Por anos, a disputa no comércio eletrônico parecia uma corrida de resistência: quem tivesse mais centros de distribuição e maior capilaridade venceria o jogo. Foi assim que o Mercado Livre conseguiu impôr uma muralha amarela no e-commerce brasileiro até agora. Mas essa disputa ganhou novos capítulos. 

Parte da corrida, agora, é por velocidade. O novo troféu são as entregas não mais em um dia, mas em minutos, seja de refeições, farmácia ou produtos. E é nesse contexto que a Amazon está se reforçando para a briga na América Latina.

De acordo com reportagem da Bloomberg, a gigante americana teria feito um investimento de US$ 25 milhões na colombiana Rappi, via nota conversível, que pode se transformar em até 12% de participação na startup se metas forem cumpridas. Amazon e Rappi não comentaram.

Ainda assim, mesmo que esse seja um valor pequeno para uma empresa do tamanho da Amazon, o movimento é simbólico, já que abre a porta para uma aliança logística e comercial em nove países da região e reforça o compromisso de longo prazo da companhia com o mercado latino-americano.

Para a Rappi, o endosso da Amazon adiciona credibilidade e potencial impulso em futuras rodadas de captação. Fundada em 2015, a startup ganhou relevância ao prometer entregas em menos de dez minutos com o serviço “Turbo”, além de diversificar parcerias em supermercados, farmácias e até serviços financeiros. “O acesso ao ecossistema da Rappi pode permitir que a Amazon fortaleça a proposta de valor do Prime e ganhe escala mais rápido em mercados fragmentados”, escreveram analistas do BTG Pactual em relatório.

A aposta da Amazon no Brasil

Apesar de ser um gigante global, a Amazon ainda ocupa a terceira posição no e-commerce brasileiro. Em 2024, ficou atrás de Mercado Livre e Shopee em audiência e em vendas brutas (GMV, na sigla em inglês). Segundo ranking da Conversion, a empresa teve 7,4% da participação de visitas, contra 13% do Mercado Livre e 8,7% da Shopee .

Em vendas, a diferença é mais expressiva: dados da consultoria ecommerceDB estimam que em 2024 o Mercado Livre vendeu US$ 25,9 bilhões, a Shopee, US$ 18,5 bilhões e Amazon vendeu US$ 14,5 bilhões. 

Com a disputa acirrada pelo avanço da Shopee e de outras asiáticas recém-chegadas como Temu e TikTok Shop, a Amazon tem acelerado os investimentos. Em 2024, informou ter aportado R$ 8 bilhões no país, acumulado de R$ 33 bilhões desde 2011. Também inaugurou centros de distribuição (CD). Hoje, opera 10 CDs, 150 polos logísticos, 42 rotas aéreas e cobre 100% dos municípios brasileiros, com entrega no mesmo dia em 34 cidades. Em 2025, anunciou a redução de tarifas logísticas para sellers .

A era das “metafusões”

Um investimento da Amazon no Rappi não seria um movimento isolado. Também é algo que ajuda a ilustrar uma tendência que Marcos Gouvêa, sócio da consultoria Gouvêa Ecosystem, chama de “metafusão”: alianças estratégicas para acelerar competitividade sem precisar de uma fusão ou aquisição formal.

“Esses movimentos têm sido muito frequentes. Um bom exemplo é o Magazine Luiza se integrar ao AliExpress para oferecer linhas de produtos usando as plataformas de ambos. Mais recentemente, iFood e Uber também anunciaram uma parceria. A Amazon está seguindo essa lógica: em vez de começar do zero ou comprar algo, passa a operar em conjunto para ganhar vantagem competitiva mais rapidamente”, diz Gouvêa.

Segundo ele, esse tipo de parceria tem se tornado o caminho mais rápido para enfrentar concorrentes estabelecidos. “O Brasil tem peculiaridades que são bastante distintas de outros mercados, o que faz com que líderes globais acabem ‘apanhando’ por aqui”, lembra. Walmart, maior varejista do mundo, é um exemplo clássico de gigante que não conseguiu se adaptar ao mercado brasileiro e decidiu sair.

A nova fronteira

Segundo o Santander, a aliança com a Rappi pode marcar o início de uma fase “pós-fulfillment”, quando a competição deixa de ser apenas sobre quem tem mais centros de distribuição e passa a ser sobre quem consegue entregar mais rápido. “O impacto para o Mercado Livre é limitado no curto prazo, mas o tema pode ganhar relevância a partir de 2026”, escrevem os analistas do banco.

O pano de fundo é de aquecimento da disputa no Brasil. O iFood, líder incontestável no país, agora enfrenta o apetite da chinesa Meituan, que anunciou investimento de US$ 1 bilhão via Keeta para disputar o mercado de entregas, enquanto o Mercado Livre dá sinais de que também vai se aventurar no setor, comprando recentemente uma farmácia em São Paulo. 

Apesar de todos os avanços, a Amazon ainda precisa enfrentar a força do ecossistema local. Para Gouvêa, o Mercado Livre estabeleceu uma plataforma de atuação forte e com uma eficiência logística que lhe garantiu uma liderança nada simplória de cerca de 40% do valor vendido no e-commerce brasileiro.

Além da força dos rivais, há barreiras regulatórias e tributárias que tornam o mercado brasileiro complexo. Parte da vantagem de players asiáticos como Shopee, Temu e TikTok Shop vem de canais diretos de importação, que até pouco tempo atrás ofereciam benefícios fiscais relevantes. “Isso ainda gera algum benefício em relação aos players locais e precisa ser equalizado”,diz Gouvêa.

Para ele, a escolha da Amazon de se associar à Rappi mostra uma leitura pragmática desse cenário: “Ao invés de partir do zero ou comprar uma operação, eles preferem atuar em conjunto para ganhar vantagem competitiva mais rapidamente”.

Por enquanto, ainda não são públicos os planos concretos de integração da Amazon com a Rappi no Brasil. No México, o Prime, programa da Amazon, já oferece 12 meses de Rappi Pro aos assinantes. Mas analistas veem espaço para que a parceria seja usada para acelerar presença no país, sem ter de passar por longos processos de aquisição ou construir uma rede própria de última milha.