Uma novidade potencialmente disruptiva ou só um dispositivo a mais que deve cair no esquecimento pouco depois de seu lançamento. As análises são opostas entre si, mas ambas foram direcionadas por especialistas para um mesmo produto: o “anel inteligente” da Samsung, que ainda não tem data de lançamento oficial, mas já gera expectativas no mercado.
O chamado “Galaxy Ring” não foi detalhado pela Samsung, que apenas mostrou suas primeiras imagens em uma apresentação na Califórnia no último dia 18, quase em tom de “spoiler”. A promessa é que o dispositivo seja direcionado à saúde e ao bem estar, com uso de inteligência artificial.
Especialistas ouvidos pelo InvestNews se dividem quanto às expectativas sobre o lançamento. Há quem diga que pode haver potencial para se tornar mais uma tendência de “dispositivos vestíveis”, a exemplo da popularização dos relógios inteligentes, mas também há previsões de que o anel tem tudo para “micar”, a exemplo do emblemático óculos do Google lançado anos atrás.
Benefício real para ser disruptivo
A aposta do mercado é de que o Galaxy Ring vai coletar indicadores de saúde do usuário, mas não há nenhuma clareza do que será oferecido além desses dados. De qualquer forma, um dos principais pontos que jogam a favor do anel da Samsung é o interesse cada vez maior dos consumidores (especialmente depois da pandemia) por produtos e serviços ligados a esse tema.
“O mercado de saúde é maior que todo o varejo, e é onde essas empresas de tecnologia têm um share ainda muito grande para conquistar”, comenta Alexandre Kavinski, CMO da Mirum e i-Cherry.
Uma das grandes expectativas é de que o anel irá coletar dados sobre qualidade de sono. “A aposta da Samsung parece ser muito voltada para um dispositivo menos intrusivo que vai monitorar sua saúde, numa ideia mais plausível do que o relógio, que é muito mais desconfortável”, diz Pedro Sant’Anna, fundador e COO da allu.
Kavinski concorda, mas acrescenta que somente a questão do conforto não deve ser suficiente para que um consumidor assuma a necessidade de ter um dispositivo extra só para coleta de dados. Para que o produto seja útil, é preciso oferecer uma solução para o problema identificado.
“A Samsung pode, por exemplo, fazer um despertador inteligente que muda o meu horário de acordar, respeitando as reuniões e tudo o que eu tenho durante o dia, mas ele pode me acordar mais cedo ou mais tarde dependendo qual que foi a minha fase REM do sono e assim por diante”, diz ele.
“Se isso for possível de ser feito e as pessoas tirarem um benefício disso, isso, sem dúvida, vai ser um sucesso. Porque viraliza outras pessoas começam a utilizar.”
Alexandre Kavinski, CMO da Mirum e i-Cherry
A Samsung não confirmou oficialmente se o Galaxy Ring vai monitorar indicadores de sono. O InvestNews questionou a empresa sobre as funcionalidades do produto, mas não recebeu retorno.
Mas ainda na discussão de um dispositivo precisa oferecer soluções para ser realmente inovador, Kavinski cita como exemplos as ferramentas voltadas a pessoas com diabetes, mais especificamente a da empresa norte-americana DexCom.
“A DexCom faz um um adesivo que você cola no abdômen, para quem tem diabetes tipo 1, que geralmente são crianças e adolescentes. Os pais precisam acompanhar e dar injeção toda hora. Essa ferramenta conseguia identificar o grau de açúcar e fazer o disparo automático da insulina, e garantia mais segurança.”
Mas isso tudo é mesmo o bastante?
O Galaxy Ring pode até ser mais confortável para dormir que um relógio ou eventualmente oferecer algum tipo de conexão com o smartphone para melhorar a qualidade do sono, mas esses argumentos podem não ser suficientes para que o consumidor aceite ter um novo dispositivo para carregar. Essa é a opinião de Arthur Igreja, autor e palestrante especializado em inovação.
“Veja, tudo que as pessoas não querem é um dispositivo de uso singular. No relógio a pessoa está recebendo notificação, vendo a hora, monitorando atividade física. Já esse anel basicamente serve para monitorar a saúde, então eu não acho que seja tão disruptivo assim”
“Eu tenho uma certa dificuldade em imaginar que, por exemplo, uma pessoa que tem um smartwatch vai querer comprar um negócio desse (anel)”
Arthur Igreja, autor e palestrante especializado em inovação.
Se isso for verdade, o Galaxy Ring pode estar fadado ao mesmo destino de dispositivos “vestíveis” que foram prontamente esquecidos após serem anunciados como revolucionários, como o clássico caso do Google Glass, lançado em 2013 com a proposta de que comandos de voz ou toques na haste dos óculos substituíssem a necessidade de pegar o celular.
“Foi péssimo”, lembra Igreja, acrescentando que a Samsung também já chegou a se aventurar no segmento de óculos de realidade aumentada há cerca de 6 anos. “Dois anos depois, ela encerrou o ecossistema inteiro. E um monte de gente agora tem esses óculos em alguma gaveta da sua casa.”
