“O mercado amadureceu, mas isso não significa que ele parou de crescer”, afirma Gustavo Castro, executivo da Ambev responsável pela área de estratégia e portfólio. “A cerveja segue conectada ao prazer e à sociabilidade. Só que as pessoas querem outras experiências — e com mais equilíbrio.”
De Zeca Pagodinho a Stella Artois
Até o início da década passada, a cena era dominada pelas marcas populares, de massa: Skol, Brahma, Antarctica. Mas dali em diante começou a “premiumização”. Rótulos como Stella Artois e, principalmente, Heineken ganharam terreno, sem falar no fenômeno das artesanais, que fez pipocar uma microcervejaria em cada esquina. Tudo isso refletia uma busca por diferenciação. “Foi um ponto de virada”, diz Castro. “As pessoas passaram a escolher cervejas diferentes para momentos diferentes.”
Hoje, é comum ver consumidores alternando entre uma artesanal no fim de semana e uma opção zero álcool no meio da semana. A prática, que vem ganhando força em grandes cidades e festivais, ficou conhecida como zebra striping: intercalar cervejas com e sem álcool para equilibrar o consumo ao longo da noite — e da vida.
A indústria tem respondido também com novos produtos. Um exemplo é a Stella Pure Gold, sem glúten e menos calórica – lançada pela Ambev no Brasil e depois exportada para outros países. Outro é a Corona Sunbrew, uma cerveja zero álcool enriquecida com vitamina D.
Segundo a Euromonitor, o segmento de cervejas sem álcool ou de baixa caloria cresceu 18% em 2024, atingindo 702 milhões de litros e consolidando-se como a categoria de maior crescimento no mercado brasileiro.
A Ambev tem se apoiado em dados para ler e antecipar mudanças. A empresa usa informações de sua plataforma de entregas, a Zé Delivery, para testar produtos em mercados específicos antes de lançamentos nacionais. Foi assim que a marca alemã Spaten, hoje um dos rótulos que mais crescem no portfólio da empresa, venceu outras duas marcas internacionais – a argentina Andes e a mexicana Modelo – em testes regionais e ganhou escala no país, escalada para bater de frente com a Heineken.
A estratégia de crescimento não está baseada apenas em inovação — mas também em redução. A companhia passou a concentrar esforços nas chamadas “Mega Brands”: Brahma, Spaten, Corona e Budweiser. Em paralelo, marcas tradicionais como Bohemia e Antarctica têm perdido espaço. “O desafio é atender o máximo de ocasiões e perfis com o menor número possível de marcas”, diz Castro. “Complexidade demais atrapalha.”
O copo e a ampulheta
Para Cid Passini, diretor da L.E.K. Consulting, as mudanças no mercado não vêm apenas das empresas. “Há uma geração nova que consome menos álcool, é mais atenta à saúde e à própria imagem. O álcool passou a ser algo a ser negociado, e não mais uma regra social”, afirma.
Passini resume o momento em três forças: identidade, conveniência e economia. A escolha do tipo de cerveja se tornou uma expressão de estilo. O consumo se adaptou a rotinas mais aceleradas e urbanas. E o preço continua sendo um fator decisivo, especialmente no Brasil.
Esse cenário dá origem a um fenômeno que ele chama de “Hourglass Economy” — ou economia [na forma de] ampulheta. “Os produtos de faixa intermediária estão perdendo espaço. As pessoas estão migrando para os dois extremos: ou compram o mais barato possível, ou investem numa experiência especial”, explica.
“Para quem tem menos renda, esse ‘especial’ pode ser uma Brahma Duplo Malte. Para quem tem mais, pode ser uma cerveja importada. Mas o raciocínio é o mesmo: gastar menos no dia a dia para gastar mais onde faz sentido.”
A presença cada vez mais consolidada da Heineken também mexeu com o mercado. Se antes a Ambev reinava praticamente sozinha, agora precisa dividir atenção com uma rival que soube ocupar pontos de venda com agressividade. Hoje, o market share da concorrente é de 25%; o da Ambev, que já foi de 70% no início do século, está em 60%.
“A competição obrigou todo mundo a se mover”, diz Passini. “É uma concorrência saudável, entre dois players grandes e racionais.”
Update da cerveja
O que se vê no Brasil tem paralelo com os Estados Unidos, onde as marcas que se alinham a estilos de vida mais equilibrados também são as que ganham mais espaço.
A Michelob Ultra, por exemplo, cresceu 3,1% nas vendas entre março e junho deste ano, na comparação anual, enquanto concorrentes diretas como Bud Light (-9,3%), Coors Light (-5,9%) e Modelo (-1,8%) caíram, como mostra uma reportagem do Wall Street Journal. O segredo é a consistência no posicionamento e foco em saúde, esportes e moderação. Especialistas apontam até um “Efeito Ozempic”, com consumidores mudando seus hábitos depois de emagrecerem graças aos remédios modernos contra a obesidade.
No Brasil, a Michelob é uma marca da Ambev, e a empresa busca consolidá-la nesse nicho, com foco em consumidores que priorizam baixo teor alcoólico e estilo de vida saudável — ainda não há dados públicos, no entanto, que confirmem a performance da Michelob por aqui.
O crescimento em volume de cerveja parece ter atingido um limite natural. De acordo com a Euromonitor, o volume total do setor deve aumentar apenas 1% ao ano até 2029, chegando a 16 bilhões de litros. O consumo já é massivo e o número de novos consumidores, especialmente entre os mais jovens, tende a cair. “A cerveja sem álcool entra como alternativa para manter frequência, mas dificilmente vai trazer gente nova que nunca bebeu”, diz Passini.
O que se desenha é uma indústria menos obcecada por litros vendidos e mais focada em presença, frequência e relevância. A cerveja ainda carrega o peso simbólico de um hábito cultural enraizado — mas esse hábito está mudando de forma.
Sem romper completamente com o passado, o setor vai tentando entender como manter viva a conexão emocional com o consumidor. O importante para a indústria é o copo seguir cheio – com ou sem álcool lá dentro.
Colaborou Rikardy Tooge