Com uma presença histórica em mercados populares e uma base fiel de revendedoras, a Avon foi, por anos, a porta de entrada da venda direta em novos lares e classes de consumo. Também foi relevante para abrir portas para a Natura nesses últimos cinco anos: 7 em cada 10 lares em que a Avon tem presença passaram a consumir também os produtos da Natura. Ainda assim, a percepção é de que a marca Avon ficou parada no tempo.
“A Avon é um desafio que a gente não conseguiu superar, mas temos um bom caminho para reverter com a gestão de marca sob nossa responsabilidade”, disse o CEO da Natura, João Paulo Ferreira, na sede da companhia em Cajamar em apresentação a analistas e investidores no último dia de junho.
O que fez a Avon envelhecer
O diagnóstico da própria Natura e de gestores de mercado ouvidos pelo InvestNews é de que faltou investimento em inovação. Assim, o portfólio se desgastou, fazendo a Avon perder relevância. Isso afetou ainda mais diretamente categorias-chave como maquiagem e cuidados com a pele. Esse é um mercado que exigem novidades constantes e rápidas para manter a fidelidade dos consumidores. E é justamente onde a concorrência cresceu muito.
No primeiro trimestre de 2025, a receita da Avon Brasil caiu 12%, impactada justamente pela falta de lançamentos relevantes em maquiagem.
Para Cristiano Corrêa, professor de negócios do Ibmec-SP, a dificuldade de marcas como a Avon se manterem relevantes não tem a ver apenas com a falta de lançamentos. Existem outros desafios como a definição de um bom posicionamento, investimento em marketing e construção de marca – além da capacidade de ter a leitura correta e ágil do comportamento do consumidor.
“Fazer uma marca conhecida voltar a crescer é mais difícil do que fazer uma marca desconhecida ser conhecida. Não adianta querer resgatar o que se foi há 30 anos. É preciso ressignificar a marca para novos consumidores, e isso custa caro. Não é uma virada rápida”, diz o professor.
Pelos cálculos da consultoria Euromonitor, o mercado brasileiro de beleza e cuidados pessoais deve crescer 54,6% entre 2024 e 2029, saindo de R$ 173 bilhões para R$ 267 bilhões. Mas essa disputa é cada vez mais fragmentada – e com novatas desafiando as marcas mais tradicionais.
O Brasil é o quinto maior mercado em lançamentos de marcas de beleza de acordo com a consultoria: são cerca de 200 novas marcas ou submarcas por mês. Os últimos anos foram marcados pelo nascimento de nativas digitais, como a Sallve, ou de influenciadoras como a Boca Rosa, de Bianca Andrade, ou mesmo a WePink, de Virginia Fonseca – cujo perfil da marca no Instagram tem mais seguidores do que o perfil da Avon.
Uma nova marca
Segundo Ferreira, “a Natura é a prioridade” da companhia, mas a Avon ainda é geradora de caixa em mercados onde a integração, batizada de Onda 2, já foi concluída. É o caso de países como Peru e Chile, por exemplo.
A integração também chega ao fim no Brasil, com a transferência da produção da Avon da fábrica de Interlagos, na Zona Sul de São Paulo, para Cajamar, onde a Natura tem uma de suas maiores fábricas. Falta, no entanto, concluir a Onda 2 na Argentina e no México. Não é pouca coisa, já que os dois países representam 70% das vendas na divisão Hispana. Além disso, se no Brasil 70% dos lares penetrados por Avon passaram a consumir Natura, nos países latino-americanos essa relação ainda é bem mais baixa: 30%, deixando, portanto, um caminho aberto para aumentar essas vendas cruzadas.
Enquanto isso, a Natura tenta repaginar a Avon, deixando para trás as rugas que a marca adquiriu. A empresa planeja uma revisão completa do portfólio na América Latina entre 2025 e 2026, além de otimizar os canais de vendas entre 2026 e 2027.