Mas por que tecnologias micam? E como o Galaxy Ring iria para o mesmo caminho? Para Pedro Sant’Anna, o caso do Google Glass deu errado porque “tentaram se posicionar como um produto disruptivo demais”. Já Alexandre Kavinski aponta que o consumidor não conseguiu encontrar sua funcionalidade, enquanto Arthur Igreja credita a rejeição ao design – e então faz um comparativo com as possibilidades para o anel da Samsung.
“O Google Glass era feio, tinha um LED na frente da cara da pessoa mostrando que ela estava gravando aquilo. Então você avança 10 anos no tempo, e agora o que nós estamos vendo, por exemplo, é a Meta lançando aquele óculos em parceria com a Ray-Ban. E tendo uma certa aceitação, porque ele é incrivelmente parecido com o Ray-Ban normal”, lembra.
“Isso vale para smartwatch, isso vale para anel, vale para seja lá o que for. Design é absolutamente primordial”, diz Igreja.
O que já existe
O anel inteligente não é novidade. Já existem alguns modelos no mercado que monitoram indicadores de saúde, com preços a partir de US$ 260 (cerca de R$ 1.280), segundo levantamento feito pela “Forbes”. São fabricados por empresas menores e startups.
Mas, “claro, quando a Samsung lança, é uma fabricante com esse porte, ganha uma outra proporção”, compara Igreja, apontando “uma força de marketing que é gigantesca”.
Outro ponto importante no radar é o preço. “Os outros estão posicionados como produtos muito caros. Se a Samsung conseguir se posicionar até US$ 179 (cerca de R$ 880), acredito que tenha um mercado muito mais plausível de ser atacado”, diz Pedro Sant’Anna.
Já Igreja considera que “tem uma chance muito maior da pessoa colocar no orçamento dela um upgrade de telefone do que mais um dispositivo nesse ecossistema”.
O InvestNews questionou a Samsung sobre o preço do Galaxy Ring, mas não teve retorno.
Além dos anéis, entram na comparação outros dispositivos que monitoram o sono, já que é a principal aposta do mercado para o produto da Samsung. Um deles é o Halo Rise, lançado pela Amazon em 2022. Era uma luminária de cabeceira que servia para monitorar o sono, e também funcionava como despertador e rádio-relógio.
A ausência de necessidade de “vestir” o dispositivo foi apontada como vantagem em relação a outros produtos, mas o negócio não decolou. Em 2023 toda a linha de saúde Halo foi descontinuada. Alexandre Kavinski avalia que a principal razão para o fracasso foi que “ninguém viu ele trazer uma funcionalidade que ajude a melhorar o sono depois de coletar informações”.
Leque de possibilidades versus concorrência
Em meio às discussões sobre as chances de o Galaxy Ring cair ou não nas graças dos consumidores, o mercado também tenta entender como a Samsung deve transformar seu anel em receitas (e isso além da venda do produto em si).
Para Pedro Sant’Anna, o que a empresa “deve fazer é agregar esse produto para aumentar a percepção de valor gerado no upgrade para novos itens”, como promoções em que “usuários que fizerem upgrade de smartphone vão receber um Galaxy Ring”. “Esses periféricos, como relógio e anel, servem para compor a percepção de valor dos produtos mais premium da Samsung.”
Kavinski cita outras possibilidades, como criação de um modelo de assinatura, ganhos com a coleta de dados e a promoção de parcerias com seguros de saúde ou outras empresas da área.
Diante de tantas hipóteses e nenhuma confirmação, as atenções se voltam também para a concorrência. A dúvida é se o lançamento da Samsung tem potencial para incomodar as demais empresas do setor e gerar alguma reação.
Sant’Anna acredita que sim. “Via de regra, o ambiente do Android é mais competitivo por novas funcionalidades. Então, chinesas como Xiaomi devem, sim, rapidamente responder”, diz. “A principal preocupação da Samsung no momento é retomar o posto de principal fabricante de smartphones. Então, está competindo de forma mais feroz com as chinesas”.
Depois de 12 anos na liderança de vendas de smartphones do mundo, a Samsung foi ultrapassada pela Apple em 2023, segundo a pesquisa IDC citada pela agência Reuters. O levantamento também mostra que a Samsung perdeu participação de mercado para Xiaomi e Transsion.
Em meio a essa competição, se para as empresas que exploram o Android o cenário é mais disputado, especialistas não acreditam que o lançamento de novos dispositivos pela Samsung deva gerar alguma preocupação à Apple.
“Na Apple, especificamente, o horizonte de implementação é mais longo. Como eles têm uma base de marca muito grande, eles esperam para lançar do ‘jeito Apple’. Não estão, por exemplo, com nenhuma pressa de aderir ao segmento de smartphone dobrável”, diz Sant’Anna.
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Mas isso não significa que a gigante norte-americana vá ficar de fora da corrida da “internet das coisas” e “dispositivos vestíveis”, ressalta Kavinski. “Não sei se é coincidência ou não, mas no que no mesmo dia em que a Samsung estava fazendo o teaser o anel, a Apple liberou para os jornalistas o seu Vision Pro.”
O especialista menciona que as análises do novo óculos da Apple até agora são iniciais, mas pode ser “uma revisão do óculos do Google”. E assim, entre fracassos e acertos, continua a busca pelo próximo dispositivo que vai quebrar barreiras.
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