendo de uma maneira que era inviável”. Mas ele pondera: “Isso não significa que o streaming seja um negócio em decadência, significa que ele é um negócio em adaptação.”
De qualquer maneira, à luz dos dados sobre a queda no número de novos assinantes, o economista Bruno Corano aponta que é preciso cautela nas análises. “Falam que ele está despencando, mas se a gente pegar a curva antes da pandemia, ele está abaixo daquilo? Não, o mercado segue ainda maior do que era.”
De fato, os dados da Antenna mostram que a expansão geral mais do que dobrou em quatro anos, sinalizando uma tendência constante de renovação de assinaturas.
Se todo o problema fosse esse…
É inegável que a curva no número de assinantes ocupa grande parte da atenção do mercado, mas há outro ponto sob os holofotes: como as empresas ganharão dinheiro se (ou quando) as novas assinaturas minguarem de vez?
“Esse tem sido um problema na verdade até maior do que o crescimento de usuários para muitas empresas”, diz Monteiro sobre a necessidade de diversificação de receitas. Ele cita o mercado de anúncios e suas dificuldades, “porque esse é um mercado muito sensível a taxas de juros”.
Mas, independentemente dos desafios do mercado publicitário, a presença de propagandas nas plataformas de conteúdo não é ponto pacífico entre os especialistas. Para Igreja, a perda de qualidade “vai um pouco contra a promessa inicial do streaming”.
“Os serviços de streaming estão testando, flertando com isso, até para de repente criar pacotes mais baratos – eu atraio a pessoa e pode ser que ela queira migrar para um plano premium e eliminar os anúncios. Mas isso degrada a experiência.”
o Arthur Igreja, autor e palestrante especializado em inovação
Se seguir nessa tendência, para o especialista, o streaming “está começando a ir contra uma série de premissas que tínhamos como vantagens de inovação“, e ficando assim “cada vez mais parecido com TV por assinatura“.
Mas receita é receita. Falando da Netflix, Corano analisa que “o modelo da assinatura com anúncios permitiu que ela penetrasse num mercado em que até então não estava conseguindo navegar. Então, todo mundo veio na mesma e começou a criar pacotes semelhantes”.
No entanto, Igreja lembra que as tentativas por novas fontes de faturamento para o streaming não precisam se encerrar nos anúncios – embora, entre os exemplos lembrados, como games na Netflix, nenhum tenha sido classificado como um sucesso. “Nenhum serviço conseguiu criar uma linha de receita muito relevante.”
Ainda assim, no 4º trimestre de 2023 a receita da Netflix subiu para US$ 8,8 bilhões, superando as projeções da própria empresa, de US$ 8,7 bilhões.
Enquanto isso, o desafio para manter boa rentabilidade continua. “Ou seja, diversificar as receitas tem sido importante, mas também tem sido importante a outra ponta, que é tornar-se mais eficiente, quer dizer, produzir conteúdo mais barato, com margens melhores“, diz Monteiro.
Empresas diferentes, estratégias diferentes
As incertezas sobre as novas tendências do mercado de streaming vêm impactando as expectativas sobre as empresas de forma heterogênea. Um dos pontos principais é a quantidade de alternativas que cada companhia tem nas mãos, aponta Igreja.
Isso significa, por exemplo, que, enquanto para Netflix “o streaming se encerra nele mesmo”, para a Amazon (AMZO34) o serviço “Amazon Prime” representa uma estratégia extra ao negócio da empresa, assim como o Mercado Livre (MELI34) e seu “Mercado Play”.
“A pessoa está vendo uma série da Prime em que alguém está usando um notebook da marca X, eu posso ver depois na página inicial da Amazon aquele notebook, a roupa que estava sendo usada.”
Enquanto isso, outras seguem com sua estratégia em busca da expansão. A Disney (DISB34), por exemplo, anunciou na quinta-feira (28) uma fusão com o principal conglomerado da Índia, Reliance Industries, envolvendo os ativos de televisão e streaming no país, num movimento para tentar conter a saída de usuários de sua plataforma por lá.
O negócio ocorre em um momento considerado delicado para a empresa. Recentemente, o executivo Bob Iger retornou como presidente-executivo da Disney, menos de um ano depois de se aposentar, e desde então tem buscado uma reestruturação.
Assim, enquanto mira em outros mercados, a Disney tem “modelos diferentes” dentro da própria empresa, diz Moneiro. “Você tem um grupo que quer um modelo mais conservador e outro grupo que acredita que pode tomar por assalto e de fato passar o crescimento de usuários da Netflix, tomar outros mercados.”
“A Netflix tem uma vantagem que é muito grande que é uma capacidade de crescer globalmente muito superior”, complementa o especialista.
Enquanto isso, no Brasil
Apesar de ser um mercado considerado grande, os especialistas não enxergam que o Brasil deva estar no topo da lista de prioridades de investimentos das grandes empresas de streaming no curto prazo. “Isso não significa que não vão haver investimentos no Brasil. No entanto, não é o foco do crescimento dessas empresas no momento”, acredita Monteiro.
Mas isso não quer dizer que não haja representante interno da corrida pelo sucesso no segmento do streaming. Maior grupo de mídia nacional, a Globo não esconde que o Globoplay é uma de suas principais apostas.
Entre outras medidas, a empresa expandiu recentemente o sinal de transmissão do canal de TV no serviço de streaming. A ideia era aumentar o número de usuários da plataforma para, na sequência, pensar em formatos de publicidade adaptados.
Em um evento que reuniu empresários do setor em São Paulo em outubro, Paulo Marinho, diretor-presidente da Globo, disse que a empresa “investe R$ 5 bilhões por ano em conteúdo e tecnologia”.
“É interessante ver o tamanho do investimento que a Globo faz em tecnologia, é louvável, está tentando se adaptar”, diz Igreja.
No entanto, os especialistas apontam que a empresa brasileira tem obstáculos pela frente que a distanciam das expectativas sobre as estrangeiras como Netflix.
“A Globo possui um modelo que é muito particular, com produção audiovisual caríssima, muitos custos fixos, como o de ter um terreno enorme para as produções particulares. De certa forma então a Globo de fato enfrenta o problema de ter tido sucesso”, diz Monteiro, emendando que esse “é um desafio que a Netflix nunca enfrentou porque ela já vem como uma empresa enxuta por essência”.
De qualquer forma, a empresa brasileira guarda alguma semelhança com os desafios que as demais estão enfrentando lá fora, segundo o especialista: “basta ver o que aconteceu no ano passado, com uma greve de roteiristas. Nós estamos vendo uma era muito diferente e está todo mundo tentando entender como essa conta vai fechar com a produção de conteúdo ficando cada vez mais cara.”
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