Em 2025, as ações da C&A subiram 178%. Não é um desempenho trivial. Estamos falando de um período em que a taxa de juros disparou, o que afeta em cheio tanto os negócios das varejistas quanto o mercado de ações. Tanto é que o Ibovespa, principal índice de referência da B3, teve alta de apenas 15%. Ao mesmo tempo, a concorrência no varejo de moda nunca foi tão acirrada – e a expressão “taxa das blusinhas” ilustra bem essa situação.
Outras varejistas de moda brasileiras também vivem um momento positivo, é verdade. A Azzas, dona de Hering e outras 26 marcas, sobe 41%; Guararapes (Riachuelo), 53%; Renner, 63%. Muito desse ganho tem a ver com o nível de preço das companhias – ou valuation, como se diz no mercado –, que ficaram baratas depois do efeito negativo provocado pela concorrência asiática e do receio da alta de juros. Mas, como os números mostram, a resposta no caso da C&A destoa. E essa valorização, vale registrar, não é de hoje: nos últimos dois anos, a ação sobe 270%.
O forte crescimento da C&A também contrasta com a situação da empresa no resto do mundo. Na Europa, onde está a sede da companhia, a varejista de moda está encolhendo. Nos últimos três anos, a C&A vem fechando regularmente lojas na Alemanha, maior mercado europeu da empresa e reduziu em cerca de dois terços o quadro de funcionários na Áustria. Na França, anunciou em março deste ano um programa de demissão voluntária. E, na Suíça, seu país de origem, a companhia decidiu fechar as 30 lojas no país. Por lá, só é possível comprar os produtos da varejista on-line.
A C&A não divulga qual é o peso da operação no Brasil para a companhia globalmente, mas olhando para os números acima, fica fácil de imaginar que o resultado por aqui vem gerando bastante entusiasmo. Mas, para chegar a esses números, houve um trabalho interno intenso, que envolveu ajuste financeiro, operacional e investimento em tecnologia e eficiência nas lojas. E que já está se refletindo em crescimento expressivo nas vendas, ganho de participação de mercado e uma sólida posição na liderança da estratégia omnichannel, de integração entre os canais físicos e digitais.
No primeiro trimestre deste ano, último balanço divulgado, o lucro da C&A mostrou uma queda expressiva, de 94,3% para R$. 4,1 milhões. Mas essa variação negativa aconteceu, em grande medida, por causa do reconhecimento de créditos tributários no mesmo período do ano anterior – o que inflou a base de comparação, portanto. Desconsiderando-se esse efeito, o lucro líquido de R$ 58 milhões teria ficado três vezes maior do que o valor registrado um ano antes.
De um modo geral, o balanço mostrou melhorias operacionais importantes e também no nível de endividamento, o que explica a continuidade do otimismo do mercado com a companhia.
O principal indicador do setor, o de “vendas mesmas lojas”, que mostra o desempenho do faturamento nos espaços que já possui, teve crescimento de 15%, acima das concorrentes diretas Renner ficou em 13% e Riachuelo 12%. Além disso, a geração de caixa se acelerou e a relação entre dívida líquida e Ebitda se manteve em 0,5 vez, patamar considerado saudável pelos bancos.
De volta à passarela
Outro aspecto que acabou beneficiando a C&A foi o efeito direto da taxação das peças importadas, definida pelo governo federal em 2024. “Entre as três maiores, sem dúvida, a C&A foi a mais beneficiada pela taxação das peças importadas, por concorrer em pé de igualdade com as chinesas nas vendas de itens mais básicos”, diz a especialista no setor Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores. Em outras palavras, como a C&A era mais afetada pela concorrência chinesa, ela também sentiu mais o alívio que a medida trouxe para o segmento.
A companhia só conseguiu atender bem à demanda crescente porque já tinha uma nova estratégia operacional para tirar da cartola. Uma remodelagem que incluía o uso massivo de dados para a definição de preços e produtos, aliada à adoção do “varejo puxado em vez de empurrado”, nos jargões do setor.
Em suma, no primeiro modelo um teste de vendas é feito em algumas lojas, antes do envio do estoque completo. Se uma coleção vender mais na Bahia do que no Paraná, por exemplo, a C&A sabe para onde envia as peças para vendas, o que evita encalhe de peças e necessidade de promoções – e, por consequência, redução de ganhos do negócio.
“Operar dessa forma foi um dos motivos que levaram a empresa a performar melhor que Renner e Riachuelo tanto em crescimento de receita quanto em margem e alavancagem”, afirma Caroline Sanchez, analista da Levante Inside.
Banho de loja
Agora, depois de um período operando no “básico” e feitos os ajustes no negócio, o desafio da C&A será voltar às origens e desengavetar a alcunha de símbolo da moda que a marca já possuiu no passado.
