A prisão inusitada de um galo chocou os 32 mil habitantes da pequena cidade de Ivaiporã, no norte do Paraná, em 2021. O perturbador da ordem cantava alto de madrugada e atrapalhava o sono dos vizinhos, que chamaram a polícia. 

Levado de camburão para a cadeia, o bicho ficou preso por dois dias, virou meme, foi a leilão e acabou garoto-propaganda do Grupo MM, uma rede de varejo paranaense. Com sua fama, ajudou a companhia a vender seus móveis e eletrodomésticos. 

Talvez você nunca tenha ouvido falar da MM – muito menos do galo. Mas é assim que a varejista cresce: com muita publicidade local, voltada à população das zonas rurais, e longe dos holofotes publicitários disputados por Magazine Luiza e Casas Bahia

Mesmo assim, essa companhia de Ponta Grossa (PR) faturou R$ 1,8 bilhão em 2024, emprega 2,5 mil pessoas em 230 lojas – espalhadas por centenas de cidades do interior do Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Cresce 15% ao ano em receita, mesmo ritmo do progresso econômico de seu público alvo, os agricultores – mesmo sem nunca ter investido em propaganda na grande mídia. 

A tradição na varejista, fundada em 1978, é direcionar 1,5% do faturamento para a parte de marketing. Sempre em ações particularmente regionais. É patrocínio de bingo, de festa da polenta, promoção em época de colheita, casamento coletivo…

“Até corrida de tartaruga nós já patrocinamos. Vale tudo o que aproxime a gente das pessoas do interior”, conta Márcio Pauliki, CEO da do Grupo MM, 52 anos. “Além de mais em conta, é mais certeiro para nós”. 

Márcio é o primogênito dos dois herdeiros de Jeroslau Pauliki, fundador da rede que hoje, aos 82 anos, preside o conselho da empresa. 

Filho de imigrantes ucranianos, Jeroslau nasceu na pequena Arapoti, interior do Paraná, e começou a trabalhar aos 8 anos para ajudar a família. Vendeu pirulito, engraxou sapatos, foi cobrador de ônibus, barbeiro… Até que, com um curso de datilografia e muito esforço, virou gerente de uma fornecedora de materiais para tapeçarias, em Ponta Grossa.

Um dia teve de cobrar um cliente caloteiro. Recebeu beliches mais alguns móveis de madeira como pagamento. Mas o patrão não gostou do escambo. Acabou deixando os móveis com ele.

Sem o que fazer com a tralha, Jeroslau levou para vender no bairro da Ronda, próximo à rodoviária da cidade. Ouviu que, ali, se ele vendesse, só se fosse para algum bêbado que estivesse passando. 

Foi justamente o que aconteceu. Um sujeito que tinha tomado todas levou o estoque inteiro, na empolgação.

A venda relâmpago serviu de gatilho. Jeroslau decidiu, então, vender o único bem que tinha, uma Brasília amarela, e investir na primeira loja do Mercado Móveis, nome original da rede. 

O crescimento foi naquele ritmo de juros compostos. Devagar no começo, exponencial depois. Até 1994, o empreendimento original tinha se transformado em quatro lojas no interior paranaense. Em 2004, depois de a segunda geração ter entrado no negócio, o número tinha saltado para 24, com faturamento de R$ 180 milhões. Vinte anos depois, eram 230 endereços, que multipliocaram o faturamento por 10: aquele R$ 1,8 bilhão de 2024. 

“Nosso desafio é crescer sem perder o jeitão de interior. Atender bem quem as grandes redes não conseguem alcançar”, conta Márcio. 

Crediário e liquidez

No começo, o MM vendia fiado, com as dívidas dos clientes anotadas num caderninho. Era uma forma de financiar com capital próprio os clientes sem acesso a crédito. A prática segue: cerca de 70% das vendas são financiadas pelo crediário da casa. 

Outra estratégia é recompensar os funcionários por desempenho. Gerentes de lojas ganham até 40% a mais se atingirem metas de vendas, de limpeza e de gestão de pessoas. Isso ajuda a manter a rotatividade baixa: em média, os funcionários trabalham há 15 anos na empresa. 

O MM usa o próprio caixa para financiar o grosso da operação. A alavancagem, então, é diminuta: 0,85x o ebitda (lucro antes de impostos etc.) – lembrando que até 2x já seria um patamar saudável, de boa liquidez.

Outra vantagem da MM é justamente contar com crediário próprio – à exemplo das grandes varejistas, que acabam funcionando também como instituições financeiras.

“E no caso dela são produtos de margem maior (móveis), e menos competição de oferta. Tudo acaba servindo como uma proteção”, diz Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail.

Do varejo ao atacado

Depois das vacas magras da pandemia, o grupo montou um centro de distribuição em Campina Grande, na Paraíba, para atender, no atacado, pequenas lojas de móveis e de eletrodomésticos do Nordeste. Trata-se de empreendimentos familiares, que acabam não conseguindo preços melhores diretamente com os fabricantes. 

Aberta há três anos, a operação atende 2 mil lojistas e colhe vendas mensais 23% maiores a cada ano. A segunda unidade vai abrir em Feira de Santana, Bahia, no segundo semestre deste ano, como parte do plano de aumentar o faturamento para R$ 3,5 bilhões até 2031.

“Depois do caso Americanas, os fornecedores passaram a tratar melhor redes como a nossa.  E queremos ajudar as menores a ofertar produtos de melhor qualidade e preço”, diz Pauliki. Enquanto, o MM lucra junto, é claro.   

A empresa estima que há mais de 50 mil lojistas de móveis e eletrodomésticos em cidades com menos de 40 mil habitantes –  onde as entregas das vendas online chegam com muito atraso e custo. “Num país de dimensões grandiosas como o nosso, por mais que as grandes redes marquem presença, sempre haverá lacunas entre um pólo urbano e outro; é onde as redes regionais crescem”, diz Eduardo Yamashita, da consultoria Gouvêa Ecosystem

O grande desafio virá quando as redes nacionais conseguirem igualar as regionais em preço e prazo de entrega – missão que deve ficar para a terceira geração, as duas filhas de Márcio Pauliki, que se preparam trabalhando na empresa da família. 

E o galo? Não foi para a panela. Morreu por causas naturais e foi enterrado com carinho numa gruta próxima ao centro de distribuição de Ponta Grossa.


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