A companhia abriu poucos detalhes sobre o reposicionamento. A analistas de mercado, Tatiana Ponce, CMO do grupo, falou em “demand-centric growth” (crescimento orientado pela demanda do consumidor) e destacou a força que as redes sociais têm ganhado como canais de venda e de presença de marca tanto para Avon quanto para a Natura.
Um dos caminhos, acreditam alguns gestores, é transformar a Avon numa espécie de submarca robusta dentro do portfólio, além de dar mais espaço para outras submarcas da própria Avon, como Renew, bastante reconhecida no cuidado com a pele.
Força no catálogo
A Avon atua num papel importante de trazer mais consultoras, já que elas tendem a começar com um tíquete médio menor. É ela quem abre muitas portas para Natura. E esse também pode ser parte do desafio, segundo Corrêa, do Ibmec-SP. “A ampliação de base de consumidores não está clara. O reposicionamento tem de passar por reconhecer os públicos diferentes e pensar se vale manter a força de venda unificada ou criar estratégias diversas.”
Os últimos anos foram marcados por uma espécie de rouba-monte entre Natura e Avon – com a primeira tirando parte da fatia de mercado da segunda. E é essa dinâmica que a liderança da companhia não quer repetir.
Outro ponto crítico é justamente o custo de reposicionar a marca. Nesse ponto, Ferreira e seu time foram enfáticos em defender que qualquer investimento na Avon, agora, não será feito “queimando recursos”.
De qualquer forma, a entrada recente e mais intensa no varejo pela Avon também parece fazer parte do plano da companhia. Em 2024, a Avon passou a ser vendida em redes como Soneda e Bel Cosméticos e abriu uma loja no Mercado Livre. A estratégia é acessar novos consumidores, inclusive em classes mais altas para algumas categorias, além de entrar mais na categoria de presentes – onde Natura e Boticário são referências.
O México como última fronteira
Entre os mercados hispânicos, o México é uma das grandes apostas do grupo para retomar esse crescimento. O país é o segundo maior mercado de beleza na América Latina (atrás apenas do Brasil), mas a Natura é apenas a quarta em intenção de compra e tem apenas 16% de penetração dos lares por lá.
A ideia do grupo é usar a força da Avon por lá, onde a marca é líder, para abrir mais portas para a Natura. “Temos vários caminhos a percorrer no México: construção de marca, chegar em novos lares com Natura e transformar esses lares em consumidores de Avon e Natura. Com ferramentas melhoradas, vamos conseguir sucesso no México, como fizemos em outros países”, afirmou Diego Leone, responsável pela operação Hispana.
No México, a Natura operava no modelo multinível, que consumia mais recursos no canal do que na construção de marca. O modelo foi completamente encerrado no primeiro trimestre, o que pesou no desempenho da operação. Os impactos, como ruptura de produtos, e a própria queda de produtividade das consultoras nos primeiros meses da Onda 2, ainda vão se refletir nos números do segundo trimestre.
Com a integração das operações e o reforço de lojas físicas da Natura (hoje são 10 unidades no país), o plano é reverter esse cenário, explorando o mercado mexicano como uma alavanca de crescimento.
Sem Avon International
Depois de altos e baixos, a Natura agora busca transformar o que foi a porta de entrada para novos lares de novo em uma marca que cresce. E a venda da Avon International – unidade de negócio da Avon fora da América Latina – é parte desse redesenho, permitindo ao grupo focar no mercado local.
“Não é uma questão de se, mas de quando”, diz o CEO da Natura. Grande queimadora de caixa, a unidade já está separada das operações do grupo.
Para analistas, a venda da Avon International pode destravar valor e ajudar a reduzir o risco patrimonial, dando espaço para o grupo focar onde gera caixa e margem de forma consistente.
A Natura mantinha contrato de exclusividade nas negociações com a gestora IG4, de Paulo Mattos, mas o prazo se esgotou no fim de fevereiro. A direção da Natura afirma que uma equipe dedicada continua buscando uma solução para a Avon International, embora não haja um cronograma.