A resposta pode estar na inspiração de novas coleções originais, com ideias de peças vindas não só das grandes semanas de moda de Nova York, Milão e Paris, mas também das ruas das grandes metrópoles e perfis de redes sociais. Neste movimento, os mesmos dados que nortearam as mudanças operacionais vão agora ajudar nas novas coleções.
Crédito no foco
Outro capítulo importante no processo de ajustes da C&A foi o fim do acordo com o Bradesco e a a Bradescard, vigente desde 2009. O acordo era voltado à oferta de produtos e serviços financeiros aos clientes da varejista. Em junho, a rede vendeu os direitos associados à carteira de cartões de crédito da bandeira Bradescard para o Bradesco por R$ 170 milhões. Ao mesmo tempo, liquidou os R$ 650,6 milhões que devia ao banco em troca da recompra dos direitos exclusivos de oferta e controle de dados dos clientes.
O desembolso foi feito antes do limite do prazo entre as duas, mas o esforço deve valer a pena porque agora a C&A terá sozinha o controle sobre os dados e o que fazer com eles.
Entre as iniciativas já previstas estão a precificação dinâmica na carteira de clientes e testes para saber quanto e quando cada um pagaria pelos produtos. Além de usar a base para antecipar tendências de compras e conceder crédito de acordo com o histórico de consumo.
A operação de crédito, com a C&A Pay, sem a intermediação de uma instituição financeira, é vista por analistas como um catalisador para a fidelização de clientes e aumento da recorrência. É que as pessoas que usam o modo de compra acabam gastando mais e de forma parcelada – uma chance da empresa ofertar mais produtos a cada pagamento de boleto.
Para analistas, foi acertada a opção da C&A por oferecer foi a oferta do cartão Private Label, de uso exclusivo nas lojas da varejista, em vez dos cartões “mar aberto”, como fizeram as rivais Riachuelo, Renner e Marisa. Essa é uma forma da C&A controlar melhor o risco de acordo com o histórico de comportamento dos clientes e, assim, reduzir a inadimplência.
De janeiro a março, o resultado operacional do C&A Pay foi de R$ 19,4 milhões, valor 10,5% maior em relação a um ano antes, resultado que ajudou no negócio como um todo.
Esse conjunto de peças deu uma roupagem nova para a empresa, depois de anos com o mesmo modelito esgarçado e fora de moda. O valor dos papeis CEAB3 vale quase cinco vezes mais, em relação a 2023, e, ainda assim, o BTG Pactual vê um potencial de valorização de mais 70% até o fim do ano.
A abertura (tímida) do império Brenninkmeijer
“Com tanto entusiasmo do mercado, resta saber agora se os controladores vão de novo, vender uma parte das ações ou não”, diz o gestor de investimentos.
Ele se refere ao desinvestimento feito em novembro de 2024 pela família Brenninkmeijer, controladora da rede de varejo C&A, com 65,3% do capital. A holding Cofra, que reúne os negócios dos fundadores, levantou R$ 460,8 mil com a venda de 40 milhões de ações – o equivalente a 13% do capital da companhia, que tem ações na bolsa brasileira desde 2019.
Na época, comentou que considerava a operação positiva porque “a ampliação do free float tem potencial de resultar no aumento de liquidez das ações e desbloquear valor para os acionistas”. Em outras palavras, uma ótima forma dos herdeiros embolsarem parte dos lucros.
Fundada em 1841 em Sneek, na Holanda, a C&A tem em seu nome as iniciais dos irmãos Clemens e August Brenninkmeijer. Os dois vendiam tecidos para trabalhadores rurais até perceberem que poderiam fazer roupas prontas, como os casacos de lã usados apenas pela elite, e vendê-los a preços populares.
Criaram, assim, um conceito novo de negócios, que somado aos surgidos posteriormente, formam hoje um império estimado em US$ 39 bilhões, composto de ativos do setor imobiliário, tecnologia e financeiro.
Todos reunidos na Cofra Holding, sediada na Suíça, onde a estrutura rigorosamente familiar contava com cerca de 60 dos 100 herdeiros administrando os negócios de forma discreta.
Aos poucos, nas últimas duas décadas, há um esforço dos Brenninkmeijer em profissionalizar mais a gestão das várias empresas e até uma certa receptividade em receber investidores de fora. Bregal, braço de private equity fundado no início dos anos 2000, abriu capital em 2016. No Brasil, a C&A fez seu IPO em 2019.
O movimento é quase uma evolução clássica das dinastias empresariais: de um controle totalmente fechado para uma estratégia híbrida, que pesa na direção de abrir capital e integrar gestão profissional, enquanto mantém participação de controle.